O professor e jornalista Nelson Cerqueira faz seu relato de época para um
significativo público, mas diminuto, no auditório da ABI
ABI PEDIRÁ "DESCULPAS" POR
TER ADERIDO AO GOLPE DE 64
Albenísio Fonseca
A iniciativa foi anunciada durante o evento “Imprensa e Censura, promovido pela entidade na manhã desta quinta-feira (3.04). A iniciativa envolveu depoimentos de Walter Lessa, Nelson Cerqueira, Emiliano José, Samuel Celestino e João Eurico Matta, sobre o golpe civil militar.
A proposta do “Mea Culpa” já estaria encampada por dirigentes como o presidente da ABI e diretor geral da Tribuna da Bahia, Walter Pinheiro, o vice, Ernesto Marques e o diretor Agostinho Muniz. À época, a associação era presidida por Ranulfo Oliveira, e tinha como diretores Jorge Calmon, também de A Tarde e Odorico Tavares, do Diário de Notícias.
Os dirigentes chegaram a publicar então, como matéria paga, uma convocação à sociedade para participar de ato público em homenagem ao golpe, programado para 17 de abril de 1964, conforme registro no livro comemorativo dos 50 anos da entidade, criada em agosto de 1930, pouco menos de um mês antes da Revolução deflagrada naquele ano.
DEPOIMENTOS
O repórter-fotográfico Walter Lessa narrou episódios sobre o governo Lomanto Júnior, empossado em 1963 e que se manteve no poder por adesão à ditadura, até 1967. O jornalista Nelson Cerqueira contou sobre sua trajetória no Jornal da Bahia e aludiu à ações de censura promovidas por um oficial do Exército, entre outras ameaças, poucos dias após a derrubada do presidente João Goulart, levando o jornal a sair sem a manchete que anunciava "em letras garrafais" um ato da população contra o regime.
O professor e ex-deputado Emiliano José traçou toda sua trajetória de preso político e das torturas a que foi submetido, inclusive choques elétricos, no quartel do Barbalho. Mencionou nomes de torturadores como os dos coronéis Brilhante Ustra, Luiz Arthur de Carvalho e de desaparecidos como Gildo Moura, cunhado do jornalista Antonio Jorge Moura.
Ele citou, ainda, a estarrecedora declaração do general e presidente Ernesto Geisel (1974-1978) “nós precisamos continuar matando”, registrada no livro “A Ditadura Envergonhada”, de Élio Gaspari, e referiu-se à “crueldade do regime”, com base nos recentes depoimentos do coronel reformado Paulo Manhães às comissões da verdade do Rio de Janeiro e à federal.
Manhães revelou com detalhes as atrocidades cometidas contra prisioneiros do regime, como o corte dos dedos para “apagar” digitais; desfiguração de faces para não ter a arcada identificada e pedras amarradas aos corpos, de modo meticulosamente estudado para que não afundassem ou emergissem.
Emiliano José criticou, do mesmo modo, a cumplicidade dos jornais à época; a adesão da CNBB à ditadura, embora ressaltando as ações de enfrentamento levadas a efeito pelos bispos Dom Helder Câmara, dom Pedro Casaldáliga e dom Waldyr Calheiros de Novaes. Para finalizar com a assertiva: “Não sou eu quem registra, é a história”.
Samuel Celestino, por sua vez, contou sobre o episódio em que estudantes de Direito foram presos, no início do fatídico abril de 1964 e lembrou o silêncio adotado pelo orador da turma de colação de grau, depois também jornalista, Gilson Nascimento, em meio às ameaças de agentes do Exército.
O presidente da ABI, Walter Pinheiro relatou situação envolvendo teaser criado pelo chargista Hélio Lage para o lançamento do suplemente “A Coisa” e que envolvia um vaso sanitário sob o texto “A Coisa vem aí”, editado ao lado de uma manchete com Ernesto Geisel chegando a Salvador. O diretor da Tribuna teve que ir dar explicações ao SNI-Serviço Nacional de Informações, no estado. João Eurico da Matta também deteve-se em análises sobre o governo Lomanto Júnior e revelou decisão da Câmara Municipal de Chorroxó (a 510 km de Salvador) em recusar proposta de título de cidadania ao general-presidente, Emílio Garrastazu Médici, já em 1970.
------------------------------ ----
Albenísio Fonseca é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário