segunda-feira, 12 de outubro de 2015

UM FILME DE CINEMA

"Este filme deve ser assistido  por todos os estudantes de cinema para
iniciarem suas vidas profissionais envolvidos em um verdadeiro diálogo de
artistas." Sílvio Tendler


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Dirigido por Walter Carvalho. Com: Béla Tarr, Júlio Bressane, Lucrecia Martel, Ruy Guerra, Ken Loach, Jia Zhangke, Gus Van Sant, José Padilha, Andrzej Wajda, Karim Aïnouz e Cláudio Assis.

Logo nos primeiros minutos de Um Filme de Cinema, dirigido pelo mestre Walter Carvalho (Raul Seixas – O Início, O Fim e o Meio), uma colmeia construída nos restos de um cinema abandonado é incendiada e, numa fusão belíssima, vemos as chamas sendo lentamente substituídas por um velho projetor. É uma transição poderosa, evocativa e cheia de significados que já exibe, em si mesma, o poder que o Cinema tem de despertar ideias de maneira complexa e inesperada.

Esta sequência inicial, repleta de melancolia, percorre os restos do velho Cine Continental, em Boqueirão (na Paraíba natal do cineasta), revelando latas de filme enferrujadas, cadeiras de madeira partidas sobre o chão tomado por ervas daninhas enquanto, do velho projetor, saem alguns centímetros de um rolo de película amarelada, coberta de areia e de tempo.

A partir daí, Carvalho nos leva a uma discussão madura, ambiciosa e fascinante sobre o Cinema – não algo simplista como “meu filme favorito é...” ou “tudo era melhor antes”, mas um debate quase filosófico não só sobre a Sétima Arte, mas sobre a natureza do criar e da própria imagem. Para isso, ele reúne um grupo invejável de entrevistados, não sendo surpresa que nenhum deles seja identificado por legendas, já que é razoável supor que o público-alvo de um documentário como esse certamente saberá reconhecer Béla Tarr, Ruy Guerra, Lucrecia Martel, Karim Aïnouz, Ken Loach e Andrzej Wajda. Ainda assim, o documentário não resiste à tentação de reproduzir elementos das obras dos diretores em suas próprias entrevistas, rodando Tarr em preto-e-branco, reproduzindo a sombra de Guerra sobre a paróquia de O Veneno da Madrugada ou seguindo Gus Van Sant como nas sequências de Elefante, projetando, assim, os criadores dentro de suas criações.

Rodado ao longo de 15 anos, Um Filme de Cinema é obviamente um projeto pessoal e apaixonado sobre a evolução de uma forma de expressão artística que, mesmo com mais de cem anos, ainda encontra-se em sua adolescência (e, em algumas das entrevistas, podemos ver Carvalho consideravelmente mais jovem) – e o longo processo de produção pode ser constatado através dos diversos suportes usados em sua captação e que resultam em diferentes texturas, paletas e mesmo na qualidade visual das conversas (aquela envolvendo Babenco, em particular, surge bastante precária). O mais importante, contudo, é notar como as discussões em si permanecem intrigantes independentemente de outros fatores, envolvendo, por exemplo, a natureza do som no fora de campo e como este pode ajudar um realizador talentoso a construir não só o espaço de sua narrativa, mas também seu tempo.

Da mesma maneira, é fascinante ouvir Béla Tarr discorrendo sobre sua predileção por planos longos (algo que, em parte, ele atribui ao seu desgosto por passar muito tempo na sala de montagem) e sobre como, mesmo sem cortes físicos, um diretor pode sugeri-los através da movimentação da câmera e da mudança no tamanho dos quadros. Por outro lado, Júlio Bressane se mostra interessado, claro, na potencialidade que o Cinema exibe para experimentação com a linguagem, enquanto Jia Zhangke sugere encantamento pela possibilidade de que a Arte influencie o mundo “real” – algo que outros de seus colegas não enxergam como prioridade.

E é aí que Um Filme de Cinema ganha sua força - ao oferecer a artistas completamente distintos a oportunidade de discutirem suas escolhas estéticas, narrativas e mesmo filosóficas: se José Padilha parece acreditar, por exemplo, que o filme cria o artista, Béla Tarr descarta isso como bobagem, assegurando ter controle absoluto sobre sua criação, ao passo que Ken Loach se posiciona entre os dois, refletindo que o processo artístico envolve um pouco de ambos. Já em outros instantes, todos parecem concordar com relação a determinado aspecto da realização cinematográfica (como a importância do ritmo narrativo), voltando a discordar no segundo seguinte sobre, digamos, a natureza de Hollywood (Padilha se mostra otimista; Guerra afirma que os blockbusters “adulam” o público com o objetivo de convencê-lo a comprar o que a indústria quer vender – e não pude deixar de pensar nas Comic-Cons da vida). Com isso, o projeto de Carvalho se revela não um filme de conclusões, mas de discussões!
 , o que é muito mais ambicioso e instigante.

Como se não fosse o bastante, o diretor ainda demonstra ter plena consciência de que a criação artística não pode ignorar um elemento fundamental: o público e sua resposta (intelectual, psicológica, emocional) ao Cinema. Para isso, Carvalho visita o pequeno vilarejo que hospedou as filmagens de Cinema Paradiso, entrevista Salvatore Cascio (o – agora adulto – garotinho daquele Jovem Clássico) e cria um plano magistral no qual vemos uma pequena fileira de cadeiras de cinema localizadas no meio da rua e ocupadas por cinco pessoas que, aos poucos, se levantam e se afastam, ilustrando poeticamente como a Sétima Arte pode nos transportar do caos de nossas vidas a um universo novo e, então, nos retornar ao nosso cotidiano de trânsito e correria.

O que nos traz de volta ao velho Cine Continental, cujas ruínas são um espectro do que o Cinema Paradiso representava antes de sua demolição – e, mesmo destruído, ele é visto por Walter Carvalho (e por seu lindo documentário) como uma espécie de fênix sempre pronta a voltar das cinzas, já que, para isso, precisa apenas de luz e algo a projetar. E quando o projecionista (vivido pelo cineasta Claudio Assis) religa o aparelho e projeta o experimento de Muybridge com as imagens de um cavalo em movimento na parede manchada do Continental, isto é o suficiente para que os velhos espectadores sorriam, encarem a “tela” com um olhar encantado, voltem a sonhar e rejuvenesçam.

E, com isso, os destroços antes cobertos pelo tempo agora se cobrem de Cinema. Como todos que amam esta Arte tão bela.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Brasília 2015.

16 de Setembro de 2015



Sobre o autor da crítica:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
Enviada por: Marcos Manhães Marins <marcos@cinemabrasil.org.br>

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