Petrobras: R$ 10 bilhões do ralo da corrupção dão para construir ponte de Itaparica
Este mesmo valor garantiria o pagamento do Bolsa Família para os beneficiários do programa por mais de quatro anos na Bahia
Os R$ 10 bilhões que teriam sido desviados, principalmente do caixa da Petrobras, conforme indicam as notícias divulgadas na imprensa, relacionadas à Operação Lava Jato, seriam suficientes para garantir o pagamento do Bolsa Família para os beneficiários do programa por mais de quatro anos na Bahia – que segundo o Portal da Transparência recebeu em 2014 pouco mais de R$ 2,2 bilhões do programa. Numa comparação nacional, seria suficiente para mais da metade dos R$ 17 bilhões que a União gastou com o programa este ano.
Se o volume desviado tivesse sido utilizado em investimentos na área de saúde, seria possível construir e equipar 147 unidades de saúde pelo país com as mesmas características do Hospital do Subúrbio, que tem 30 leitos de UTI, 30 de semi-intensivo, 178 leitos clínicos e dez unidades de queimados. Caso a opção fosse utilizar o dinheiro na educação profissional, seria o suficiente para formar mais de cinco milhões de brasileiros no Pronatec.
O dinheiro que pode ter sido desviado supera em 40 vezes o prêmio que será pago na Mega da Virada, de R$ 240 milhões. Na poupança, os R$ 10 bilhões, renderiam R$ 60 milhões por mês.
Em comparação com o maior projeto de infraestrutura da Bahia, o Sistema Viário Oeste, que tem como principal obra a Ponte Salvador-Itaparica, o valor supostamente desviado poderia bancar a obra e ainda render um troco de R$ 2,5 bilhões.
Com metade dos R$ 10 bilhões, seria possível bancar os investimentos em infraestrutura previstos pelo governo do estado para a Região Metropolitana de Salvador, com a ampliação da Linha 1 da Estação Pirajá até Águas Claras; a construção da Linha 2, entre Lauro de Freitas e o Acesso Norte; as vias transversais; e os sistemas de veículos leves sobre trilhos previstos entre a Calçada e o Comércio.
Isso tudo se os recursos da maior empresa brasileira – que, além de exercer um papel de regulação nos preços dos combustíveis no país, é depositária do futuro de milhares de pessoas, proprietárias de ações – não tivessem sido utilizados para financiar campanhas eleitorais, de acordo com depoimentos do ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que é um dos principais delatores do esquema de corrupção.
E como se fosse pouco tudo que possivelmente se perdeu em função dos desvios, a Petrobras também perdeu com projetos mal dimensionados e decisões empresariais equivocadas – fatos já reconhecidos por gestores que passaram pela estatal e por outros que lá estão. Isso inclui a presidente da empresa, Graça Foster, que disse em abril deste ano que a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, “não foi um bom negócio” para a estatal. Em Pasadena, a estatal pagou US$ 1,18 bilhão, correspondente a pouco mais de R$ 3 bilhões, por um negócio que anos antes tinha custado US$ 42,5 milhões à Astra Oil e que, mesmo com as oscilações no mercado de petróleo, não deveria passar dos US$ 380 milhões.
RefinariaMas foi na construção da Refinaria de Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, que a Petrobras acumulou os prejuízos mais significativos nos últimos anos. Um projeto que deveria custar US$ 2,5 bilhões, o equivalente a R$ 6 bilhões, no final das contas saiu por mais de R$ 47 bilhões. Entre possíveis casos de desvios de recursos públicos e projetos mal dimensionados, a Petrobras gastou com a Refinaria Abreu e Lima (Rnest) dinheiro suficiente para pagar o décimo terceiro salário para todos os trabalhadores baianos durante seis meses, levando-se em conta a estimativa do Departamento Intersindical de Estudos Econômicos e Sociais (Dieese) de que o volume movimentado pelo benefício será de R$ 6,7 bilhões.
Pois, só com o sobrepreço que o Tribunal de Contas da União (TCU) investiga em quatro contratos da Abreu e Lima, daria para aumentar em quase 40% o orçamento previsto para a Saúde no país em 2015. Ou dar conta de quase 20% dos projetos de infraestrutura previstos no Plano Nacional de Logística (PIL) e destravar os gargalos na infraestrutura do país.
Além de todas as suspeitas de desvios que estão sendo investigadas pela Operação Lava Jato - que só com as delações premiadas de quatro testemunhas poderá devolver aos cofres públicos R$ 423 milhões -, assombram a direção da maior e mais importante empresa do país indícios de má gestão.
