Malu Fontes
Nem mesmo as ruas e a intimidade do lar parecem dar hoje às pessoas a vontade de praticar a intolerância e ofender o outro como as redes sociais dão. Qualquer pessoa se acha no direito de dizer qualquer coisa sobre qualquer um na terra de ninguém que é a web, onde o subsolo do inferno das ofensas e do desrespeito não é o limite. Nem mesmo a morte violenta e a dor das famílias das vítimas merecem respeito por parte de alguns, que não hesitam em dar de ombros à compaixão e por pouco não chegam às raias de comemorar a tragédia alheia.
Diante da repercussão do assassinato recente, em um assalto, do estudante da Ufba, Charles Müller, fato que gerou ampla cobertura da imprensa e protestos dos alunos da universidade, não faltaram nas redes sociais pessoas indignadas e inconformadas, não com a morte do rapaz, mas com a dimensão dada ao caso pelos meios de comunicação e pela time-line de quem recirculava as notícias sobre o latrocínio. O argumento dos descontentes e autodenominados saturados com o volume de notícias veiculadas e postagens sobre o assassinato era o seguinte: morrem dezenas de jovens na periferia e esses não são manchetes de jornal nem objeto de posts em redes sociais.
A linha de raciocínio dos inconformados com as notícias sobre Müller parte de uma evidência real, a morte, a cada semana, de uma média de duas dezenas de jovens pobres assassinados sem repercussão. Mas quando embalada na indignação contra a amplitude adquirida por esse caso específico, a queixa parecia dizer mais algo muito perverso sobre a comoção gerada pela morte do rapaz e nada em defesa dos jovens pobres enterrados anonimamente todos os dias em Salvador. Ao dizer nas redes que não aguentavam mais ler uma linha sobre Müller, os reclamantes não davam nenhum sinal de que estavam insatisfeitos com as dezenas de mortes semanais sem cobertura. Pareciam, em vez disso, perguntar, mesmo que de modo oblíquo, algo como: afinal, o que há demais na morte de um estudante da Ufba diante da morte de tantos outros? Ou seja, era como se esses indignados contra o que consideraram um excesso de cobertura do caso, e que nunca são vistos se manifestando sobre o número de cadáveres anunciado pela imprensa a cada semana, estivessem reivindicando de forma enviesada uma contabilidade macabra de mortos de estratos sociais mais privilegiados, para que, assim, o mundo fosse mais justo. Nesse caso, para que estudantes da Ufba mereçam comoção quando mortos em assaltos, é preciso que muitos outros colegas tenham o mesmo destino e, assim equiparem-se, numericamente àqueles que não são motivo de passeatas ou manchetes dos telejornais.
Nenhuma morte deve ser considerada apenas uma morte a mais. Embora seja verdade que Müller representa um ponto fora da curva de assassinatos em Salvador, por ser branco, de classe média, aluno de um curso universitário tido como de elite e viver em bairro nobre, sua morte inscreve-se, sim, estatisticamente, na mesma face da moeda da insegurança pública geral, não apenas de Salvador, mas de toda a Bahia e de boa parte do Brasil.
A linha de raciocínio dos inconformados com as notícias sobre Müller parte de uma evidência real, a morte, a cada semana, de uma média de duas dezenas de jovens pobres assassinados sem repercussão. Mas quando embalada na indignação contra a amplitude adquirida por esse caso específico, a queixa parecia dizer mais algo muito perverso sobre a comoção gerada pela morte do rapaz e nada em defesa dos jovens pobres enterrados anonimamente todos os dias em Salvador. Ao dizer nas redes que não aguentavam mais ler uma linha sobre Müller, os reclamantes não davam nenhum sinal de que estavam insatisfeitos com as dezenas de mortes semanais sem cobertura. Pareciam, em vez disso, perguntar, mesmo que de modo oblíquo, algo como: afinal, o que há demais na morte de um estudante da Ufba diante da morte de tantos outros? Ou seja, era como se esses indignados contra o que consideraram um excesso de cobertura do caso, e que nunca são vistos se manifestando sobre o número de cadáveres anunciado pela imprensa a cada semana, estivessem reivindicando de forma enviesada uma contabilidade macabra de mortos de estratos sociais mais privilegiados, para que, assim, o mundo fosse mais justo. Nesse caso, para que estudantes da Ufba mereçam comoção quando mortos em assaltos, é preciso que muitos outros colegas tenham o mesmo destino e, assim equiparem-se, numericamente àqueles que não são motivo de passeatas ou manchetes dos telejornais.
Nenhuma morte deve ser considerada apenas uma morte a mais. Embora seja verdade que Müller representa um ponto fora da curva de assassinatos em Salvador, por ser branco, de classe média, aluno de um curso universitário tido como de elite e viver em bairro nobre, sua morte inscreve-se, sim, estatisticamente, na mesma face da moeda da insegurança pública geral, não apenas de Salvador, mas de toda a Bahia e de boa parte do Brasil.
Não se justifica a indignação contra a repercussão do seu assassinato, como se houvesse uma contabilidade de classe que precisa igualar o número de cadáveres de brancos ao de negros e o de ricos ao de pobres. Esse é um raciocínio torto que desrespeita as vítimas e suas famílias. A indignação de todos deve ser contra um estado que não tem respostas para dar a uma sociedade em que pessoas morrem às centenas como baratas, ricos e pobres, assaltados e assaltantes.
* Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Ufba
Ilegível.
ResponderExcluirTexto e leads de outra página estão sobrepostos.