Minha mãe apreciava muito “L´heure
bleue” e os sabonetes da marca Guerlain. No fim da vida dava preferência ao
delicioso “Samsara”. Assim que, cada vez que eu passava por Paris, ia até a
Avenue des Champs-Élysées fazer uma visita à pequena e sofisticadíssima loja
desta centenária perfumaria. Naqueles tempos os produtos Guerlain só podiam ser
encontrados nas lojas da casa. Nada de duty-free de aeroportos, nada de centros
comerciais. Isto por decisão testamentária do fundador. Durante o prazo de cem
anos, os perfumes e derivados Guerlain seriam distribuídos unicamente nas lojas
da famosa marca.
A dos Champs-Élysées tinha fachada
sóbria, quase franciscana. Uma sala quadrada totalmente revestida de mármores
de várias cores: o piso, as paredes - incluindo as estantes - e quatro pequenos
balcões colocados nos cantos, enviesados. Cadeiras convidativas completavam o
charme desse templo do olfato. As vendedoras, sempre as mesmas, envelheciam com
distinção. Vestidas com tailleurs clássicos, talvez assinados por Jacques Fath
ou Christian Dior, atendiam, amáveis, um público geralmente também discreto, a
verdadeira elegância, ontem e sempre, sendo a mais total ausência de
ostentação, a anos-luz de Versace e Ivana Trump.
Naquele dia, esperando minha vez,
observei uma senhora, já madura, abrigada do frio outonal por confortável casaco
marrom de lã, muito bem cortado. Perto da gola, uma jóia de grande ourives
alegrava sobriamente sua fina silhueta. Na cabeça um chapéu de feltro lembrando
gorro, também marrom, levemente inclinado de lado. A mão direita, livre de
luva, apontava os frascos que iria levar. Após pagar com algumas notas – estou
falando da década de 70, pré-história do cartão de crédito – ao se despedir da
vendedora, com certeza velha conhecida, esta lhe perguntou “Posso perfumar a senhora?”
A cliente respondeu simplesmente “Shalimar”. Imediatamente recebeu uma pequena
nuvem do mágico perfume criado em 1925.
Ao sair da loja, passou por mim,
honrando-me com majestoso sorriso. Tive assim a possibilidade de observá-la
melhor. Tinha mais de sessenta anos e sem ser bela, era a concretização da mais
absoluta classe. Quem podia ser? A esposa de algum embaixador, de um ministro?
Lá fora, um longo carro esperava. O
motorista abriu apressadamente a porta.
Ah! Ia esquecer um detalhe: a
senhora era negra.
Dimitri Ganzelevitch Salvador, 19 de Julho de 2008.
Minha mãe usava alternadamente Cabochard (Grès), Heure Intime (Vigny), Ma Griffe (Carven) e Vent Vert (Balmain)
ResponderExcluirE eu,nostálgica, ando usando a 4711.
Adoro o Vetiver do Guerlain. Não acho mais em lugar algum, terei que voltar a Paris.