terça-feira, 12 de abril de 2016

BIJOY JAIN, ARQUITETO

Bijoy Jain, 

o contrário do ego na arquitectura



O arquitecto, um indiano de 49 anos, alto, cabelo preto esbranquiçado, mostra uma fotografia que tirou a um artesão de gadanhas do Rajastão, no norte da Índia, e essa fotografia tem uma história.
Uma história simples: o artesão tem uma T-shirt, peça de vestuário ocidental, por oposição às tradicionais camisas de linho usadas por estes artesãos-vendedores. O arquitecto perguntou-lhe por que usava uma T-shirt e o homem respondeu que fora uma oferta. No momento de pagar, o artesão enfiou a mão num bolso frontal da T-shirt, abaixo do peito – qual Napoleão deslizando a mão debaixo do colete – para procurar troco. Esses bolsos frontais são típicos na indumentária local. A mulher do artesão cortara a T-shirt e cosera um bolso na parte da frente, usando um resto de tecido que tinha em casa. “O que era fechado tinha sido aberto”, resumiu o arquitecto, que viu nisso o mesmo gesto que procura na sua prática: a “ausência de preconceito”.
Conferências de arquitectura costumam ser assim: apresentações de projectos, slide atrás de slide, fotografia atrás de fotografia, esquisso atrás de esquisso. Mas os poucos esquissos trazidos por Bijoy Jain mal se viam e, de qualquer modo, não era por isso que ele estava ali, no grande auditório do Centro Cultural de Belém, a falar para 1400 pessoas, quase todas estudantes de arquitectura, na terça-feira. E, apesar de também ter mostrado projectos do seu atelier, Jain não falou só de arquitectura – ou, pelo menos, não era preciso ser arquitecto para alcançar a sua mensagem. Mensagem, sim: por mais de uma vez, o homem no palco pareceu-nos um guru.

Convidado pela Trienal de Arquitectura para a sua série de conferências internacionais, Bijoy Jain foi recebido em Lisboa como “o homem do momento”. Jain formou-se em arquitectura nos Estados Unidos, e a seguir trabalhou no atelier de Richard Meier, em Los Angeles, no período em que este arquitecto americano estava a projectar o monumental Getty Center. Três anos depois, Jain mudou-se para Londres, onde estabeleceu o seu próprio estúdio de arquitectura, em parceria com um amigo, experiência que não foi muito duradoura. Em meados da década de 1990 regressou à Índia e a questão que o tomou de assalto foi: como encontrar a sua forma de expressão num país com 1,2 mil milhões de habitantes – dos quais 500 milhões constroem as suas próprias casas?
Jain vira os primeiros sinais de recessão em Londres, mas, por sua vez, quando voltou para a Índia, encontrou uma economia em crescimento, a globalização a acomodar-se e um país em mudança. Além de projectar casas magníficas no meio de uma plantação de coqueiros – aproveitando o intervalo entre as árvores, em vez de abater árvores para edificar (Casa Palmyra, 2007) – ou em torno de uma cisterna (Casa Tara, 2005), Bijoy Jain fez-se notar pela abordagem e metodologia que imprimiu ao seu trabalho. O seu Studio Mumbai, a meia hora de Bombaim, é um atelier sui generis que em determinado período incluía mais de uma centena de artesãos (carpinteiros, pedreiros, etc.) que trabalhavam colectivamente nos projectos. Estes artesãos não se limitam a executar instruções dadas pelo arquitecto.
Como nota José Mateus, director da Trienal de Arquitectura,  “uma coisa é um arquitecto desenhar e saber que tem aquele carpinteiro ou aquela fábrica competente; outra coisa é o carpinteiro estar ali e o desenho não avançar sem ele”. Muitos dos técnicos que trabalham no atelier de Jain não são diplomados, nem sabem ler um desenho arquitectónico ou usar um computador. Mas uma marca do trabalho de Jain é aproveitar e integrar essas técnicas artesanais, passadas de geração em geração, bem como utilizar os materiais locais, naturais e disponíveis. “Não somos nostálgicos em relação à tradição, ao passado”, disse o arquitecto na conferência. “Usamos os recursos que usamos por uma questão de economia de meios.”
Num atelier de tecelagem que está a projectar, as pedras utilizadas foram trazidas de um leito de rio seco, a dois quilómetros de distância do local. Para uma cabana localizada a mais de 2000 metros de altitude num ponto montanhoso dos Himalaias (Leti 360, 2007), usou só madeira e pedra que a comunidade local transportou à mão para o local.
A história do artesão com a T-shirt do bolso frontal era mesmo uma parábola sobre a arquitectura de Bijoy Jain: ela não deixa de reflectir a enorme influência da arquitectura moderna ocidental, mas Jain não esqueceu as suas origens.
Um britânico sentado na plateia do auditório notou que a questão da autoria é muito importante para os arquitectos portugueses e perguntou a Bijoy Jain como era para ele. “É muito importante. Alguém tem de conduzir o carro. Todas as pessoas dão o seu contributo [para os nossos projectos]. Mas ser o autor significa assumir a responsabilidade. O que não quer dizer que a autoria seja uma coisa exclusiva.”
Ele encerrou a conferência com um vídeo de uma jovem mulher empilhando nove tijolos, um a um, no topo da cabeça, e caminhando com essa carga, ligeira e graciosa. Moral da história, segundo Bijoy Jain: é importante construir com elegância.
    

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