'Salvador parece anestesiada', afirma Daniel Lisboa, um dos nomes do novo cinema baiano
por Daniel Silveira
Foto: Luana Ribeiro / Bahia Notícias
Aos 35 anos e com seu primeiro longa-metragem em um dos principais festivais de cinema do país, o baiano Daniel Lisboa estreia TROPYKAOS, “um filme sobre a desesperança”, como faz questão de notar. Filhos de pais que sempre estiveram envolvidos com arte, depois de se aventurar (e tentar se encaixar) nos cursos de Jornalismo, Filosofia e Direção Teatral, Daniel resolveu que a experiência com uma câmera VHS de seu pai na adolescência poderia dar bons frutos e entrou na faculdade de Cinema. A partir daí as portas do festivais começaram a se abrir. Depois de causar polêmica com “O fim do homem cordial”, curta de 2005 que mostra um sequestro fictício do então senador Antônio Carlos Magalhães, o diretor ficou conhecido em todo o país. Prestes a lançar seu mais novo filme em Salvador na Mostra Competitiva Nacional do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema, Daniel conversou com o Bahia Notícias sobre a sétima arte, festivais, baianidade e TROPYKAOS.
Como anda os preparativos para a estreia do seu filme?
O filme ficou pronto tem cerca de um mês, então, a gente tinha desejo de lançar em alguns festivais. O Festival de Brasília era o foco principal, só que a gente não conseguiu mandar o filme finalizado para eles. Como não rolou Brasília, a gente pesquisou quais festivais nos interessavam. Nossa meta era: Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo; Janela Internacional de Cinema do Recife, Panorama Internacional Coisa de Cinema, a Semana dos Realizadores no Rio de Janeiro e o Mostra de Cinema de Tiradentes. O primeiro dele é a Mostra Internacional de São Paulo, onde vai ser o lançamento mundial do filme, que vai ser a primeira exibição do "TROPYKAOS". A mostra traz vencedores dos principais festivais de cinema do mundo. O bacana é que a gente está na competitiva Novos Diretores, que já faz um recorte dentro do grande volume de filmes no festival. Tem filmes do mundo inteiro e seis brasileiros estão lá, inclusive o filme do também baiano João Gabriel, o “Travessia”. Ter sido selecionado para uma mostra como essa já é muito importante para a carreira do filme, ganhar prêmio é lucro.
Como é estar em um festival dessa magnitude?
Estou reaprendendo. O que deixa a gente tenso é se os curadores dos festivais vão receber bem ou não o filme. Quando os principais curadores de festivais abraçaram o filme eu dei uma tranquilizada. Porque o que vem depois é muito gostoso, o que as pessoas que verão vão dizer. É legal ouvir gente que gosta e que não gosta de seu filme, mas isso não tira meu sono.
O ator Gabriel Pardal interpreta Guima, protagonista de TROPYKAOS, que tenta sobreviver à cidade. Foto: Divulgação
Seu filme também está no Panorama. Como é a sua relação com o festival?
Num primeiro momento a gente chegou a ter um problema, na época de “O Fim do Homem Cordial”, porque o Panorama era patrocinado pelo governo e houve uma pressão da classe para o filme estar no festival. E Cláudio ficou numa sinuca de bico, mas depois foi se ajeitando. Com "O Sarcófago" também teve uma polêmica, porque ganhou o prêmio de Melhor Curta Baiano sem estar na Competitiva Baiana. Estava na nacional, mas o júri falou que entre os baianos no festival, ele era o melhor.
Qual a importância de um festival como esse na produção audiovisual da Bahia?
O Panorama é um festival que traz realizadores interessantes de outros estados para estar aqui. É muito ligado ao que o pessoal chama de cinema pós-industrial, que tem nomes como André Novais, os irmãos Pretti, o pessoal da Trincheira Filmes, do Alumbramento. O Panorama é o melhor evento de cinema da Bahia e um dos melhores do Brasil. Lembro quando o Cláudio (Marques) fez uma sessão nas ruinas, logo quando ele conseguiu a permissão para restaurar, a céu aberto com projeção no paredão. Fico muito feliz de ver tudo isso que o Claudio conquistou.
"O Fim do Homem Cordial", que abriu algumas portas em sua carreira é um filme um tanto polêmico, não é?
