ACOSTUME-SE À DERROTA
W. J. Solha
Para seu bem ou mal, os grandes criadores precisam de
parceiros na linha dos mecenas, colecionadores,
investidores, editores, produtores, líderes políticos e
religiosos, etc, etc, todos dispostos – evidentemente - a
tirar mais-valia desse trabalho fora do comum, às vezes
de um modo até impiedoso e cínico, tal como se pode ver
num bom romance biográfico de Irving Stone, depois filme
de Carol Reed, onde a dependência mútua entre
parceiros na linha dos mecenas, colecionadores,
investidores, editores, produtores, líderes políticos e
religiosos, etc, etc, todos dispostos – evidentemente - a
tirar mais-valia desse trabalho fora do comum, às vezes
de um modo até impiedoso e cínico, tal como se pode ver
num bom romance biográfico de Irving Stone, depois filme
de Carol Reed, onde a dependência mútua entre
criador e patrocinador, com o conflito daí resultante,
se torna explícito nas seguras performances de Rex Harrison
como o Papa Julio II, Charlton Heston no papel de Miguelângelo.
se torna explícito nas seguras performances de Rex Harrison
como o Papa Julio II, Charlton Heston no papel de Miguelângelo.
Um dos motivos desse atrito era a insistência do Papa - que
tinha sob contrato o autor das geniais esculturas Pietà, Davi
e Moisés - de que ele deveria, agora, trocar cinzéis por pincéis
por alguns anos, a fim de pintar o teto e a parede ao fundo da capela Sistina. A encomenda era gigantesca, mas Miguelangelo considerava a pintura uma arte menor,
tinha sob contrato o autor das geniais esculturas Pietà, Davi
e Moisés - de que ele deveria, agora, trocar cinzéis por pincéis
por alguns anos, a fim de pintar o teto e a parede ao fundo da capela Sistina. A encomenda era gigantesca, mas Miguelangelo considerava a pintura uma arte menor,
portanto duplamente insuportável. Os resultados demonstram
que o Sumo Pontífice estava certo:
que o Sumo Pontífice estava certo:
Mas nem sempre os detentores dos meios materiais de se trazer
obras-primas à luz têm razão. Daí que Marcel Proust, por exemplo, ...
viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe
financiar a publicidade. “Sua obra é velha”, disseram-lhe: “ultrapassada, burguesa e alienada”.
viu “Em Busca do Tempo Perdido” recusado por vários editores, apesar da sua disposição de pagar a edição e de lhe
financiar a publicidade. “Sua obra é velha”, disseram-lhe: “ultrapassada, burguesa e alienada”.
Francis Scott Fitzgerald
tinha, pendurados em seu quarto, 120 bilhetes de recusas
para publicação de seus contos.
para publicação de seus contos.
James Joyce...
... teve seu “Retrato do artista quando jovem” devolvido
por vários editores, com alegações tipo “Belo trabalho,
mas não se paga”.
por vários editores, com alegações tipo “Belo trabalho,
mas não se paga”.
Wittgenstein, ue abalou o pensamento filosófico do século
passado, recebeu repetidos comunicados dos editores,
dizendo que não entendiam uma só palavra do que
ele havia escrito.
passado, recebeu repetidos comunicados dos editores,
dizendo que não entendiam uma só palavra do que
ele havia escrito.
D. H. Lawrence...
...teve seu mais famoso romance... ... recusado pelo editor,
“por ser muito arrojado”
“por ser muito arrojado”
Tolkien, de “O senhor dos anéis”,
seus livros, que só veio a lume depois de sua morte:
McLuhan
teve sua principal obra recusada pela coleção Adelphi,
italiana, sob alegação de que era “um livro de um pequeno
louco”:
italiana, sob alegação de que era “um livro de um pequeno
louco”:
O mesmo se deu com “Lolita”, de Nabokov, que foi
originalmente rejeitado por todos os editores americanos...
originalmente rejeitado por todos os editores americanos...
... o mesmo se deu com Melville e seu extraordinário
Já este imenso poeta, ... recebeu o seguinte bilhete do editor
John Lane: “Sua obra é brilhante, mas não pertence ao gênero
que adicionamos ao nosso catálogo”.
Já este imenso poeta, ... recebeu o seguinte bilhete do editor
John Lane: “Sua obra é brilhante, mas não pertence ao gênero
que adicionamos ao nosso catálogo”.
Affonso Romano de Sant ́Anna
tem um artigo definitivo sobre o tema -
“Obras-primas
Recusadas” - em que enumera, além dos casos acima,
os de Bernard Shaw, Céline, Irving Stone, Cummings,
Italo Calvino, Gertrud Stein,
Moravia, García Márquez e até o caso de George Orwell,
inclusive o de “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi
di Lampedusa:
Recusadas” - em que enumera, além dos casos acima,
os de Bernard Shaw, Céline, Irving Stone, Cummings,
Italo Calvino, Gertrud Stein,
Moravia, García Márquez e até o caso de George Orwell,
inclusive o de “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi
di Lampedusa:
É que o escritor comunista Elio Vittorini, usando sua influência
politica, interditara-lhe a obra nas editoras Mondadori e Einaudi.
Bem.. É claro que não são apenas os escritores que padecem
desse mal. Veja este retrato de Adries de Graeffl,
burgomestre e patrono das artes de Amsterdam, feito
por Rembrandt, hoje no taatliche Museen, Kassel:
Foi recusado pelo cliente, o que significou – para o gênio
do claro-escuro - o fim da carreira de retratista
da elite holandesa.
desse mal. Veja este retrato de Adries de Graeffl,
burgomestre e patrono das artes de Amsterdam, feito
por Rembrandt, hoje no taatliche Museen, Kassel:
Foi recusado pelo cliente, o que significou – para o gênio
do claro-escuro - o fim da carreira de retratista
da elite holandesa.
A rejeição, porém, acontece às vezes até entre colegas.
Aqui mesmo, entre nós, temos o caso de Gilberto Gil,
que fez “Se eu quiser falar com Deus” pro Roberto Carlos,
e viu a canção recusada.
Aqui mesmo, entre nós, temos o caso de Gilberto Gil,
que fez “Se eu quiser falar com Deus” pro Roberto Carlos,
e viu a canção recusada.
Às vezes é o público que baixa o polegar à novidade.
A "Sagração da Primavera". balé composto por Stravinsky,... recebeu vaia estrondosa na estréia, em 1913 Pior foi o caso de Rachmaninoff. Ele lançou em 1897, Petersburgo, sua Primeira
Sinfonia e sofreu um revestrés enorme. Além do fiasco,
na manhã seguinte leu um comentário terrível a seu
respeito, num dos jornais da cidade:‘Se no inferno
existisse um Conservatório, Rachmaninoff ganharia
o primeiro prêmio.’ O compositor, de quem fiz este retrato
para o amigo Dr. Paulo Maia, que o venera...
A "Sagração da Primavera". balé composto por Stravinsky,... recebeu vaia estrondosa na estréia, em 1913 Pior foi o caso de Rachmaninoff. Ele lançou em 1897, Petersburgo, sua Primeira
Sinfonia e sofreu um revestrés enorme. Além do fiasco,
na manhã seguinte leu um comentário terrível a seu
respeito, num dos jornais da cidade:‘Se no inferno
existisse um Conservatório, Rachmaninoff ganharia
o primeiro prêmio.’ O compositor, de quem fiz este retrato
para o amigo Dr. Paulo Maia, que o venera...
... caiu numa depressão de que não foi capaz de sair
durante dois anos.
durante dois anos.
