quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O BRAÇO ESQUECIDO DE BRIZOLA

  Vitor Hugo Soares*

O ministro Jorge Hage, nome referencial no combate a corruptos e malfeitores na administração e no serviço público, anunciou que está arrumando as gavetas de seu gabinete.

No final da segunda metade dos anos 70, dias antes da ditadura que se implantava no Uruguai determinar a expulsão de Leonel Brizola, exilado com dezenas de outros brasileiros no país à beira do Rio da Prata (o ex-presidente deposto João Goulart entre eles), estive com o ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. 

O encontro aconteceu na fazenda onde ele vivia com dona Neuza e a família no povoado de Carmen, distrito de Durazno. Na época Laila, neta de todos os encantos de Brizola, filha da falecida Neuzinha, mal começava a dar os primeiros passos  na sala de visitas. Foi um dia e parte da noite de conversas e revelações, sem anotações jornalísticas, mas impossíveis de esquecer.

"Amacord", como Fellini. Então eu trabalhava no Jornal do Brasil. Chefiava a redação da sucursal de Salvador. Em anos seguintes, contei sobre vários momentos do encontro em matérias, artigos e escritos avulsos. Geralmente, ao contextualizar informações sobre fatos e episódios da história e da política.

Relatos direta ou indiretamente relacionados com a intensa e sempre polêmica presença e atuação de Leonel, como era chamado por dona Neuza, até a morte inesperada do líder político em um hospital do Rio, antes de chegar aos 90 anos. "Idade mínima para um Brizola partir", como ele me dissera naquela noite uruguaia ao falar sobre a longevidade dos membros da sua família.

Nestes dias de insano dezembro da vida nacional,  recordo de repente de um detalhe da conversa com Brizola sobre o qual acho que nunca escrevi, embora admita a possibilidade de estar sendo traído pela memória.

De madrugada, um carro chegou para me pegar com Margarida (minha mulher e também jornalista), e levar para uma hospedaria em Carmen, juntamente com o jornalista alagoano no exílio, Paulo Cavalcante Valente, amigo comum, que tornara possível o encontro. De lá tomaríamos um ônibus cedinho de volta a Montevidéu.

Nas despedidas já fora da casa, na escuridão da noite que ele iluminava apenas com uma lanterna de mão, Brizola falou: "Venha de lá um abraço, baiano!  Tu sabes como eu gosto da tua terra e da tua gente. Apelidei a Neuzinha de "Bahia", desde pequena, só para ficar repetindo o nome", disse. Tentando disfarçar a emoção, perguntei no meio do abraço: "Retorno ainda hoje ao Brasil e à Bahia, governador. Tem alguma mensagem ou recado para alguém de lá?". "Mando lembranças a quem recordar ou perguntar por mim", respondeu. E logo acrescentou:

-Tu conheces esse jovem prefeito de Salvador, Jorge Hage? Se o encontrar diga que mando um abraço especial e a minha solidariedade a ele. Acompanho daqui pelo rádio e jornais que ele está sendo forçado pelos poderosos da Bahia e de Brasília a deixar a prefeitura da capital, antes de completar o seu mandato. Simplesmente porque ele é firme, correto, capaz e incorruptível no cumprimento de seu dever de gestor e homem público. Este é um moço de valor, como poucos no Brasil atualmente".

Hage perdeu (ou ganhou?) a briga em Salvador. Teve de deixar no meio do caminho uma das mais honestas e competentes gestões da cidade onde os poderosos do comércio, da política, da indústria e de parte da imprensa, não gostavam de honrar seus encargos, nem queriam pagar IPTU, coleta de lixo, iluminação, asfalto. E, sempre que possível, tentavam levar mais do que o devido nos contratos com a administração pública. A luta de Hage contra isso mereceu destaque até no New York Times.

De volta do Uruguai encontrei o ex-prefeito muitas vezes, uma das minhas melhores, confiáveis e didáticas fontes no JB. Qualidades do administrador e professor da Universidade Federal da Bahia que ele aprimorou e conserva ainda hoje. Sempre aberto, acessível e franco nos contatos com a imprensa em geral e jornalistas em particular. Conhecedor como poucos da importância da comunicação e do acesso à informação da sociedade para o êxito no trabalho incansável contra a corrupção que ele desenvolve.

Esta semana brasileira na qual as nações democráticas do planeta comemoraram o Dia Internacional Contra a Corrupção, estabelecido pela ONU, o ministro Jorge Hage Sobrinho, nome referencial no combate a corruptos e malfeitores na administração e no serviço público do Brasil, anunciou que está arrumando as gavetas de seu gabinete. Vai deixar o comando da Controladoria  Geral da União (CGU), que ocupa desde o governo Lula. Não participará do segundo mandato da petista Dilma Rousseff. "Cumpri o meu dever. É hora de descansar", disse Hage em surpreendente discurso de despedida na véspera do Dia Mundial contra a  Corrupção".

Desde novembro o ministro-chefe da CGU entregara sua carta com o pedido de demissão. Silêncio completo. Nenhum sinal do Palácio do Planalto, ou da presidente Dilma Rousseff, que utilizou fartamente o trabalho de controle interno da CGU como arma de propagada e de comunicação em sua reeleição.

Semana passada, uma nota curta e grossa na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo, comunicou, sem desmentido, que o ex-presidente do INSS Valdir Moysés Simão, atual braço direito do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, "será o novo xerife da CGU" no futuro governo Dilma. Fecham-se as cortinas à espera dos próximos atos.

Fica a lembrança do abraço e das palavras de Brizola, que esqueci de transmitir a Jorge Hage na época. Faço-o agora, acompanhado do meu próprio abraço de admiração ao bravo e honrado baiano de Itabuna, homem público brasileiro como poucos, que está de saída da CGU. Bravo!!!


*É jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitor_soares1@ terra.com.br


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