domingo, 3 de agosto de 2014

QUER VENCER?

ACOSTUME-SE À DERROTA 

W. J. Solha

Para seu bem ou mal, os grandes criadores precisam de 
parceiros na linha dos mecenas, colecionadores,
 investidores, editores, produtores, líderes políticos e 
religiosos, etc, etc, todos dispostos – evidentemente - a 
tirar mais-valia desse trabalho fora do comum, às vezes 
de um modo até impiedoso e cínico, tal como se pode ver 
num bom romance biográfico de Irving Stone, depois filme 
de Carol Reed, onde a dependência mútua entre
criador e patrocinador, com o conflito daí resultante, 
se torna explícito nas seguras performances de Rex Harrison
 como o Papa Julio II, Charlton Heston no papel de Miguelângelo. 

Um dos motivos desse atrito era a insistência do Papa - que
tinha sob contrato o autor das geniais esculturas Pietà, Davi
 e Moisés - de que ele deveria, agora, trocar cinzéis por pincéis 
por alguns anos, a fim de pintar o teto e a parede ao fundo da capela Sistina. A encomenda era gigantesca, mas Miguelangelo considerava a pintura uma arte menor,  
portanto duplamente insuportável. Os resultados demonstram 
que o Sumo Pontífice estava certo: 
Mas nem sempre os detentores dos meios materiais de se trazer obras-primas à luz têm razão. Daí que Marcel Proust, por exemplo, ...
 viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe 
financiar a publicidade. “Sua obra é velha”, disseram-lhe: “ultrapassada, burguesa e alienada”.

Francis Scott Fitzgerald 
tinha, pendurados em seu quarto, 120 bilhetes de recusas
 para publicação de seus contos.  
James Joyce... 
... teve seu “Retrato do artista quando jovem” devolvido 
por vários editores, com alegações tipo “Belo trabalho, 
mas não se paga”. 

Wittgenstein, ue abalou o pensamento filosófico do século
 passado, recebeu repetidos comunicados dos editores, 
dizendo que não entendiam uma só palavra do que
 ele havia escrito. 

D. H. Lawrence... 
...teve seu mais famoso romance... ... recusado pelo editor, 
“por ser muito arrojado” 

Tolkien, de “O senhor dos anéis”,  
seus livros, que só veio a lume depois de sua morte:

McLuhan
 teve sua principal obra recusada pela coleção Adelphi, 
italiana, sob alegação de que era “um livro de um pequeno
 louco”: 
O mesmo se deu com “Lolita”, de Nabokov, que foi 
originalmente rejeitado por todos os editores americanos...  
... o mesmo se deu com Melville e seu extraordinário 
Já este imenso poeta,  ... recebeu o seguinte bilhete do editor
 John Lane: “Sua obra é brilhante, mas não pertence ao gênero
 que adicionamos ao nosso catálogo”.  

Affonso Romano de Sant ́Anna 
tem um artigo definitivo sobre o tema - “Obras-primas 
Recusadas” - em que enumera, além dos casos acima, 
os de Bernard Shaw, Céline, Irving Stone, Cummings, 
Italo Calvino, Gertrud Stein, 
Moravia, García Márquez e até o caso de George Orwell,
 inclusive o de “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi 
di Lampedusa:

É que o escritor comunista Elio Vittorini, usando sua influência politica, interditara-lhe a obra nas editoras Mondadori e Einaudi. 

Bem.. É claro que não são apenas os escritores que padecem 
desse mal. Veja este retrato de Adries de Graeffl, 
burgomestre e patrono das artes de Amsterdam, feito 
por Rembrandt, hoje no taatliche Museen, Kassel: 
Foi recusado pelo cliente, o que significou – para o gênio
 do claro-escuro - o fim da carreira de retratista 
da elite holandesa.  
A rejeição, porém, acontece às vezes até entre colegas.
 Aqui mesmo, entre nós, temos o caso de Gilberto Gil, 
que fez “Se eu quiser falar com Deus” pro Roberto Carlos, 
e viu a canção recusada.  
Às vezes é o público que baixa o polegar à novidade. 
A "Sagração da Primavera". balé composto por Stravinsky,... recebeu vaia estrondosa na estréia, em 1913 Pior foi o caso de Rachmaninoff. Ele lançou em 1897, Petersburgo, sua Primeira 
Sinfonia e sofreu um revestrés enorme. Além do fiasco, 
na manhã seguinte leu um comentário terrível a seu 
respeito, num dos jornais da cidade:‘Se no inferno 
existisse um Conservatório, Rachmaninoff ganharia
 o primeiro prêmio.’ O compositor, de quem fiz este retrato 
para o amigo Dr. Paulo Maia, que o venera... 
... caiu numa depressão de que não foi capaz de sair
 durante dois anos.  
E Gaudì: não foi um deus da arquitetura? Veja, entretanto, 
uma de suas criações, a Casa Milà – mais conhecida como
 “La Pedrera” – a construção mais famosa de Barcelona: 
... e algumas das suas célebres chaminés:

Pois bem: la señora Milà foi contra a obra desde o princípio,
 por não tolerar “as extravagâncias” do arquiteto, de que 
seu marido gostava tanto. Mal Gaudì faleceu, a mulher 
tomou conta do edifício e alterou, dele, o máximo que pode. 
Mais ou menos como Stálin fez com 
o “Outubro” de Eisenstein.  