No filme, a gente simula o sequestro de Antônio Carlos Magalhães e sequestra também as imagens de um telejornal da TV Bahia. Eu tinha um colega que trabalhava lá e ele conseguiu uma fita com material bruto. Quando a gente assistiu, viu que tinha offs de Casemiro Neto meio chateado, reclamando e eu achei perfeito para o que a gente queria. No off, ele está chateado com alguma coisa do estúdio e a gente montou de um jeito que ficou parecendo que era com o sequestro de ACM.
Não gerou muita confusão, não?
Gerou.
E como você lidou com isso?
Na época eu tinha 24 anos e estava me amarrando. Só minha mãe que ficava preocupada. Mas era uma coisa que estava precisando, Salvador estava em um marasmo cultural muito grande, foi tudo planejado. A gente decidiu fazer um vídeo bomba, que se estourasse no lugar certo, surtiria efeito. E o lugar certo era ganhar o Festival Cinco Minutos. E quando ele ganhou o festival, explodiu e saiu dilacerando tudo. Três diretores da Dimas foram demitidos em sequência. Foi uma confusão e um momento de guinada no audiovisual baiano, que juntou a nova geração com a galera do grupo Lumbra, Edgar Navarro, Pola Ribeiro, José Araripe Jr, para combater a censura que o filme sofreu.
Isso te deu fama de cineasta polêmico?
Sim. Na Bahia e fora também. A galera me chamava de enfant terrible (criança terrível, em francês, termo que faz referência a crianças que colocam adultos em situações constrangedoras). “O Fim do Homem Cordial” ganhou o Festival Videobrasil, logo na sequência. Pessoas que foram afetadas com o filme começaram a deslegitimá-lo dizendo que era nazista, xenofóbico. Mas quando o filme ganhou o Videobrasil, que é um dos principais do mundo, e ganhou o prêmio principal, eles tiveram que aceitar. Foi muito bom porque o pessoal conheceu meu trabalho fora da Bahia.
Foto: Luana Ribeiro / Bahia Notícias
Como é que anda a produção de audiovisual na Bahia, sob seu olhar?
A entrada do PT na gestão e a política de editais, que sintonizava com a tendência do Governo Federal, quando Gil era Ministro da Cultura, deu uma revolucionada enorme na produção. Por conta da quantidade da coisa feita, no investimento no audiovisual que, antes, era praticamente nulo, não tinha uma produção sistematizada. Os editais cumprem o papel de todo ano ter gente diferente fazendo filme. Nos últimos anos, de dois em dois anos, pelo menos, foi lançado um longa-metragem aqui. Teve o de Pola Ribeiro (Jardim das Folhas Sagradas), teve o de Edgard Navarro (O Homem que não dormia), teve o de Bernard Attal (A coleção invisível), o meu (TROPYKAOS) o de João Gabriel (Travessia). Começou a ter uma produção sistematizada de filmes. Esse incentivo do governo é fundamental para a produção audioviosual, mesmo existindo formas de fazer sem. Um dos problemas dos editais aqui da Bahia é que eles são equivocados. Premiam, mas demoram a pagar e isso pode atrapalhar a produção. Editais são necessários, mas precisam funcionar. Tem muita gente com projeto completamente estrangulado porque uma parte da verba não saiu. A gente passou por isso. Ficamos quase seis meses com o filme parado porque não tinha dinheiro. Por outro lado, em alguma hora esse dinheiro chega e você consegue tocar o trabalho. Essa política de edital foi uma das coisas que fortaleceu bastante a produção baiana. Outra coisa foram as faculdades, o Curso de Cinema e Vídeo na FTC, o Bacharelado Interdisciplinar da Ufba, o curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, o curso de Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste Baiano, em Vitória da Conquista. A gente começou a ver uma juventude interessada em fazer cinema e isso é fundamental.
O que essa geração nova tá fazendo de cinema?
