Com apoio das novas gerações, veteranos lançam discos
Daniel Oliveira
Da estreia de Di Melo, em 1975, até o seu álbum seguinte, Imorrível, passaram-se 40 anos. Depois de mais de oito décadas de música, Mestre Sebastião Biano, da Banda de Pífanos de Caruaru, lançou dois discos solo em sequência. O último, Chego Já, saiu no início de 2016. Dona Onete, cantora e compositora de Belém do Pará, coloca no mercado fonográfico a sua segunda obra, Banzeiro.
Somando as idades, mais de dois séculos de vida. As histórias, claro, são cheias de particularidades, mas o extenso hiato até entrar em estúdio, a criação de novos projetos e, sobretudo, a interação com gerações mais recentes, atentas às preciosidades da música brasileira escondidas ou esquecidas, são comuns entre os três.
"Estou no meu melhor momento e Pedro Diniz (produtor e diretor artístico de Imorrível) me ajudou muito. E lidar com esse pessoal mais jovem, Otto, BNegão, Larissa Luz, Emicida, Rael e Rashid, tem sido muito importante. Essa interação reconforta", diz um Di Melo animado com o seu retorno, após um longo tempo recluso.
Nos anos 1980, chegaram a afirmar que ele havia saído de cena. O boato, inclusive, foi o mote da escolha do título desse seu segundo disco. "Todo mundo achava que eu tinha morrido em um desastre de moto e deixado o único trabalho de 1975", conta o pernambucano.
A primeira obra de Di Melo, homônima, foi a sua porta de entrada e saída, depois de desilusões com o mercado e os direitos autorais. Porém, também o lampejo para o retorno formal da carreira. Isso por conta do prestígio nos anos 1990 do álbum no exterior.
Elogiado pela crítica estrangeira, ele é considerado raro e vendido por valores que chegam, convertendo a moeda, a ultrapassar mil reais. Em 2011, o vinil apareceu no clipe de Don't Stop The Party, da banda norte-americana The Black Eyed Peas.
Ao mesmo tempo, músicas do soulman nordestino, como Kilariô e A Vida Em Seus Métodos Diz Calma, tornaram-se trilha sonora de festas alternativas com DJ's em diferentes cidades brasileiras. Assim, o cantor e compositor, já na casa dos 60, passou a receber mais convites para shows.
Começou então a trabalhar com o jovem baixista e atual fiel escudeiro Pedro Diniz, que fala sobre a parceria: "Ficamos amigos e ele me chamou para produzir o disco. Em dezembro de 2014 começamos a gravar em Recife e reuni pessoas que já conhecia. Me baseei no primeiro, mas também trouxe contrastes modernos, como o dub e outras coisas, que, no início, ele até tinha um pouco de resistência".
Diva do carimbó
Se quiser saber o que é a jamburana, o benguê ou o carimbó chamegado, Dona Onete explica com carisma, malemolência e música. De cabeça, ao todo, são mais de 300 composições. Contudo, esse vasto cancioneiro infelizmente não está registrado.
A cantora e compositora, de 78 anos, lançou o primeiro álbum apenas em 2012. O próximo, pelo menos, não vai demorar tanto. Ela apresenta Banzeiro em 2016. Um single, que dá nome ao trabalho, já foi divulgado para audição no site da Natura Musical.
Descoberta no início da década passada, a diva do carimbó ganhou fama entre jovens de Belém do Pará e em outras cidades. Chamou a atenção de músicos de gerações mais novas, foi gravada por Gaby Amarantos e Aíla e dividiu o palco com Otto e Felipe Cordeiro.
Antes, Dona Onete alternava a rotina de professora de história com a de integrante de um coletivo de rock com o Mestre Laurentino. Em 2009, foi convidada pelo músico Marco André para gravar o primeiro disco. "Ele ouviu as minhas músicas e disse que iria produzir um CD pra mim pela Vivo. Mas eu era uma ilustre desconhecida e foi necessário o diretor me ouvir cantar. E ele assinou embaixo", relembra.
Dessa vez, em Banzeiro, a produção é de Pio Lobato. Referência na guitarrada, o músico também acompanha a cantora nos seus espetáculos. Na estruturação dos arranjos, Dona Onete afirma que ele seguiu o enredo das suas referências e composições.
"Eu canto boleros e Pio veio para o meu lado. Eu não queria guitarrada. Eu canto música afro, samba. Como sou dona da música dá tudo certo". Ela também apresenta o banguê, ritmo levado por negros escravizados ao Pará. O single, que dá nome a obra, foi lançado no início de abril e já demonstra essa influência.
Mestre do pífano
Foi tocando que o Mestre Sebastião Biano e Júnior Kaboclo se conheceram. Em São Paulo, na festa do Centro de Cultura M'Boi Mirim, onde a Banda de Pífanos de Caruaru regularmente faz shows, as duas gerações do pife subiram juntas ao palco em 2008.
"Fiquei sabendo que eles iriam tocar, fui e acabei fazendo participação em uma música. O irmão dele não estava mais na banda, pois já havia falecido. Ele estava tocando sozinho e, antes, um fazia a primeira voz, outro a terça ou oitava. Os pífanos iam conversando. E Sebastião estava meio triste e me fez o convite para tocar com eles", conta.
"Fazia tempo que não encontrava um tocador de pífano, estava há sete anos só. Ele já toca as músicas, mas para aprender e conseguir chegar no meu tom deu trabalho. Agora o bom é que tem mais festa para a gente tocar", completa o Mestre Biano.
Não demorou muito para o percussionista Eder "O" Rocha, ex-Mestre Ambrósio, a baixista Renata Amaral e o violeiro e rabequeiro Filpo Ribeiro, amigos de Kaboclo, serem agregados. Eles formaram o grupo O Terno Esquenta Muié, que passou a acompanhar Mestre Biano em suas apresentações.
Essa reunião já resultou em dois discos, sendo que o último, Chego Já, foi lançado em fevereiro deste ano. No trabalho, o Mestre Biano, aos 96 anos, expõe músicas compostas há mais de cinco décadas, entre novenas, marchas e valsas, inspiradas em temáticas religiosas.
"Estou ainda com o meu pensamento em música. Mesmo com essa idade, ela não saiu da minha cabeça".
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