Não me lembro como tinha
começado esta amizade. Alto, louro e
pesado, muito se preocupava com o vestir. Talvez por deformação profissional.
Arquiteto de interior. Era do tipo camaleão. De dandy oxfordiano a la Graham
Greene, passava em duas semanas e sem o mínimo constrangimento, a calças
boca-de-sino e túnicas “Love´n Peace”
surrupiadas do “Hair”.
Como a metade dos belgas de bon standing chamava-se Baudoin (a outra metade, Leopold). Era
só alegria. Me telefonava de Londres ou Milão “Tou chegando amanhã. Tem cama
para mim?”
Minha casa de Cascais tinha sempre um quarto disponível.
De Bruxelas, trazia chocolate
Côte d´Or. De Paris, um barômetro-torre Eiffel “Tão kitsch, não resisti!” ou alguma
reprodução de Miró “Para a cozinha”. De Tanger, meio quilo de cuscuz ou alguma
especiaria. Tudo comprado no aeroporto antes de embarcar.
Dava grandes beijos à
preciosa Marcelina, cozinheira ímpar. Contava mil aventuras. Risadas sonoras. Me
levava para almoçar numa simpática tasca perto de casa. De conversa leve e bem informada, sua roda de
conhecidos crescia a cada semana.
Tinha clientes importantes, especialmente em
quintas dos arredores de Sintra. Ousei pedir-lhe para me levar a uma delas,
conhecida por seu luxo, desconversou.
Mas o mundo não é assim de
pequeno? Um belo dia alguém – tem sempre um alguém para ver a nudez do rei – me
telefonou para contar que durante almoço em Monte-Estoril, a esposa do
anfitrião falara cobras e lagartos a meu respeito. E o Baudoin... nada. Nem a
mínima tentativa de me defender do veneno alheio.
Ousei cobrar a falta de
postura. Desconversou “Havia muito barulho na sala, não ouvi...”
Como tenho o culto da
amizade, mas pavio curto, encerrei o capítulo Baudoin. Hotéis não faltam pela
cidade.
Uma amiga comum teve a palavra final: “Mas, Dimitri, o Baudoin só tem
amigos circunstanciais!”.
E o belga, muitos beijos à preciosa
Marcelina, mas de gorjeta, nada.
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