quinta-feira, 24 de abril de 2014

MINHA VIDA DE JASMIM


Mergulhada numa orgia de plantas típicas do norte da África, era uma casa bonita, bem cuidada e discreta, de estilo colonial franco-marroquino, provavelmente construída nos anos 30.
Quando chegava a noite, depois dos fastidiosos deveres de estudante, pegava minha bicicleta - aquela bicicleta vermelha - e me deixava levar até a calma rua onde a tal casinha se escondia. O que me atraia tanto por estas vizinhanças?
Era o forte perfume de um imenso jasmim que, na escuridão estrelada, se espalhava pela metade da rua.

Outros jasmins pontuaram minha vida.
Altas muralhas do Alcazar de Sevilha, construído no apogeu do domínio árabe, bairro de Santa Cruz. Estamos no princípio do verão. A longa e estreita rua se orgulha de seu imenso dossel de jasmim. Após longas horas batendo perna em museus e igrejas, ou no delirante parque de Maria-Luiza, não dispenso passear calmamente nas pedras amaciadas por doze séculos de andarilhos, procissões, namorados, jegues e cavalos. É como entrar no túnel do tempo. Nada aqui mudara desde a saída do último sultão, nem mesmo com as ostensivas intervenções de Carlos Quinto.
Uma charrete passa, alegre. Ruído metálico do trote dos cavalos.
Perfume de serralho.
Jasmim dos jardins de Istambul, dos pátios mexicanos, dos conventos sírios, das vermelhas falésias dos Algarves...

A primeira coisa que fiz ao comprar minha casa no adormecido bairro de Santo Antônio foi mandar vir uma boa caçamba de terra de Cachoeira e plantar um pequeno pé de jasmim trazido da Quinta Pitanga, em Itaparica.
A trepadeira foi crescendo, crescendo e hoje chega, debochada, em forma de leque, até o terceiro nível da casa. Sombra amiga nos dias de calor, pouso obrigatório para os cambacicas, rolinhas, bem-te-vis e beija-flores. Vez ou outra hospeda um casal de periquitos ou alguma cacatua fugitiva. Lá em cima, voam gaviões.
Nas noites quentes de março anunciando as pesadas chuvas, pego a rede e vou deitar à beira do terraço. Contemplo as luzes do porto, as estrelas, os morcegos que dançam na escuridão. 
Balanço no ar úmido perfumado de jasmim.
Retorno à adolescência, quando certas fragrâncias tinham conotação indisfarçável de erotismo. O coração então batia mais forte, uma tontura tomava conta da mente, as pernas perdiam força. Era difícil convencer os pés a sair do lugar e arrancar o cavalo selvagem que se escondia no plácido veículo.
Quando for, enfim, transformado em leves cinza, quero-as espalhadas à volta de meu pé de jasmim e, assim, alimentando suas raízes, reencontrar minha infância perfumada.

Dimitri Ganzelevitch                                            Salvador, 21 de agosto de 2008.




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