Brasil aumenta presença no Peru
Influência comercial brasileira, com investimentos pesados de grandes empresas, preocupa peruanos
Lima - A imponente estátua de Jesus localizada sobre um monte a poucos metros do Oceano Pacífico tem uma inquietante semelhança com o majestoso Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Isto não é, porém, acidental.
Para muitos peruanos, a estátua de 21 metros de altura é um símbolo da crescente influência comercial e política do Brasil, e uma mostra dos temores de que o Peru é demasiado complacente com o país mais poderoso da América do Sul.
Para muitos peruanos, a estátua de 21 metros de altura é um símbolo da crescente influência comercial e política do Brasil, e uma mostra dos temores de que o Peru é demasiado complacente com o país mais poderoso da América do Sul.
A estátua, desenhada pelo escultor brasileiro Tatti Moreno em seu ateliê na Bahia, pesa 70 toneladas e custou US$ 1 milhão, valor pago quase totalmente pela multinacional brasileira Odebrecht.
O presidente prestes a deixar o cargo, Alan García, denominou a estátua como a do “Cristo do Pacífico” e mandou instalá-la sem consultar a população. A novidade coincide com os crescentes investimentos brasileiros no Peru, ainda que Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Holanda e Chile – nessa ordem – tenham trazido também muito dinheiro para investir no país.
“Tenho pesadelos em que vejo que o presidente do Peru é a Odebrecht e o único que elegemos a cada cinco anos é o seu representante”, escreveu em seu Twitter César de María, um reconhecido dramaturgo peruano.
O novo governo
A estátua, de fibra de vidro, foi inaugurada em 29 de junho, um mês antes do início do governo do presidente Ollanta Humala, que tem elogiado a liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) na política brasileira.
Humala teve dois assessores políticos ligados ao PT e a primeira viagem que ele fez após ganhar as eleições em 5 de junho foi ao Brasil, onde se reuniu com a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em sua campanha para presidente, Humala visitou o Brasil quatro vezes e demonstrou publicamente uma forte admiração por Lula, cujo estilo – de luta contra a pobreza mesclada com o livre mercado – descreveu como o único modelo de governo “que vai de vento em popa”.
Muitos peruanos de classe média, como a prefeita de Lima, Susana Villarán, julgaram a estátua de Cristo como de mau gosto e indesejada. Com tato, Humala comentou que a escultura “melhorará o panorama” da capital.
A Odebrecht afirmou, em resposta à agência Associated Press, que financiou a estátua do Cristo do Peru como parte de sua política de “difundir a expressão artística” em países onde realiza negócios. Notou também que financiou obras artísticas em Angola e no aeroporto internacional de Miami, além de apoiar publicações em países como Argentina, Venezuela e Panamá.
Em recente reunião com governadores, Humala qualificou o Brasil como “sócio estratégico que quer sair para o Pacífico”, e recordou que, para chegar ao maior oceano do planeta, os vizinhos de língua portuguesa “usam o Canal do Panamá e o Estreito de Magalhães”. Por isso, pediu a eles que se preparem para quando “vierem os investimentos brasileiros para o Pacífico”.
Isso aumentou as preocupações locais de que os interesses brasileiros possam se impor em detrimento das prioridades peruanas, especialmente pela enorme demanda de eletricidade no Brasil. “Nos negócios, nada é gratuito. Espero que Humala não se deixe influenciar pelos brasileiros, que são verdadeiros monstros dos negócios na América Latina”, afirmou Santiago Brito, estudante da Universidade Sedes Sapientiae, de Lima.
Investimentos
Muitas das maiores empresas do Peru foram compradas por dinheiro de países vizinhos. Capitais chilenos têm sido investidos desde a década passada em companhias aéreas, supermercados, cadeias de farmácias e lojas de departamentos.
Em 2010, o investimento direto do Brasil no Peru foi de US$ 1,014 bilhão, quase o triplo de 2008, quando ficou em US$ 492 milhões. A Câmara de Comércio Peru-Brasil (Capebras) estima que ele deve chegar a US$ 32 bilhões até 2016.
O poder comercial das empresas brasileiras no Peru se expandiu durante os governos de Alan García e de seu antecessor, Alejandro Toledo, que é atualmente o maior aliado político de Humala.
Outro aspecto em que se pode notar a influência das empresas brasileiras no Peru é em grandes projetos de infraestrutura. A Odebrecht está por concluir a rodovia Interoceânica, que liga o Brasil à costa peruana do Pacífico, o que poderia ajudar as exportações brasileiras para a China. Também constrói um sistema de irrigação que permitirá o uso agrícola de 43 mil hectares no norte peruano. Esta semana, foi inaugurado o primeiro trem elétrico de Lima, cuja construção ficou a cargo da Odebrecht e da empresa peruana Graña & Montero.
