Mais de 8 mil brasileiros mantinham contas secretas na filial do HSBC na Suíça; alguns deles estão envolvidos na Lava Jato
O maior vazamento de dados de contas secretas da história da Suíça tem tudo para apimentar a política brasileira nos próximos meses, em um momento em que a presidente Dilma Rousseff e seus aliados estão acossados pelo acúmulo de denúncias de corrupção em torno da Petrobras. O motivo é que, dos mais de 8 mil brasileiros que mantinham contas secretas na filial do HSBC na Suíça, alguns estão envolvidos na Operação Lava Jato, lançada pela Polícia Federal, com o apoio do Ministério Público e da Justiça, para investigar os malfeitos na maior estatal do País.
Entenda o que é o SwissLeaks e quais seus possíveis impactos no Brasil.
1) O que é o SwissLeaks
Em uma tradução livre, “SwissLeaks” pode ser lido como “vazamentos suíços”. Refere-se ao maior vazamento de dados bancários da história da Suíça. As informações pertencem a contas da agência de “private bank” da filial do banco britânico naquele país entre 2006 e 2007.
Os dados foram retirados do HSBC por um ex-funcionário, Hervé Falciani, que os entregou para o governo francês em 2008. A França começou a investigar concidadãos que estavam na lista e poderiam, eventualmente, ter sonegado impostos e cometido outros crimes financeiros. A partir de 2010, o governo francês colocou a lista à disposição de outros países.
A relação foi obtida pelo jornal francês Le Monde. Dado o grande volume de dados e países envolvidos, a publicação decidiu compartilhá-la com a ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists), uma organização não governamental de jornalismo investigativo. Foi formada uma equipe de 140 jornalistas em 45 países, para analisar os dados e divulgar casos de interesse público.
2) Quais são os números envolvidos no SwissLeaks?
Os dados obtidos referem-se a contas existentes nos anos de 2006 e 2007. Elas envolvem mais de 106 mil clientes do HSBC na Suíça, distribuídos por 203 países. O total de depósitos supera US$ 100 bilhões.
3) Qual o envolvimento dos brasileiros no caso?
O ICIJ identificou 8.667 clientes brasileiros na lista, responsáveis por 6.606 contas (muitos compartilhavam as contas). Havia cerca de US$ 7 bilhões depositados nelas. O Brasil ocupa a quinta posição, em número de clientes envolvidos, e a nona posição, em valor, no SwissLeaks.
4) Todos os brasileiros da lista cometeram irregularidades?
Segundo o jornalista Fernando Rodrigues, responsável pelas apurações no Brasil e membro do ICIJ desde os anos 90, não é certo afirmar que todos os identificados tenham cometido algum crime. Qualquer brasileiro pode manter uma conta no Exterior, desde que comunique ao Banco Central e à Receita Federal e pague os devidos impostos. Somente uma investigação desses organismos poderia indicar quem estava em dia com a lei, e quem cometeu crimes de evasão fiscal e sonegação de impostos.A lista contém, no entanto, pessoas envolvidas em casos recentes de corrupção, como os desvios de dinheiro da Petrobras, apurados pela Operação Lava Jato da Polícia Federal.
5) Que brasileiros já tiveram seus nomes divulgados?
De acordo com a apuração de Fernando Rodrigues, pelo menos 11 pessoas ligadas, de algum modo, à Lava Jato aparecem na lista do SwissLeaks. Essas pessoas teriam, em 2006 e 2007, depósitos de US$ 110,5 milhões no HSBC da Suíça.
Entre eles, está o ex-gerente da Petrobras, Pedro José Barusco Filho, um dos envolvidos na Lava Jato que aceitaram assinar um acordo de delação premiada. O doleiro Henrique Raul Srour, o empresário Júlio Faerman, que representava a holandesa SBM no País, e membro da família Queiroz Galvão também estão na lista. A advogada de Pedro Barusco, em nota ao blog do UOL, afirmou que seu cliente “reitera seus depoimentos em colaboração, já públicos.” Já o advogado de Srour afirmou que seu cliente “não reconhece nem admite” movimentação em 2006 e 2007. Os advogados da Queiroz Galvão afirmaram que “todo o patrimônio dos acionistas da companhia são devidamente declarados à Receita Federal”.