Suspeita-se que a Rnest teve projetos básicos deficientes, com indefinições em relação ao solo e às fundações. Um exemplo de cálculo malfeito é que os gastos com estruturas metálicas sofreram um aumento de quase 200%.
Controle frágilA estatal anunciou uma série de ajustes após a onda de vazamentos na Operação Lava Jato, capitaneada pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, apresentar evidências de desvios. Mas para o professor de Finanças Públicas Antônio Ribeiro, autor do livro Corrupção e Controle na Administração Pública Brasileira, a situação expõe a fragilidade das estruturas de controle existentes no país.
Ele acredita que o cenário de “corrupção sistêmica” é interessante para aqueles que estão no poder. “Nesse processo, a gestão pública é absolutamente subestimada. Não há uma preocupação com gestão. Só há preocupação com política e com a manutenção do poder”, acredita.
Segundo ele, até bem pouco tempo, o que se verificava no país era a “corrupção de pessoas”, diferente da “corrupção de governo”, o que estaria acontecendo atualmente. “Naquele momento (no início da redemocratização) existia alguma preocupação com a gestão”, acredita.
Para Ribeiro, é preciso investir na independência de órgãos como os tribunais de contas, cujas indicações de membros, atualmente, são feitas pelo poder Executivo, e na reformulação do controle interno nas instituições públicas. “A Petrobras emitiu ações no mercado. Se em qualquer empresa privada ou pública o controle é fundamental, imagine o quanto essa situação ganha importância no caso de uma empresa que tem o capital aberto. Precisa ter todos os estágios de governança muito bem definidos e funcionando bem”, destaca.
Petrobras modifica a estrutura para evitar casos de corrupçãoA Petrobras aposta na criação de uma diretoria de Governança, Risco e Conformidade, aprovada pelo Conselho de Administração da estatal no final do mês passado para evitar que os supostos casos de corrupção em contratos firmados pela empresa voltem a se repetir.
“A missão do novo diretor é assegurar a conformidade de processos e mitigar riscos nas atividades da companhia, dentre eles os de fraude e corrupção, garantindo a aderência a leis, normas, padrões e regulamentos, internos e externos à companhia”, explica uma nota emitida pela assessoria de imprensa da Petrobras.
Segundo a empresa, dentro de 60 dias, a nova diretoria vai começar a trabalhar. Todas os assuntos que serão apreciados pela direção da empresa vão precisar receber um parecer favorável da nova diretoria antes.
Segundo a Petrobras, o novo diretor vai ser escolhido pelo Conselho de Administração da empresa a partir de uma lista tríplice elaborada por uma empresa especializada na busca de executivos no mercado de trabalho. “Sua destituição somente poderá ocorrer por deliberação do Conselho de Administração, com quorum que conte com o voto de pelo menos um dos conselheiros eleitos pelos acionistas minoritários ou preferencialistas”, diz o comunicado da empresa.
Para o sócio fundador do escritório LCDiniz & Associados, Marcelo Diniz, que é especialista em Direito Empresarial, a Operação Lava Jato e a Lei Anticorrupção vão trazer mudanças significativas no relacionamento das empresas privadas com o setor público. “Se a corrupção era vista apenas do ponto de vista do agente público corrompido, agora, ela é observada também do ponto de vista do corruptor, das empresas e dos funcionários envolvidos”, afirma.
Ele acredita que a nova legislação “fechou lacunas” que existiam em relação ao assunto no país, enquanto a Lava Jato comprovou que as empresas serão responsabilizadas por malfeitos praticados pelos funcionários delas.
O que a empresa fez
Nova diretoriaA compahia criou uma nova diretoria que vai avaliar antecipadamente se todos os atos praticados pela direção estão de acordo com as práticas de governança, risco e conformidade defendidos pela empresa, para tentar evitar fraudes.
Comissões internasForam constituídas e concluídas comissões internas de Apuração para averiguar indícios ou ocorrências de não conformidades relativas a normas, procedimentos ou regulamentos corporativos.
Avaliação de contratosForam celebrados contratos com dois escritórios de advocacia independentes especializados em investigação, um brasileiro e outro americano, tendo por objetivo apurar a natureza, a extensão e os impactos das ações que, porventura, tenham sido cometidas contra a companhia.
Ações judiciaisConcomitante às investigações e ao aprimoramento de sua governança, a Petrobras seguirá com as medidas jurídicas visando ao ressarcimento dos supostos recursos desviados e eventuais sobrepreços, bem como dos danos à imagem da companhia.
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