E Gaudì: não foi um deus da arquitetura? Veja, entretanto,
uma de suas criações, a Casa Milà – mais conhecida como
“La Pedrera” – a construção mais famosa de Barcelona:
uma de suas criações, a Casa Milà – mais conhecida como
“La Pedrera” – a construção mais famosa de Barcelona:
... e algumas das suas célebres chaminés:
Pois bem: la señora Milà foi contra a obra desde o princípio,
por não tolerar “as extravagâncias” do arquiteto, de que
seu marido gostava tanto. Mal Gaudì faleceu, a mulher
tomou conta do edifício e alterou, dele, o máximo que pode.
Mais ou menos como Stálin fez com
o “Outubro” de Eisenstein.
por não tolerar “as extravagâncias” do arquiteto, de que
seu marido gostava tanto. Mal Gaudì faleceu, a mulher
tomou conta do edifício e alterou, dele, o máximo que pode.
Mais ou menos como Stálin fez com
o “Outubro” de Eisenstein.
Já Guimarães Rosa participou de um concurso literário
promovido pela José Olympio, em 1937, com o livro de
contos “Sagarana” e, apesar
promovido pela José Olympio, em 1937, com o livro de
contos “Sagarana” e, apesar
do apoio de Graciliano Ramos, que
fazia parte da comissão julgadora, foi derrotado por um autor hoje desconhecido.
Isso foi bom, pois o grande mineiro retrabalhou a obra
até 1946, enxugando-a de quinhentas para duzentas e
trinta páginas, deixando-nos um clássico da
literatura brasileira.
Isso foi bom, pois o grande mineiro retrabalhou a obra
até 1946, enxugando-a de quinhentas para duzentas e
trinta páginas, deixando-nos um clássico da
literatura brasileira.
Outro caso célebre é o de El Greco, que ansiava ser
um artista da corte madrilenha, mas teve seu “Martírio
de São Maurício” rejeitado por Filipe II, fato que
acabou por obrigar o artista a passar toda sua
vida em segundo plano, lá em Toledo..
um artista da corte madrilenha, mas teve seu “Martírio
de São Maurício” rejeitado por Filipe II, fato que
acabou por obrigar o artista a passar toda sua
vida em segundo plano, lá em Toledo..
Por outro lado, eis aqui uma obra conhecida em todo
o mundo,
que também muito sofreu até ser aceita:
o mundo,
que também muito sofreu até ser aceita:
Quando a torre Eiffel começou a ser construída,
Guy de Maupassant e Alexandre Dumas Filho
encabeçaram um manifesto, publicado nos principais
jornais da França, que começava com estas palavras:
Guy de Maupassant e Alexandre Dumas Filho
encabeçaram um manifesto, publicado nos principais
jornais da França, que começava com estas palavras:
- Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos e amantes
das belezas de Paris – que até então estavam intactas –
protestamos com toda nossa força e toda nossa indignação
em nome do subestimado bom gosto dos franceses, em nome
da arte francesa e da história sob ameaça, contra a
construção, no coração de nossa capital, dessa inútil
e monstruosa torre.
das belezas de Paris – que até então estavam intactas –
protestamos com toda nossa força e toda nossa indignação
em nome do subestimado bom gosto dos franceses, em nome
da arte francesa e da história sob ameaça, contra a
construção, no coração de nossa capital, dessa inútil
e monstruosa torre.
Na mesma Paris, a partir de 1863, com o descontentamento
gerado pelo excesso de vetos à participação de artistas na
mostra anual no salão oficial da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura, Napoleão III determinou que, paralelamente, se abrisse um Salon des Refusés, Salão dos Recusados, que atraiu
tanta gente, ávida por escândalos, que passou a fazer
concorrência ao salão acadêmico. Entre os escanteados
estavam quadros hoje célebres, como este, de Whistler...
gerado pelo excesso de vetos à participação de artistas na
mostra anual no salão oficial da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura, Napoleão III determinou que, paralelamente, se abrisse um Salon des Refusés, Salão dos Recusados, que atraiu
tanta gente, ávida por escândalos, que passou a fazer
concorrência ao salão acadêmico. Entre os escanteados
estavam quadros hoje célebres, como este, de Whistler...