Além dos citados na operação da PF, outros nomes chamaram a atenção dos jornalistas da ICIJ. Um exemplo é Jacob Barata, conhecido como o “Rei dos Ônibus” do Rio de Janeiro. De acordo com a lista, Jacob mantinha uma conta conjunta com sua esposa e seus filhos, na qual havia US$ 17,6 milhões. Eles integram uma relação de 31 pessoas envolvidas com companhias de ônibus cariocas, entre empresários, diretores e parentes de pessoas que atuam nesse setor.
Outro nome que aparece com destaque no site da SwissLeaks é o do banqueiro Edmond Safra, vinculado a sete contas no HSBC da Suíça. Morto em um incêndio em sua residência, em Mônaco, em 1999, Safra havia vendido a Safra Republic e a Republic New York, duas holdings de investimento, para o HSBC naquele mesmo ano, por US$ 10,3 bilhões em dinheiro. Entre 2006 e 2007, havia R$ 5,3 milhões nessas contas. Sua esposa, Lilly Safra, aparece vinculada a quatro contas. Ao ICIJ, um advogado da viúva afirmou que todas as contas de Safra e Lilly foram abertas “apenas para propósitos legais”.
A família Steinbruch, que controla a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), também foi destacada pelo site da SwissLeaks. Os fundadores do grupo nos anos 60, os irmãos Mendel e Eliezer, aparecem vinculados a 11 contas. Com a sua morte, respectivamente, em 1994 e 2008, seus herdeiros assumiram os negócios e a fortuna. A esposa de Mendel, Dorothea Steinbruch, é ligada a 12 contas no HSBC suíço. Nos anos investigados, elas totalizavam US$ 464 milhões em depósitos. Todos os filhos dos fundadores também são clientes do mesmo banco. Ao UOL, o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, afirmou que todas as contas da família têm “propósitos lícitos e estão de acordo com a lei”. Declarou, ainda, que as informações divulgadas pelo ICIJ “não são verdadeiras” e, “devido à sua origem criminosa, não merecem comentários.”
6) O que o governo brasileiro está fazendo?
O governo federal nunca havia demonstrado interesse em investigar os casos envolvendo brasileiros, embora a lista tenha sido disponibilizada pela França em 2010. Somente após o caso ganhar repercussão, no início deste ano, é que as autoridades locais começaram a se manifestar. Três órgãos federais podem acompanhar os casos: a Receita, o Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
A avaliação do governo, porém, é que a lista foi obtida de modo ilegal, ao ser roubada por Falciani. Isso impediria que servisse de base legal para qualquer procedimento. Por isso, está pedindo, à Suíça, uma lista oficial de brasileiros com conta por lá. O ICIJ considera que esta medida não dará nenhum resultado, já que o governo suíço não pode fornecê-la.
As repercussões políticas do caso também estão começando. Nos próximos dias, o presidente do Senado, Renan Calheiros, deve autorizar a instalação de uma CPI para investigar os brasileiros que constam na lista do HSBC. Objetivo é verificar se houve evasão de divisas. Como o prazo de prescrição desse crime é de 12 anos, quem o tiver praticado em 2006 e 2007 ainda pode ser punido. A CPI foi baseada em um requerimento do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
7) Por que o ICIJ não divulga, de uma vez, todos os nomes da lista?
Segundo Rodrigues, o responsável pela apuração no Brasil, a ICIJ não pretende divulgar a lista completa. A organização só dará destaques a casos de “interesse público”, ou seja, pessoas cujas atividades possam ter lesado governos, empresas e contribuintes. Os nomes divulgados, até o momento, foram checados pela equipe de jornalistas que apura o caso. A entidade afirma, ainda, que a publicação completa dos nomes seria uma violação dos direitos de privacidade.
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