“Fique aqui, na esquina. Melhor,
atrás da árvore. Me aguarde. Vou falar para ver se alguém nos leva”. Obedeço e
fico na observação.
Yvan conversa com um, que
obviamente recusa. O segundo também. Yvan insiste. O motorista argumenta,
hesita e acaba aceitando. Meu companheiro me chama. “Ele pede dez dólares, não
faz por menos. Diz que tem muita polícia e é perigoso. Pode perder o táxi.” O
preço exigido é absurdo, quando a gente se familiarizou com o custo dos
transportes locais, mas não vou passar minha manhã discutindo. Vamos embora!
Pretendia sentar discretamente
no fundo do veículo, mas o taxista pede para o negro Yvan ficar lá. “É que os
policiais examinam primeiro quem está atrás. O senhor sente na frente, a meu
lado. É menos arriscado”. Lógica da KGB.
A estrada é reta, ampla, bem
conservada, florida. Mas o motorista está cada vez mais tenso. Vira-se para
Yvan e diz: “Tem muita polícia. Vamos pegar outra estrada. É mais longo, mas
pelo menos por aqui ninguém vai nos incomodar.”
Entramos a direita, por caminhos
estreitos e esburacados.
A paisagem mudou de repente.
Estamos num planeta distante onde algum cataclismo aconteceu. Uma cidade
inteira, talvez vítima de arma química, foi implodida e os escombros
transportados até este fim de mundo. Ou são os ianques que jogaram bomba
atômica. Montanhas e mais montanhas de entulho. Fábricas abandonadas, telhados
metálicos enferrujados, caídos. Casebres miseráveis onde famílias inteiras,
desocupadas, olham espantadas o táxi passar. Com certeza o único nestes últimos
anos. Plantio ralo, gado esporádico e subnutrido. Parece nosso sertão em época
de seca.
De que sobrevive esta gente?
O carro continua até o
entroncamento com a outra estrada, a oficial, para turistas.
No alto de uma ladeira, o motorista
pára o carro e nos pede para sair.
“Só falta um quilometro. Melhor
ir a pé, pois não quero me arriscar mais”.
Pago os merecidos dez dólares e
saímos do táxi.
O sol está alto, mas o calor é
suportável, graças a uma bem-vinda brisa. Gosto de andar.
Não descemos a ladeira, também
ampla e florida, por muito tempo. Chega em sentido contrário um homem ainda
jovem. Nos interpela sem rodeio.
“Melhor não irem a Santa Maria.
O governo acaba de decretar que será também uma praia para turistas, como
Varadero, e os cubanos não podem mais freqüentar. Tem policia prendendo todos
os nativos e levando para o posto. Eu vou a Bacuranoa que é para cubanos. Se
quiserem, vamos juntos.”
Segunda parte da louca aventura
em que me meti simplesmente pela tentação de mergulhar nas águas turquesas do
Caribe.
Paramos um estranho minhocão,
transporte coletivo com apelido ainda mais estranho de “Uaua”. Discretamente,
dei algum troco ao Yvan para pagar nossas três passagens. Melhor o cobrador não
me notar. Pode dar mais problema. O novo comparsa chama-se Ricoleto. Pelo
linguajar e comportamento, não deve ter estudado muito. É conversador e alegre,
talvez não muito confiável.
Bacuranoa é uma enseada sem
grande característica. Pouca vegetação, muitos banhistas, muitos “farofeiros”
nesta ilha sem farofa. É aqui que me espera a surpresa de um caminhão
agressivamente decorado com a propaganda da Coca-Cola! Não tenho máquina
fotográfica e lamento este momento não documentado. O Odioso Imperialismo
Americano no seu Mais Ostensivo Ato de Colonialismo Econômico.
“Mas não é americano, afirma
Yvan. É licença mexicana” Ah! Bom! Estou aliviado.
Os discursos estão salvos...
Um grupo de jovens militares,
homens e mulheres, está instalado perto de nós. Noto as dentições podres de
dois deles. Não devem ser da capital, talvez até nem tenham autorização para
entrar nela.
O vento se tornou insistente, o
mar que me hipnotizava oferece agora uma água turva, em harmonia com a areia
pouco convidativa onde dejetos de um consumo inexistente provam evidente descuido.
O regresso a Havana será
melancólico. Onde se derreteu a magia esperada?
Será que eu realmente desejava,
precisava conhecer o avesso do avesso da realidade cubana? Sinto-me irritado
comigo mesmo, culpando-me de algum ato errado. Também, que mania esta de sempre
querer ser diferente, não entrar em grupos organizados com guia bilíngüe e ar
condicionado! Porque, em vez de me hospedar em família cubana, não fiquei no
Mélia Cohiba Palace Hotel, com meus semelhantes, assistindo shows de merengue e
bebericando mojito em volta da piscina?
Dimitri Ganzelevitch
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