A gente tinha muito como espelho essa geração do Lumbra. E acho que minha geração demorou a entender que poderia se aventurar no formato de longa sem ter que percorrer o caminho tradicional de escrever argumento, ganhar dinheiro para fazer o roteiro, fazer o roteiro, fazer o projeto, disputa edital, fica anos até ganhar, um processo demoradíssimo. O TROPYKAOS, por exemplo, é uma ideia que veio em minha cabeça em 200. É um ciclo muito dilatado de uma ideia virar imagem. Hoje eu acho que não precisa ser assim, mas na época eu acreditava que esse era o caminho para fazer cinema. Fui aprendendo que existe esse tipo de cinema, que é legítimo, mas tem vários outros caminhos pra se chegar a um longa de ficção. Eu vi isso quando os caras do Alumbramento soltando os longas deles com baixíssimo orçamento, com cinco, dez mil reais e sendo bem avaliados nos festivais e ganhando prêmios.
Você é o único baiano na competitiva nacional. Isso seria reflexo de uma baixa produção baiana?
O nível nacional que é muito alto. Tem muita gente boa fazendo filme bom. Não é só aqui que é difícil, é no Brasil inteiro. Eu acho que para participar de um festival, tem que ser um filme instigante, que traga novidade. Não é fácil entrar nas competitivas. Por isso me preocupei, por saber com quem estava competindo. O que importa é qualidade de seu filme, se ele for bom, ele vai entrar em qualquer lugar.
Como é que você lida com assuntos como distribuição e alcance?
Todo mundo quer que o maior número de pessoas consiga ver o filme. Tem gente que, desde a fase de produção pensa nisso. Não é assim que eu trabalho, eu trabalho a ideia. O que mais me interessa é fazer a ideia funcionar. Mas agora, com o longa, está sendo uma novidade a figura do distribuidor, porque com curtas é mais fácil, só festival e internet. Não faço filme pensando em quanto de público ele vai alcançar. Mas tem outro tipo de cinema que é pensado para chegar no público e é massa também.
TROPYKAOS estreia em São Paulo na Mostra Internacional de Cinema, em Salvador no XI Panorama Internacional Coisa de Cinema. Foto: Divulgação
E como é TROPYKAOS?
É importante falar o que não era pra ser TROPYKAOS. Eu via a produção baiana, principalmente no campo da temática, muito presa ao sertão, personagens históricos, como o Corneteiro Lopes, Maria Quitéria, Canudos; e sempre tive pavor disso. Achava legal, mas tinha uma coisa de seguir os passos temáticos de Glauber. Eu já sabia que era uma coisa que eu não ia trabalhar no TYROPYKAOS. Queria fazer um filme sobre a cidade, um filme urbano porque eu trabalho muito com minhas próprias referências e escolhi um personagem urbano e da classe média. A gente tenta desmistificar um pouco a ideia de baianidade, da terra da felicidade, cartão postal. Essa Bahia não interessa. Interessa a Bahia obscura, a noite, o Rio Vermelho, a Carlos Gomes. E o filme vai falar desse cara, o poeta Guima, tentando fazer parte dessa cidade tão complexa. É um cara que não tem corpo para viver nessa cidade, que está meio desencaixado. Ele é um poeta que não tem mais poesia, que começa a achar que ele está sofrendo de uma doença que ele chama de “ultraviolência solar” e a única coisa que ele tem, que o protege é um aparelho de ar condicionado que quebra. Essa violência é uma metáfora para uma cidade maltratada, dilacerada. É um filme sobre a desesperança, sobre a descrença do homem.
O filme é “sobre a cidade onde não se pode mais viver”. Mas qual é essa cidade?
É a cidade onde os políticos são estúpidos e corruptos. Você tira isso pelas obras do Rio Vermelho, da Barra, pelo Carnaval que, agora está tendo uma reação contrária aos anos de estrangulamento pelos blocos. “O Fim do Homem Cordial” foi um pouco assim, simulando um combate que eu achava que devia acontecer. As pessoas estão passivas. A galera aceita tudo: a prefeitura chega, faz uma reforma playuground e as pessoas não questionam. E elas decidem ir embora daqui. Essa é a “ultravilolência”, que vem da prefeitura, do mercado, dos empresários. Salvador parece uma cidade que está anestesiada, parece que sofreu um bombardeio e as pessoas ainda estão chocadas.
Edgard Navarro participa de seu filme, ele te inspira de alguma forma?
O Tropykaos é bem inspirado em Superoutro e no Meteorango Kid - O Herói Intergalático (filme de André Luiz Oliveira, lançado em 1969). São duas referências locais, que eu brinco que é a “trilogia do anti-herói baiano”. Edgar sempre foi o ídolo maior, por sua performance, por ser um cara polêmico, que fala bem. Sempre quis estar perto dele. Ele até propôs algumas coisas no roteiro. As falas dele e de Bertrand Duarte (que contracena com o diretor no filme) foram sendo criadas na hora, no improviso.