O conglomerado Votorantim comprou minas de zinco e maior refinaria deste metal no Peru. Atualmente produz o elemento químico índio em suas subsidiárias locais. O índio é usado na fabricação de telas de televisores e de computadores.
A Vale, principal produtora mundial de minério de ferro e cujo principal acionista é o Estado brasileiro, explora no deserto do norte peruano os maiores depósitos sul-americanos de fosfato – insumo para a produção de fertilizantes –, com o qual abastece agricultores do Brasil que antes compravam mais caro do Marrocos.
A Gerdau, a empresa cujo dono Jorge Gerdau é amigo pessoal de Lula e assessor de Dilma, comprou a maior usina local produtora de aço em 2011, anunciando que busca investir US$ 120 milhões nos próximos três anos.
Injeção do BNDES
Analistas brasileiros dizem que a agressividade comercial das empresas brasileiras é parte de um esforço estatal que busca criar multinacionais brasileiras fortes, que recebem créditos com taxas preferenciais por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES), a maior fonte de crédito corporativo do gigante sul-americano.
A força para dar crédito do BNDES é tamanha que, somente no primeiro trimestre de 2011, emprestou US$ 15,4 bilhões a empresas do país, uma cifra maior que o total de investimento direto no Peru vindo de Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Holanda e Chile em 2010, que chegou a US$ 14,621 bilhões.
César Bonamigo, encarregado comercial da Embaixada do Brasil em Lima, afirmou que o aumento dos investimentos brasileiros “dependerá do êxito de alguns projetos específicos, como o Gasoduto Andino do Sul ou de um polo petroquímico no sul do Peru”.
O gasoduto de 1.085 quilômetros, cuja construção deve ser realizada pela Odebrecht, levaria gás natural de Camisea, na selva de Cuzco, até o restante do sul peruano (rico em minas de cobre) e um polo petroquímico proposto pela estatal brasileira Petrobras e pela Odebrecht.
Em 2010, o Brasil teve 91 apagões, por causa principalmente da falta de capacidade da rede elétrica para satisfazer a crescente demanda de sua indústria, portanto está interessado em cinco projetos hidrelétricos na selva peruana, que lhe permitiriam deixar de importar da Ásia e EUA diesel empregado na produção de eletricidade.
Um projeto hidrelétrico em particular gerou grande oposição local e preocupação sobre se Humala poderia favorecer indevidamente os brasileiros, já que 80% de seus 2 mil megawatts de produção seriam enviados ao Brasil. É o projeto de Inambari, que inundaria 410 quilômetros quadrados de selva tropical, incluindo um trecho de 100 quilômetros da recém-construída via Interoceânica, e retiraria 7 mil pessoas de suas casas, muitas delas mineiros artesanais de ouro.
Durante sua campanha à presidência, Humala disse aos moradores que respeitaria seus desejos, inclusive se eles se opusessem à construção da represa. Em junho, Alan García interrompeu o projeto de US$ 4 bilhões das empresas brasileiras OAS e da estatal Eletrobrás, deixando a decisão para o sucessor.
É provável que o Brasil siga pressionando pela construção da represa de Inambari, mas os moradores não querem nem ouvir falar de hidrelétricas.
Hernán Vilca Soncco, um indígena quíchua contrário ao projeto, disse por telefone que os protestos não pararão “até tirar a patadas os brasileiros que estão a cargo (da obra)”.
Um professor da Universidade Católica do Peru e estudioso dos investimentos brasileiros, Alan Fairlie, considera que “a percepção do Brasil e do investimento brasileiro no Peru é positivo”, porém “a exceção é Inambari”. Portanto, nesse caso, Humala deveria negociar uma solução, sugere.
O assessor especial da presidente brasileira para política externa, Marco Aurélio Garcia, disse a jornalistas durante a visita de Humala que Inambari é “um projeto muito importante” para o país.
Temores
O embaixador brasileiro em Lima, Jorge Taunay, que está prestes a deixar o posto, tenta diluir os temores de que o Brasil tenha ambições neocoloniais e disse à revista Caretas que “não existe o menor risco de o Peru tornar-se um satélite. Não está na natureza do Brasil”.
Um peruano preocupado com o potencial avanço do Brasil é Guillermo Vásquez, professor aposentado do Centro de Altos Estudos Nacionais, instituição acadêmica estatal onde estudam os militares do país andino. “O Brasil busca se converter em uma grande potência mundial e vai chegar a sê-lo. Para isso necessita chegar ao Pacífico, que é o oceano que assumiu a influência antes tida pelo Oceano Atlântico”, afirmou Vásquez. “O Brasil vem a nós. O que faremos frente a isso? Veremos nos próximos anos.”
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