... e este, de Manet:
Como se vê, é confiar no próprio taco e ter paciência...
Conseguiu-se a realização da obra? Ela, então, conquistou
respeito? Nem sempre. “A Última Ceia”, de Leonardo,
estava bastante deteriorada, é verdade, mas era
“A Última Ceia” de Leonardo. Meteram-lhe, porém,
uma porta mesmo no meio da mesa,
sem a menor consideração:
respeito? Nem sempre. “A Última Ceia”, de Leonardo,
estava bastante deteriorada, é verdade, mas era
“A Última Ceia” de Leonardo. Meteram-lhe, porém,
uma porta mesmo no meio da mesa,
sem a menor consideração:
Já o local programado para a grande tela
“A Ronda Noturna”, de Rembrandt
(ei-lo com problemas, de novo), foi o Grande Salão
da sede municipal da Companhia de Arcabuzeiros
da capital holandesa. Mas em 1715, por conta do
descontentamento de alguns dos retratados, ela foi
transladada. Para encaixar o quadro no espaço
disponível, cortaram-lhe – sem o menor pejo - uma faixa
de cada lado e outra em cima, eliminando
“A Ronda Noturna”, de Rembrandt
(ei-lo com problemas, de novo), foi o Grande Salão
da sede municipal da Companhia de Arcabuzeiros
da capital holandesa. Mas em 1715, por conta do
descontentamento de alguns dos retratados, ela foi
transladada. Para encaixar o quadro no espaço
disponível, cortaram-lhe – sem o menor pejo - uma faixa
de cada lado e outra em cima, eliminando
três das personagens da cena. Conhecemos seu aspeto
original devido a cópias anteriores a 1715:
original devido a cópias anteriores a 1715:
É pouco? Pois em fevereiro de 1975, um doido atacou
a obra com uma faca, fazendo-lhe cortes em ziguezague. Restaurada, dez anos depois outro maluco borrifou-lhe um
aerossol de ácido.
a obra com uma faca, fazendo-lhe cortes em ziguezague. Restaurada, dez anos depois outro maluco borrifou-lhe um
aerossol de ácido.
E olha aí o que outro estúpido fez com a “Pietà” de
Miguelângelo: Foi em maio de 72. O desgraçado meteu
quinze golpes de martelo nela, quebrando-lhe o nariz,
o olho esquerdo e o braço do mesmo lado. Após o restauro,
a Pietà passou a ficar sob a proteção de um vidro blindado.
Miguelângelo: Foi em maio de 72. O desgraçado meteu
quinze golpes de martelo nela, quebrando-lhe o nariz,
o olho esquerdo e o braço do mesmo lado. Após o restauro,
a Pietà passou a ficar sob a proteção de um vidro blindado.
Encerrando:
O jornal The Sunday Times, de Londres, remeteu a várias
editoras e agentes editores do Reino Unido os capítulos
iniciais de dois livros que tinham vencido o Booker Prize,
a maior premiação do gênero na Inglaterra, nos anos 70 : “Holiday”, de Stanley Middleton, e “In a Free State”,
de V. S.Naipaul, este ultimo vencedor do Nobel em 2001.
Com títulos e autores falsos, as propostas receberam
vinte e uma respostas, apenas uma positiva.
editoras e agentes editores do Reino Unido os capítulos
iniciais de dois livros que tinham vencido o Booker Prize,
a maior premiação do gênero na Inglaterra, nos anos 70 : “Holiday”, de Stanley Middleton, e “In a Free State”,
de V. S.Naipaul, este ultimo vencedor do Nobel em 2001.
Com títulos e autores falsos, as propostas receberam
vinte e uma respostas, apenas uma positiva.
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