sábado, 13 de fevereiro de 2016

DO ABADÁ A PULSEIRINHA


Paulo Miguez




Nas últimas três décadas, o binômio bloco-estrela pariu, fez crescer e consolidou a economia do Carnaval de Salvador, capitaneando uma invejável carteira de negócios: captura de patrocínios para os “ensaios e desfiles; venda de abadás; grandes negócios com a indústria fonográfica; organização e/ou participação nos carnavais fora de época em muitas cidades brasileiras; realização de eventos nas festas juninas do interior da Bahia; constituição de “holdings”, como a Central do Carnaval e a Axé Mix.
Este quadro está mudando. É que os camarotes – que na sua versão comercial, lembremos, é mais um empreendimento da carteira de negócios do binômio bloco-estrela – estão assumindo a condição de carro-chefe do carnaval-negócio. O abadá, que garante presença no bloco, está cedendo lugar para a pulseirinha, que permite o ingresso no camarote.
São sinais efetivos dessa mudança, por exemplo, a redução do número de dias de desfile de muitos blocos que, certamente, viram diminuir a demanda por seus abadás – no Carnaval deste ano, dentre os grandes blocos, apenas o Camaleão, puxado por Bell Marques, e o Me Abraça, com Durval Léllis, manterão os tradicionais três dias de desfile – e a tendência de queda que entre 2012 e 2015 experimentou o ISS recolhido pelos blocos enquanto que, para o mesmo período, o que se viu foi o crescimento do valor desse tributo pago pelos camarotes.
Todavia, os efeitos desse processo não alcançam de maneira uniforme a economia do carnaval-negócio. Os grandes blocos e estrelas de primeira linha não devem sofrer com as mudanças. Continuarão sendo o principal chamariz para a venda de abadás para os desfiles e de pulseirinhas para os camarotes e, também, para o patrocínio dos seus trios elétricos que em alguns dias se apresentam sem bloco, fora das cordas. Já os blocos menores, com artistas de pouca visibilidade, muito provavelmente terão cada vez mais dificuldades em vender abadás e, principalmente, em obter patrocínios.
Preço alto também pagarão os “cordeiros” – um exército de muitos milhares de pessoas desempregadas e subempregadas que, durante o Carnaval, a troco de pequena  remuneração e sob condições de grande precariedade, desempenham a estratégica função de guardar as cordas dos blocos durante os desfiles – e um sem número de pequenas empresas e profissionais os mais diversos que se especializaram na prestação de muitos serviços aos blocos.
Por outro lado, do ponto de vista mais geral da festa, é preciso estarmos atentos aos desdobramentos que possam resultar da reconfiguração que se anuncia para o negócio carnavalesco. Arrisco a dizer que a redução da presença do modelo bloco-empresa com suas cordas e abadás, combinada com o recolhimento de parte dos foliões aos camarotes, pode ampliar o espaço para os foliões-pipoca, trios elétricos, microtrios e pequenas outras organizações carnavalescas como, por exemplo, os afoxés e os blocos de sopro e percussão de caráter mais comunitário (vizinhos, amigos, etc.).
Um desdobramento nessa direção, bem-vindo, com certeza, não acontecerá, contudo, sem uma decisiva intervenção do poder público. Dele deve ser exigida a regulação do novo negócio, os camarotes, coisa que não fez com os blocos-empresa – e aqui, de cara, uma questão de princípio: instalação de camarotes só em espaços privados; em espaço público, nunca, jamais.
Mas a ele caberá, também, a responsabilidade pela implementação de políticas de cultura que estimulem a presença do folião-pipoca e de entidades carnavalescas organizadas por fora do negócio do Carnaval.
Paulo Miguez é professor e atual vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba)

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