O samba de Morengueira e o deputado do PT
Vitor Hugo Soares
No antológico samba de breque “Olha o Padilha!”, sucesso implacável e bem humorado – do tempo em que se combatia com música a malandragem no Rio de Janeiro e no País -, o cantor Moreira da Silva faz uma advertência que atravessou décadas e agora se encaixa, com perfeição, neste abril de 2014, no Brasil: “Pra se topar uma encrenca/ basta andar distraído/ que ela um dia aparece. Não adianta fazer prece”.
Na mosca, saudoso e profético Morengueira. Mais atual, impossível!
Vejam o caso do deputado licenciado André Vargas, do PT do Paraná. Um exemplo acabado de desastrado personagem da política e do poder neste “tempo temerário”, para ficar com a expressão consagrada que dá título ao romance histórico do mestre da Faculdade de Direito da UFBA e constitucionalista baiano, Nestor Duarte.
O livro (esta é uma dica à parte) reeditado pela Assembleia Legislativa da Bahia, depois de décadas de seu lançamento, merece uma leitura atenta. Ou releitura, no mínimo a título de ajuda recolhida no passado, para entender fatos, figuras e comportamentos do presente na política, nos postos legislativos e de mando e em outros ambientes da sociedade e das ruas do país.
À semelhança do malandro carioca da composição de Morengueira, alcançado pelo braço pesado do delegado Padilha, na saída de uma gafieira carioca, Vargas, bem ou mal comparando, em suas atribulações com a Polícia Federal e a opinião pública nacional, é protótipo singular de uma casta gestada no governo Collor, mas cevada nos desvãos da política e da administração pública e empresarial, a partir de mais ou menos uma década para cá de aparelhamentos.
Vazio de pensamento ou projeto cuja perspectiva alcance um centímetro além do próprio umbigo, falastrão metido a “esperto” e valentão, o deputado petista acabou enredado na enorme encrenca que provocou, mas, provavelmente, não esperava nem queria.
No caso do samba, o malando do Rio caiu nas mãos do delegado Padilha, da Polícia Civil. Acabou com a cabeça raspada “por um barbeiro sorridente à sua espera”, e a calça transformada em calção, nas mãos, antes de ser mandado para o xilindró.
No caso do deputado, em Brasília, ainda não dá para saber o desfecho, mas já é possível imaginar (pelas pressões e o abandono dos próprios companheiros de partidos e de linhas auxiliares importantes), que não será nada agradável. Tanto para o parlamentar, quanto para sua agremiação.
Distraído ou, talvez, seguro da impunidade em seus vôos e amizades de alto risco, o fato é que o deputado procurou a encrenca em que anda enrolado até o pescoço.
O punho cerrado levantado, em ato de grosseria e provocação explícita, foi o começo de tudo. Ao lado do ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, na solenidade de abertura dos trabalhos do poder Legislativo, no plenário do Congresso Nacional, a imagem do vice-presidente da Casa, de pretensa solidariedade aos companheiros de partido condenados e presos por corrupção, espantou àqueles que ainda se espantam neste País e correu o mundo.
Em comentário esta semana, o jornalista e blogueiro baiano Luís Augusto Gomes chama a atenção para um aspecto meio submerso do caso: a atitude de André Vargas revela um traço da personalidade do parlamentar paranaense, do PT, que o aproxima do ex-senador do DEM, Demóstenes Torres, levado à renúncia do seu mandato por suas ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira. De repente, malfeitos escaparam das sombras e saltaram das investigações policiais para a luz dos noticiários e debates políticos nacionais.
A semelhança, claro, analisa o editor de “Por Escrito”, “não é a prática criminosa em si, mas o gosto pelo protagonismo da cena política, quando a prudência recomendava, a ambos, absoluta discrição, por puxarem um rabo de palha que não tem mais tamanho”. E conclui a comparação:
“Torres empreendeu uma cruzada contra a corrupção em que não deixou de constranger colegas com suas palavras cortantes de paladino da moralidade. Vargas quis ridicularizar o relator do mensalão imitando o gesto dos companheiros petistas recolhidos à Papuda”.
Resultado: encrenca das grossas. Tudo indica que ainda maior e mais devastadora do que a arranjada pelo malandro carioca do samba de Moreira da Silva, ou do ex-senador de Goiás. Do posto de vice-presidente da Câmara, Vargas já renunciou esta semana em Brasília, sob o pretexto de ter tempo para se dedicar mais à sua defesa em relação aos malfeitos de que é acusado.
Agora, ele sofre a pressão social (“que faz sofrer a minha família”, como ele declarou) e a dos próprios companheiros que há pouco tempo o aplaudiam e lhe davam tapinhas nas costas por seus atos de galhofa e provocação gratuita e irresponsável. Na bancada petista sugerem que ele renuncie antes de se completar o processo de cassação, para evitar “desgastes do partido e do governo Dilma”.
O resto, a conferir.
O resto, a conferir.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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