terça-feira, 5 de agosto de 2014

PAÍ É INSUBSTITUÍVEL.

 E mãe, é peça de reposição?

MALU FONTES

Muitos dirão que se uma propaganda gerou polêmica e disse me disse, então ela é ótima, pois já gerou mídia espontânea e isso é uma cereja no bolo para a publicidade do que quer que seja. Há, no entanto, quem defenda a tese de que se uma publicidade precisa de explicação é porque não foi bem sucedida, já que tudo que precisa de explicação é porque claro não está e isso é, sim, um problema. Pois bem, a campanha publicitária do dia dos pais de um dos mais tradicionais shopping centers de Salvador atingiu em cheio as duas turmas: a que defende a primeira tese e a que compartilha do segundo ponto de vista.
A campanha, estrelada pela atriz Júlia Rabello, do Porta dos Fundos, a princípio parece um primor de falta de sintonia com os tempos de hoje, em que milhares de crianças são criadas exclusivamente por suas mães porque seus paizinhos insubstituíveis simplesmente os abortaram. Sim, pois homem para abortar não precisa de procedimento nenhum, clínica clandestina nenhuma. Simplesmente some quando a mulher lhe diz que está grávida.
O mote da campanha é: ‘Pai. Insubstituível’. Ou seja, um primor para os garotinhos e garotinhas ainda muito novinhos que veem um outdoor desses quando estão passando diante dele a pé ou vendo-a através da janela de um carro onde sempre é carregado por mamãe e nunca por papai ou da janela de um buzu lotado no colo de quem arranca as tripas todos os dias para ser pai e mãe. Não, mas esse não é o problema da campanha, claro, pois a publicidade, e nada contra ela, não é dada a essas sutilezas diante de criancinhas despaternalizadas. A questão aqui é a semiótica da coisa: que diabos faz ao lado dessa frase aquela mãe loura sorridente ao lado daquele menino vestido de kimono e fazendo uma careta de constrangimento dentro de um capacete de hóquei? 
Ok, você entendeu. Palmas para a sua inteligência e perspicácia: as mães são essas tolas superprotetoras para quem o filho pode até praticar esportes marciais, mas sem proteção na cabecinha para apanhar dos monstros filhos dos outros, jamais. Ah, mas nem por isso venha chamar de burro quem não entendeu, pois para metade ou mais que isso de quem olhou para a peça, parece, sim, faltar uma legenda explicativa. Como dizem os menos dotados de vocabulário, o que quer dizer a “mensagem”? Esses têm uma segunda chance: recorrer à versão da campanha da TV, onde a mesma mãe superprotetora aparece negociando na aula de esportes marciais condições mais apropriadas para que o filhinho querido possa lutar sem se machucar. 
A campanha (bem ou mal sucedida em resposta de público e crítica, vá lá saber...), sob o ponto de vista das mães e do maniqueísmo patético que as classifica unilateralmente como superprotetoras e os pais como valentões que estimulam os filhos a enfrentar os leões, parece ser um retorno ao passado, coisa lá dos anos 80, 90, quando, para combater um comportamento errado  se recorria a alguém vulnerável contra quem se descia o malho, transformando-o no exemplo do que todos deveriam temer ser. Ou ninguém lembra que, para aconselhar motoristas a não beber e dirigir, ou a respeitar a velocidade, via-se outdoors com pessoas em cadeira de rodas, representando a ameaça e o risco de ser um para ou tetraplégico? O mote de fundo era: quer ficar assim, preso a uma cadeira de rodas? Então beba e corra.
Quem hoje faria uma campanha estúpida assim, onde para promover um bem se usaria a tragédia de um ser humano como ameaça? Parece que em termos de compreensão dos papéis de pais e mães não se avançou muito. Semana passada, um pai insubstituível destemido e longe de uma mãe superprotetora deu de olhos e um tigre arrancou o braço do filho. Foi uma fatalidade e ninguém duvida. Mas serve para pensar: papéis esterotipados não servem para nada, a não ser, talvez, para vender camisas masculinas no segundo domingo de agosto.

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