terça-feira, 26 de agosto de 2014

CERCAMENTO DA BARRA


A prefeitura de Salvador reinaugurou a Barra com festa e shows de artistas importantes. Área nobre da capital baiana, a Barra foi reaberta como demonstração de sucesso da prefeitura na sua política de organização da cidade. Vale ressaltar que os moradores da Barra votaram maciçamente no prefeito herdeiro da tradição carlista, não podíamos esperar nada diferente de um bairro igualmente tradicional e elitista.
A reinauguração da Barra, festejada por seus moradores, é um verdadeiro cercamento de áreas importantes culturalmente, socialmente e economicamente. Uma tentativa explicita de afastar as “classes perigosas” do convívio das civilizadas senhoras que gastam seus recursos nas lojas do shopping Barra.

Para quem não conhece, a Barra tem uma das praias urbanas mais belas do mundo – a praia Porto da Barra – sendo um importante espaço de sociabilidade e de práticas lúdicas dos mais variados grupos sociais soteropolitanos. O farol da Barra é símbolo e marco da cultura baiana. O farol já foi um forte responsável por defender a entrada da Bahia de todos os santos. Hoje ela é, além de praia frequentada por baianos e turistas, o lugar da saída dos trios elétricos no circuito Dodô (Barra-Ondina). Resumindo é um dos mais importantes cartões postais da Bahia junto com o Pelourinho.
A política de afastar populares dessa região, no entanto, não começou agora. Desde o inicio do seu mandato ACM Neto tem promovido ações graduais de elitização do espaço urbano. Um importante marco nesse processo aconteceu durante as obras de “revitalização” da Barra, linhas de transporte coletivo foram desativadas e ou desviadas, fazendo com que parcelas da população soteropolitanas residentes em regiões na periferia da cidade encontrassem muita dificuldade de ter acesso ao charmoso bairro baiano.

Durante a Copa do Mundo do Brasil e o réveillon mecanismos de segurança foram testados e aprovados pelos moradores da região para desespero de trabalhadores informais que vivem do comércio na região. Como a Barra é uma região de forte apelo turístico os comerciantes ambulantes ganhavam a vida na região vendendo souvenir, porém a nova política de ocupação do espaço urbano pelas pessoas imposto pela prefeitura de ACM Neto tem colocado uma série de obstáculos para o desenvolvimento dessas atividades por parte dos populares.
Até mesmo o tradicional sorvete capelinha, tão popular nas praias baianas parece está sendo alvo da política higienista do carlismo. Um veículo da imprensa baiana entrevistou um sorveteiro que teve seu trabalho dificultado pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop).

“Hoje eu tentei vender meu picolé e fui abordado por guardas e agentes da Semop, os quais me falaram que não podia vender aquela marca no local, somente Nestlé e Kibon, porque pagaram licença” [1], conta o sorveteiro.
Os moradores de rua da região também foram alvo da truculenta prefeitura carlista. Durante a Copa das Confederações e Copa do Mundo moradores foram violentamente recolhidos e expulsos, muitos relataram inclusive que foram acordados por jatos d´água. A Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps) foi acionada pelo Ministério Publico pelas práticas ilegais que vem desenvolvendo para higienizar determinadas regiões da cidade.[2] Além do Ministério Publico o  Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) também endossa a crítica a política apresentada pelo prefeito ACM Neto e pelo secretário de Promoção Social e Combate à Pobreza, Henrique Trindade.

A elitização do espaço urbano soteropolitano caminha a passos largos, a Barra é só o inicio. A prefeitura recentemente anunciou o credenciamento de veículos para os moradores da Barra. [3] O bairro vai receber as zonas-verdes, que nada mais é do que reservar para os moradores da Barra espaços que deveriam ser públicos para o uso de todos e todas. Essa medida deve valorizar e aquecer o mercado imobiliário na região, já que um dos problemas apresentado pelos prédios antigos é a falta de garagens. Em tempos de caos motorizado em que as famílias da elite têm um carro para cada integrante, transformar a rua em estacionamento semiprivado é um incentivo para a compra de mais carros e consequentemente mais engarrafamentos e poluição. O slogan “Salvador mais verde” da prefeitura carlista está mais ajustado a dinâmica das zonas-verdes do que com o verde do meio-ambiente e da luta ambientalista.

Para as regiões periféricas economicamente e socialmente vulneráveis – as favelas – a política de ocupação do espaço urbano da prefeitura é agressiva. Como pode ser observado na demolição de cerca de 20 casas e barracos na Avenida Suburbana, em Salvador. Os imóveis residenciais e comerciais estavam localizados na beira da pista, na parte de baixo de Alto de Coutos. A tensa operação foi comandada pela Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) e pela Semps. Os moradores alegaram que não foram avisados e a prefeitura não promoveu a relocação dessas pessoas para novas casas, restando como alternativa aos ex-moradores o abrigo municipal até que o aluguel-social no valor de 300 reais seja disponibilizado. [4]
Estamos diante da retomada das políticas higienistas em capitais importantes do Brasil governados por neoliberais moderninhos. Estão reeditando uma política que só aprofundou a pobreza e que contribuiu com a organização da violência. O modelo de cidade que está sendo implantado em Salvador deverá promover a já acirrada tensão social e racial.

A prefeitura de ACM Neto prioriza os investimentos nos bairros mais ricos, promoveu o cercamento da Barra, promete uma via com pedágio cortando a cidade (Linha Viva), pressiona de forma cada vez mais violenta e incisiva comunidades populares próximas da orla como é o caso do Calabar, Alto das Pombas, e Gamboa de Baixo. Além disso, promete tornar o Parque da Cidade no Central Parque de Salvador – não sabemos, mas podemos imaginar a que custo social, principalmente para a comunidade de Santa cruz localizada nos arredores do parque.
A atual gestão é uma ferramenta do capital na organização do espaço urbano soteropolitano. Há planos ainda mais graves sendo debatidos na câmara de vereadores de Salvador, o prefeito encaminhou recentemente uma proposta que pretende orientar o desenvolvimento urbano da cidade, nele a visão de commodity-cities está colocada, para atingi-la é preciso promover o cercamento e a higienização das áreas nobres, a ocupação de áreas com valor imobiliário em que estão estabelecidas comunidades populares e a venda de espaços públicos, seja na forma semiprivatista das zonas-verdes ou na venda de praças. A capital baiana está entregue ao mercado imobiliário, já é hora de fechar os punhos pois os tempos difíceis estão de volta.

Caio Fernandes Barbosa é mestre em História.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails