Malu Fontes
O título acima é do livro do historiador baiano João José Reis, obra indispensável para compreender a evolução da relação da sociedade brasileira com a morte, sobretudo para quem é de Salvador e quer entender o passado desta cidade. Mas poderia ser a legenda perfeita para tudo o que se viu no comportamento de muita gente durante os funerais de Eduardo Campos, em Recife, no último final de semana. O fato de ter morrido na queda de um avião e a demora exigida no recolhimento, identificação e liberação do corpo deram ao funeral uma repercussão ainda mais intensa do que já teria em se tratando de um candidato à Presidência da República.
Os dois últimos funerais brasileiros de grande repercussão e comoção nacional foram os de Tancredo Neves, em abril de 1985, e o de Ayrton Senna, em maio de 1994, divididos por uma década e ambos, se confrontados com o contexto de hoje, com mais um ponto em comum, além da dimensão trágica: os dois aconteceram num Brasil e num mundo ainda analógico, sem a cultura digital e sem o advento de toda a sorte de gadjets e plataformas digitais que permitem o registro audiovisual de tudo a um clique e permitem a circulação e o compartilhamento em escala mundial em segundos.
Além das 160 mil pessoas que acompanharam o funeral pelas ruas de Recife e de outros milhares que passaram ao redor do caixão para homenagear, se despedir e manifestar afeto e solidariedade à família antes do cortejo, um aspecto produzido e repetido por muita gente anônima chamou atenção. Chamou tanto que acabou virando pauta e manchete na imprensa: a quantidade de pessoas fazendo e postando selfies tendo o caixão ao fundo, muitas delas com um sorrisão no rosto e algumas, pasme-se, com a inexplicável cara de pau de quem postou-se ao lado da viúva e a fez, voluntariamente ou não, posar junto.
Nas redes sociais, essas caixas de ressonância de tudo o que acontece no mundo, o fenômeno gerava, de um lado, a postagem dos tais selfies e, de outro, perguntas de indignação: que tipo de sociedade corvo é essa que vai para os enterros para sorrir e fotografar a si mesma diante de um corpo morto? Antes mesmo dos selfies no velório tornarem-se tema de abordagem na imprensa e nas redes sociais, já se via, ao longo da cobertura ao vivo pelas emissoras de TV, pessoas que apareciam ao fundo falando ao telefone, sorrindo para a câmera. Aparentemente avisavam a algum parente em casa que estavam ao vivo na televisão. Nada diferente, portanto, do comportamento de torcedores ou de fãs que, em espetáculos esportivos ou grandes shows transmitidos, vão aos estádios e plateias carregando cartazes justamente para serem filmados, tipo, “mãe, eu tô na Globo”.
Não havia diferença alguma entre o comportamento do público de uma festa midiática, de um espetáculo esportivo, um festival de rock e o comportamento dos responsáveis pelas cenas de papagaios de pirata na TV e pelos selfies nas redes sociais. A diferença era apenas a natureza do espetáculo: a festa, para os últimos, era a morte.
Candidato numa campanha eleitoral que está no auge e herdeiro de um patrimônio político até então praticamente regional e, mesmo assim, em cheque, Eduardo Campos, ao ser vítima de uma tragédia, teve morto o que nunca experimentou vivo: a absoluta fama política nacional e a coesão emocional irrestrita da população local. A imagem dos filhos sobre o carro do Corpo de Bombeiros conduzindo o caixão para o túmulo do avô, Miguel Arraes, todos vestidos com camisetas produzidas exclusivamente para o funeral, com bandeiras numa mão e a outra erguida no ar, fechava a primeira epopeia trágica da geração selfie brasileira.
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