Tem alguma coisa de você no filme?
Muito, onde eu pesco as deias é onde eu pego minhas referencias.
E o que os baianos e soteropolitanos, em especial, podem esperar de seu filme?
O principal é dar uma reformatada na ideia de baianidade. Uma reoxigenada porque a Bahia do filme está completamente fora do estereótipo. E isso vai ser bacana para o soteropolitano.
Como anda os preparativos para a estreia do seu filme?
O filme ficou pronto tem cerca de um mês, então, a gente tinha desejo de lançar em alguns festivais. O Festival de Brasília era o foco principal, só que a gente não conseguiu mandar o filme finalizado para eles. Como não rolou Brasília, a gente pesquisou quais festivais nos interessavam. Nossa meta era: Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo; Janela Internacional de Cinema do Recife, Panorama Internacional Coisa de Cinema, a Semana dos Realizadores no Rio de Janeiro e o Mostra de Cinema de Tiradentes. O primeiro dele é a Mostra Internacional de São Paulo, onde vai ser o lançamento mundial do filme, que vai ser a primeira exibição do "TROPYKAOS". A mostra traz vencedores dos principais festivais de cinema do mundo. O bacana é que a gente está na competitiva Novos Diretores, que já faz um recorte dentro do grande volume de filmes no festival. Tem filmes do mundo inteiro e seis brasileiros estão lá, inclusive o filme do também baiano João Gabriel, o “Travessia”. Ter sido selecionado para uma mostra como essa já é muito importante para a carreira do filme, ganhar prêmio é lucro.
Como é estar em um festival dessa magnitude?
Estou reaprendendo. O que deixa a gente tenso é se os curadores dos festivais vão receber bem ou não o filme. Quando os principais curadores de festivais abraçaram o filme eu dei uma tranquilizada. Porque o que vem depois é muito gostoso, o que as pessoas que verão vão dizer. É legal ouvir gente que gosta e que não gosta de seu filme, mas isso não tira meu sono.
O ator Gabriel Pardal interpreta Guima, protagonista de TROPYKAOS, que tenta sobreviver à cidade. Foto: Divulgação
Seu filme também está no Panorama. Como é a sua relação com o festival?
Num primeiro momento a gente chegou a ter um problema, na época de “O Fim do Homem Cordial”, porque o Panorama era patrocinado pelo governo e houve uma pressão da classe para o filme estar no festival. E Cláudio ficou numa sinuca de bico, mas depois foi se ajeitando. Com "O Sarcófago" também teve uma polêmica, porque ganhou o prêmio de Melhor Curta Baiano sem estar na Competitiva Baiana. Estava na nacional, mas o júri falou que entre os baianos no festival, ele era o melhor.
Qual a importância de um festival como esse na produção audiovisual da Bahia?
O Panorama é um festival que traz realizadores interessantes de outros estados para estar aqui. É muito ligado ao que o pessoal chama de cinema pós-industrial, que tem nomes como André Novais, os irmãos Pretti, o pessoal da Trincheira Filmes, do Alumbramento. O Panorama é o melhor evento de cinema da Bahia e um dos melhores do Brasil. Lembro quando o Cláudio (Marques) fez uma sessão nas ruinas, logo quando ele conseguiu a permissão para restaurar, a céu aberto com projeção no paredão. Fico muito feliz de ver tudo isso que o Claudio conquistou.
"O Fim do Homem Cordial", que abriu algumas portas em sua carreira é um filme um tanto polêmico, não é?
No filme, a gente simula o sequestro de Antônio Carlos Magalhães e sequestra também as imagens de um telejornal da TV Bahia. Eu tinha um colega que trabalhava lá e ele conseguiu uma fita com material bruto. Quando a gente assistiu, viu que tinha offs de Casemiro Neto meio chateado, reclamando e eu achei perfeito para o que a gente queria. No off, ele está chateado com alguma coisa do estúdio e a gente montou de um jeito que ficou parecendo que era com o sequestro de ACM.
Não gerou muita confusão, não?
Gerou.
E como você lidou com isso?
