quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A INCRÍVEL HISTÓRIA DO TRÁFICO

 DE CERVEJA 
NO CARNAVAL 
DE SALVADOR



Acordei nessa Quarta-feira de Cinzas com um sonho tão real, que misturava cenas do filme Cidade de Deus com uma série da Netflix. Sonhei que a cerveja virou droga em pleno carnaval de Salvador. E toda uma estrutura digna do tráfico internacional de drogas foi montada por um prefeito imaginário chamado Zé Menininho.

O tráfico só tem sucesso com a formação de um cartel de produção, distribuição e venda de droga. Menininho se uniu à máfia japonesa Kirun, dona da cervejaria Schun, e juntos formaram o Cartel Malvadeza. O negócio de 25 milhões de reais fez o prefeito fechar as ruas da cidade e obrigar todos a consumirem sua bebida ruim e exclusiva.

Menininho montou centros de distribuição da droga nos circuitos do carnaval e padronizou todas as bocas de venda com isopor e balcão galvanizado nas cores da cervejaria. Os fiscais da prefeitura viraram aviõezinhos, subindo e descendo pelo circuito para garantir o cartel, e os peixes mais graúdos, como secretários e superintendentes municipais, foram promovidos a gerentes da boca.

É óbvio que isso é ilegal. Fere as liberdades individuais previstas na Constituição, e o princípio do livre comércio, do qual o Brasil é signatário na OMC. Mas uma das características do tráfico é a cooptação da mídia, da polícia e do judiciário. Menininho herdou de seu avô uma rede de televisão, rádio e jornal para espalhar através de entrevistas exclusivas que essa coisa de obrigar as pessoas a beber só uma marca de cerveja era de boa. Usou a força de sua Guarda Municipal para obrigar a venda. E no meio da muvuca, foi flagrado ao lado de uma chefe do poder judiciário baiano, que deu gargalhadas ao ser questionada sobre a ilegalidade do monopólio da droga. 

Mesmo assim, ganhou concorrência. O empresário e deputado federal João Galego, que é dono da rede supermercados Real e da distribuidora de bebidas Tio Tchan, se uniu à máfia belgo-brasileira Bevim, dona da cervejaria Skal, e juntos formaram o Cartel de Ondina. Ambulantes não licenciados, que guardavam a cerveja amarelinha em mochilas térmicas, vendiam aos viciados da folia. 

Menininho não perdeu tempo e bateu na porta de Galego, que logo o reconheceu pelo olho mágico. João ficou aliviado e abriu a porta, pois seus partidos são coligados durante as eleições. “Nossa, que susto, Menininho, você chegar sem avisar assim na minha boca”, falou. “E quem falou que a boca é tua, rapá?”, retrucou Menininho, que num rompante apreendeu as 20 mil latinhas da droga de Zé Galego, que ficou chorando e berrando: eu vou acabar com você, seu pai, sua mãe e até seu avô, que já está morto!

O início da queda de Menininho, assim como a de Pablo Escobar, foi a soberba. Subiu pra cabeça. A população não gostou e se recusou a beber a droga oficial para beber a droga paralela. Merda por merda, o povo se sentiu no direito de escolher a merda pra se drogar. Isso afetou as vendas dos ambulantes, que pagaram o arrego da licença de 500 reais para vender a droga de Menininho. Foi aí que começou a parte mais legal do sonho: uma revolta popular!

Centenas de ambulantes saíram às ruas no Circuito de Ondina protestando aos gritos de “queremos trabalhar, queremos trabalhar”, tocaram fogo nas caixas de isopor e colocaram a boca no trombone em pleno carnaval. O furdúncio armado virou notícia nacional. Porém, como sempre, quem se ferra é o lado mais fraco na cadeia do tráfico: enquanto os chefões ficam impunes, os mais pobres foram reprimidos e hostilizados pela polícia. A população de Salvador apoiou os ambulantes, pois fazem parte do povo que luta para sobreviver numa cidade dominada pelos traficantes do poder público. 

Acordei ao som de “as que comandam vão no trá” e vontade de mijar. Que sonho lindo, o povo se organizando para vencer a luta contra a opressão. Enquanto refletia sobre a necessidade de legalizar as drogas para acabar com o tráfico, esse sonho me lembrou de outro sonho: um senador candidato a presidente que era traficante internacional de cocaína. Construiu um aeroporto numa fazenda da família para montar seu cartel. Chegou a ter um helicóptero com meia tonelada de droga apreendido, mas não deu em nada. Mas isso é outra história, que é claro, precisava de outra revolta popular.

Observação: essa é uma história de ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.

Autor: Fabrício Silva

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