MP da desapropriação entrega as cidades aos interesses privados
Publicado em 15/04/16 por raquelrolnik
Na última terça-feira, participei em Brasília de audiência pública da comissão mista que analisa a Medida Provisória 700, que trata de regras para desapropriação. A matéria abaixo, da Agência Senado, resume o debate. Essa é uma discussão importantíssima nesse momento, uma vez que a MP será votada na próxima semana na comissão, seguindo depois para o plenário. Se aprovada, as consequências para nossas cidades serão graves. Confira a matéria.
Especialistas que participaram de audiência pública da comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP) 700/2015, criticaram nesta terça-feira (12) o texto editado pelo governo. A MP autorizou empresas e concessionários privados a promover ações de desapropriação de áreas por utilidade pública. Antes da edição da medida, só os governos — municipal, estadual ou federal — poderiam desapropriar.
De acordo com o representante do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Marcelo Edmundo, a medida faz parte da privatização e da mercantilização das cidades, no qual o interesse maior é o lucro.
— O dia a dia da cidade e os seres humanos são colocados em escanteio para aumentar os lucros cada vez mais. Fica claro, na medida, a possibilidade das empreiteiras fazerem o que querem. Ela entrega na mão dos especuladores, das grandes construtoras, o direito de desapropriar — lamentou.
Marcelo ressaltou que a medida foi “empurrada” pelo governo sem nenhum debate mais aprofundado. Segundo ele, qualquer projeto que intervenha na construção do espaço público não deve ser feito dentro de gabinetes, mas escutando a população previamente.
“Apropriação do público”
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Raquel Rolnik, disse que a MP, da forma como está redigida, legaliza a apropriação dos recursos públicos pelo privado.
Raquel Rolnik explicou que a medida provisória autoriza que o privado desaproprie uma área maior do que a estritamente necessária para a obra pública e a explore comercialmente de acordo com seu único interesse. Além disso, se após a desapropriação, por alguma razão, o governo desistir de fazer a obra, o privado poderá explorar a área do jeito que quiser, por exemplo, colocando os terrenos em fundos de investimento financeiro, especulando e se apropriando desses ativos.
— Com esta medida provisória a gente diz: ‘Queridas empreiteiras, querem terras públicas para explorar comercialmente sem nenhum tipo de constrangimento? Então toma’. Estamos fazendo avançar aquilo que tem nos indignado há anos — protestou.
Raquel Rolnik também ressaltou que a MP não deixa claro quem será responsável pelos reassentamentos e qual a natureza dos reassentamentos. E não deixa nenhum espaço para que os atingidos pela desapropriação participem dessa definição do seu destino.
Contratação Integrada
A representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Fabiana Izaga, também manifestou as preocupações da entidade em relação à medida provisória. Segundo Fabiana, a MP possibilita às empreiteiras a realização de desapropriações de utilidade pública para a execução de empreendimentos com o uso da “contratação integrada”, instrumento que dispensa o projeto nas licitações de obras públicas.
Fabiana leu ofício do presidente da IAB, Sérgio Magalhães, no qual afirma que a licitação sem projeto completo resulta em “obra com custo sem limite, prazo ampliado e qualidade baixa — demonstrado pelos preços dos estádios da Copa, pelas obras paradas do PAC, pela Refinaria Abreu e Lima, com custo dez vezes maior e muitas outras”. Sérgio ainda afirmou que, no âmbito urbano, a medida trará “consequências políticas e sociais graves, visto o direito das populações atingíveis, pois a MP é potencialmente dirigida às favelas e áreas pobres bem situadas no contexto da cidade”.
– De fato, o governo alienará o que não lhe pertence. A cidade é da cidadania, não é do governo – disse o presidente da IAB.
“Demandas”
A diretora do Departamento de Políticas de Acessibilidade e Planejamento Urbano do Ministério das Cidades, Ana Paula Bruno, argumentou que o texto da MP foi elaborado em um longo processo de demandas formuladas por vários ministérios e apresentadas por diversos setores da sociedade.
Ana Paula afirmou que, na MP, a competência para expropriar permanece com o ente público. Segundo ela, quem desapropria continua sendo o Estado, podendo apenas delegar a execução do procedimento expropriatório.
— Assim como a desapropriação continua sendo prerrogativa do ente público, é importante dizer também que o projeto que orientará essas desapropriações também é público. O que está sendo delegado é a execução de um procedimento expropriatório vinculado a um projeto que é público e que deve obedecer aos contornos da norma geral de política urbana, que é o Estatuto das Cidades — disse.
A representante do Ministério das Cidades também ressaltou que o texto tem uma inovação importante, que são as medidas compensatórias para os possuidores que, eventualmente, venham a ser afetados.
“Viés ideológico”
O consultor do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Floriano de Azevedo Marques, ressaltou a importância de se olhar para o projeto distanciando um pouco do viés ideológico. Segundo ele, a Medida Provisória diminui a incerteza do prazo da execução das obras e melhora a lei vigente, por estabelecer que as desapropriações necessárias aos planos urbanísticos, devem estar de acordo com o disposto no Plano Diretor da Cidade.
— Não estamos privatizando a prerrogativa de desapropriar. Isso é falso. Estamos dando instrumentos para que o poder público, que quero crer que é sério, possa envolver o particular (…) e fazer transformações urbanas — disse.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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