Na época eu tinha 24 anos e estava me amarrando. Só minha mãe que ficava preocupada. Mas era uma coisa que estava precisando, Salvador estava em um marasmo cultural muito grande, foi tudo planejado. A gente decidiu fazer um vídeo bomba, que se estourasse no lugar certo, surtiria efeito. E o lugar certo era ganhar o Festival Cinco Minutos. E quando ele ganhou o festival, explodiu e saiu dilacerando tudo. Três diretores da Dimas foram demitidos em sequência. Foi uma confusão e um momento de guinada no audiovisual baiano, que juntou a nova geração com a galera do grupo Lumbra, Edgar Navarro, Pola Ribeiro, José Araripe Jr, para combater a censura que o filme sofreu.
Isso te deu fama de cineasta polêmico?
Sim. Na Bahia e fora também. A galera me chamava de enfant terrible (criança terrível, em francês, termo que faz referência a crianças que colocam adultos em situações constrangedoras). “O Fim do Homem Cordial” ganhou o Festival Videobrasil, logo na sequência. Pessoas que foram afetadas com o filme começaram a deslegitimá-lo dizendo que era nazista, xenofóbico. Mas quando o filme ganhou o Videobrasil, que é um dos principais do mundo, e ganhou o prêmio principal, eles tiveram que aceitar. Foi muito bom porque o pessoal conheceu meu trabalho fora da Bahia.
Foto: Luana Ribeiro / Bahia Notícias
Como é que anda a produção de audiovisual na Bahia, sob seu olhar?
A entrada do PT na gestão e a política de editais, que sintonizava com a tendência do Governo Federal, quando Gil era Ministro da Cultura, deu uma revolucionada enorme na produção. Por conta da quantidade da coisa feita, no investimento no audiovisual que, antes, era praticamente nulo, não tinha uma produção sistematizada. Os editais cumprem o papel de todo ano ter gente diferente fazendo filme. Nos últimos anos, de dois em dois anos, pelo menos, foi lançado um longa-metragem aqui. Teve o de Pola Ribeiro (Jardim das Folhas Sagradas), teve o de Edgard Navarro (O Homem que não dormia), teve o de Bernard Attal (A coleção invisível), o meu (TROPYKAOS) o de João Gabriel (Travessia). Começou a ter uma produção sistematizada de filmes. Esse incentivo do governo é fundamental para a produção audioviosual, mesmo existindo formas de fazer sem. Um dos problemas dos editais aqui da Bahia é que eles são equivocados. Premiam, mas demoram a pagar e isso pode atrapalhar a produção. Editais são necessários, mas precisam funcionar. Tem muita gente com projeto completamente estrangulado porque uma parte da verba não saiu. A gente passou por isso. Ficamos quase seis meses com o filme parado porque não tinha dinheiro. Por outro lado, em alguma hora esse dinheiro chega e você consegue tocar o trabalho. Essa política de edital foi uma das coisas que fortaleceu bastante a produção baiana. Outra coisa foram as faculdades, o Curso de Cinema e Vídeo na FTC, o Bacharelado Interdisciplinar da Ufba, o curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, o curso de Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste Baiano, em Vitória da Conquista. A gente começou a ver uma juventude interessada em fazer cinema e isso é fundamental.
O que essa geração nova tá fazendo de cinema?
A gente tinha muito como espelho essa geração do Lumbra. E acho que minha geração demorou a entender que poderia se aventurar no formato de longa sem ter que percorrer o caminho tradicional de escrever argumento, ganhar dinheiro para fazer o roteiro, fazer o roteiro, fazer o projeto, disputa edital, fica anos até ganhar, um processo demoradíssimo. O TROPYKAOS, por exemplo, é uma ideia que veio em minha cabeça em 200. É um ciclo muito dilatado de uma ideia virar imagem. Hoje eu acho que não precisa ser assim, mas na época eu acreditava que esse era o caminho para fazer cinema. Fui aprendendo que existe esse tipo de cinema, que é legítimo, mas tem vários outros caminhos pra se chegar a um longa de ficção. Eu vi isso quando os caras do Alumbramento soltando os longas deles com baixíssimo orçamento, com cinco, dez mil reais e sendo bem avaliados nos festivais e ganhando prêmios.
Você é o único baiano na competitiva nacional. Isso seria reflexo de uma baixa produção baiana?
