quinta-feira, 22 de outubro de 2015

DIÁRIO DE CONSULTÓRIO MÉDICO

MALU FONTES

 Por que, deuses? - Numa ante-sala minúscula de um consultório médico uma senhorinha com seus mais de 60 anos, rabo de cavalo nas alturas e louríssima, com todos os sinais de riqueza nos acessórios e todos os efeitos colaterais negativos do botox escancarados em cada centrômero do rosto, dirige-se a uma mulher bem mais jovem, negra, sem nenhum sinal de riqueza, a quem ela nunca vira antes, e que naquele instante amamentava um menino, e pergunta, com a naturalidade de quem dá um bom dia simpático, só para puxar conversa:
-Quantos anos seu filho tem?
-Um ano e meio.
-Por que você amamenta uma criança dessa idade? Você não se sente uma vaca, não, fazendo isso?
Não contive o impulso corporal, parei o que estava lendo e arregalei os olhos para a cena.
A mãe que amamentava deu uma sonora gargalhada e disse: eu não! Eu amo meu filho e ele adora mamar. Enquanto eu puder e tiver leite...
Juro que queria ter nascido com essa grandeza de espírito. Se fosse comigo, aquela senhorinha botocada ouviria uma resposta que o melhor psicanalista da cidade não seria capaz de lhe arrancar o trauma. O primeiro gesto, antes de abrir a boca, seria tirar meu espelho da bolsa e entregá-lo, já aberto, do lado em que um poro é mostrado como um furo gigante. Por via das dúvidas, guardei seu nome e sobrenome, Dona Vera. A gente não deve perder gente assim de vista.

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