Já Guimarães Rosa participou de um concurso literário
 promovido pela José Olympio, em 1937, com o livro de 
contos “Sagarana” e, apesar 
do apoio de Graciliano Ramos, que fazia parte da comissão julgadora, foi derrotado por um autor hoje desconhecido. 
Isso foi bom, pois o grande mineiro retrabalhou a obra 
até 1946, enxugando-a de quinhentas para duzentas e 
trinta páginas, deixando-nos um clássico da 
literatura brasileira. 

Outro caso célebre é o de El Greco, que ansiava ser 
um artista da corte madrilenha, mas teve seu “Martírio 
de São Maurício” rejeitado por Filipe II, fato que 
acabou por obrigar o artista a passar toda sua 
vida em segundo plano, lá em Toledo..

Por outro lado, eis aqui uma obra conhecida em todo 
o mundo, 
que também muito sofreu até ser aceita: 
Quando a torre Eiffel começou a ser construída,
 Guy de Maupassant e Alexandre Dumas Filho 
encabeçaram um manifesto, publicado nos principais
 jornais da França, que começava com estas palavras: 
- Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos e amantes 
das belezas de Paris – que até então estavam intactas – 
protestamos com toda nossa força e toda nossa indignação
 em nome do subestimado bom gosto dos franceses, em nome
 da arte francesa e da história sob ameaça, contra a 
construção, no coração de nossa capital, dessa inútil 
monstruosa torre. 
Na mesma Paris, a partir de 1863, com o descontentamento
 gerado pelo excesso de vetos à participação de artistas na 
mostra anual no salão oficial da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura, Napoleão III determinou que, paralelamente, se abrisse um Salon des Refusés, Salão dos Recusados, que atraiu 
tanta gente, ávida por escândalos, que passou a fazer 
concorrência ao salão acadêmico. Entre os escanteados 
estavam quadros hoje célebres, como este, de Whistler...  
... e este, de Manet: 
Como se vê, é confiar no próprio taco e ter paciência... 
Conseguiu-se a realização da obra? Ela, então, conquistou 
respeito? Nem sempre. “A Última Ceia”, de Leonardo, 
estava bastante deteriorada, é verdade, mas era 
“A Última Ceia” de Leonardo. Meteram-lhe, porém,
 uma porta mesmo no meio da mesa, 
sem a menor consideração:

Já o local programado para a grande tela 
“A Ronda Noturna”, de Rembrandt 
(ei-lo com problemas, de novo), foi o Grande Salão
 da sede municipal da Companhia de Arcabuzeiros 
da capital holandesa. Mas em 1715, por conta do 
descontentamento de alguns dos retratados, ela foi 
transladada. Para encaixar o quadro no espaço 
disponível,  cortaram-lhe – sem o menor pejo - uma faixa
 de cada lado e outra em cima, eliminando 
três das personagens da cena. Conhecemos seu aspeto 
original devido a cópias anteriores a 1715:
É pouco? Pois em fevereiro de 1975, um doido atacou 
a obra com uma faca, fazendo-lhe cortes em ziguezague. Restaurada, dez anos depois outro maluco borrifou-lhe um 
aerossol de ácido. 
E olha aí o que outro estúpido fez com a “Pietà” de 
Miguelângelo: Foi em maio de 72. O desgraçado meteu
 quinze golpes de martelo nela, quebrando-lhe o nariz, 
o olho esquerdo e o braço do mesmo lado. Após o restauro, 
a Pietà passou a ficar sob a proteção de um vidro blindado.

Encerrando:
O jornal The Sunday Times, de Londres, remeteu a várias
 editoras e agentes editores do Reino Unido os capítulos 
iniciais de dois livros que tinham vencido o Booker Prize, 
a maior premiação do gênero na Inglaterra, nos anos 70 : “Holiday”, de Stanley Middleton, e “In a Free State”, 
de V. S.Naipaul, este ultimo vencedor do Nobel em 2001. 
Com títulos e autores falsos, as propostas receberam 
vinte e uma respostas, apenas uma positiva.
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