O nível nacional que é muito alto. Tem muita gente boa fazendo filme bom. Não é só aqui que é difícil, é no Brasil inteiro. Eu acho que para participar de um festival, tem que ser um filme instigante, que traga novidade. Não é fácil entrar nas competitivas. Por isso me preocupei, por saber com quem estava competindo. O que importa é qualidade de seu filme, se ele for bom, ele vai entrar em qualquer lugar.
Como é que você lida com assuntos como distribuição e alcance?
Todo mundo quer que o maior número de pessoas consiga ver o filme. Tem gente que, desde a fase de produção pensa nisso. Não é assim que eu trabalho, eu trabalho a ideia. O que mais me interessa é fazer a ideia funcionar. Mas agora, com o longa, está sendo uma novidade a figura do distribuidor, porque com curtas é mais fácil, só festival e internet. Não faço filme pensando em quanto de público ele vai alcançar. Mas tem outro tipo de cinema que é pensado para chegar no público e é massa também.
TROPYKAOS estreia em São Paulo na Mostra Internacional de Cinema, em Salvador no XI Panorama Internacional Coisa de Cinema. Foto: Divulgação
E como é TROPYKAOS?
É importante falar o que não era pra ser TROPYKAOS. Eu via a produção baiana, principalmente no campo da temática, muito presa ao sertão, personagens históricos, como o Corneteiro Lopes, Maria Quitéria, Canudos; e sempre tive pavor disso. Achava legal, mas tinha uma coisa de seguir os passos temáticos de Glauber. Eu já sabia que era uma coisa que eu não ia trabalhar no TYROPYKAOS. Queria fazer um filme sobre a cidade, um filme urbano porque eu trabalho muito com minhas próprias referências e escolhi um personagem urbano e da classe média. A gente tenta desmistificar um pouco a ideia de baianidade, da terra da felicidade, cartão postal. Essa Bahia não interessa. Interessa a Bahia obscura, a noite, o Rio Vermelho, a Carlos Gomes. E o filme vai falar desse cara, o poeta Guima, tentando fazer parte dessa cidade tão complexa. É um cara que não tem corpo para viver nessa cidade, que está meio desencaixado. Ele é um poeta que não tem mais poesia, que começa a achar que ele está sofrendo de uma doença que ele chama de “ultraviolência solar” e a única coisa que ele tem, que o protege é um aparelho de ar condicionado que quebra. Essa violência é uma metáfora para uma cidade maltratada, dilacerada. É um filme sobre a desesperança, sobre a descrença do homem.
O filme é “sobre a cidade onde não se pode mais viver”. Mas qual é essa cidade?
É a cidade onde os políticos são estúpidos e corruptos. Você tira isso pelas obras do Rio Vermelho, da Barra, pelo Carnaval que, agora está tendo uma reação contrária aos anos de estrangulamento pelos blocos. “O Fim do Homem Cordial” foi um pouco assim, simulando um combate que eu achava que devia acontecer. As pessoas estão passivas. A galera aceita tudo: a prefeitura chega, faz uma reforma playuground e as pessoas não questionam. E elas decidem ir embora daqui. Essa é a “ultravilolência”, que vem da prefeitura, do mercado, dos empresários. Salvador parece uma cidade que está anestesiada, parece que sofreu um bombardeio e as pessoas ainda estão chocadas.
Edgard Navarro participa de seu filme, ele te inspira de alguma forma?
O Tropykaos é bem inspirado em Superoutro e no Meteorango Kid - O Herói Intergalático (filme de André Luiz Oliveira, lançado em 1969). São duas referências locais, que eu brinco que é a “trilogia do anti-herói baiano”. Edgar sempre foi o ídolo maior, por sua performance, por ser um cara polêmico, que fala bem. Sempre quis estar perto dele. Ele até propôs algumas coisas no roteiro. As falas dele e de Bertrand Duarte (que contracena com o diretor no filme) foram sendo criadas na hora, no improviso.
Tem alguma coisa de você no filme?
Muito, onde eu pesco as deias é onde eu pego minhas referencias.
E o que os baianos e soteropolitanos, em especial, podem esperar de seu filme?
O principal é dar uma reformatada na ideia de baianidade. Uma reoxigenada porque a Bahia do filme está completamente fora do estereótipo. E isso vai ser bacana para o soteropolitano.
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