Leilão de petróleo: Prejuízo de um trilhão de dólares
Em entrevista, o engenheiro Paulo Metri explica as implicações da lei n. 9478/1997, que rege os leilões de petróleo no país, e defende a criação de uma nova legislação, semelhante à lei n. 12351, que assegura a criação de um fundo social a partir dos recursos obtidos com a exploração da camada do pré-sal
08/05/2013
do IHU On-Line
A 11ª Rodada de Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, que será realizada nos dias 14 e 15 de maio deste ano, no Rio de Janeiro, para leiloar 289 blocos para a exploração de petróleo, “trará um prejuízo para o país da ordem de um trilhão de dólares”, diz Paulo Metri à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o engenheiro explica as implicações da lei n. 9478/1997, que rege os leilões de petróleo no país, e defende a criação de uma nova legislação, semelhante à lei n. 12351, que assegura a criação de um fundo social a partir dos recursos obtidos com a exploração da camada do pré-sal.
Crítico da atuação das petrolíferas estrangeiras no Brasil, Metri diz que o setor “tem de ser visto como um dinamizador da economia”. No entanto, assegura que, desde 1997, “várias empresas estrangeiras já ganharam blocos no Brasil, descobriram e estão produzindo petróleo, e nenhuma delas contratou uma simples plataforma no país. (...) Elas têm um bloco no mar, trazem suas plataformas do exterior, o petróleo sai do fundo do mar e já vai para um navio que nem passa pelo território nacional, e as empresas tampouco pagam imposto pela exportação do petróleo por causa da Lei Kandir. Quer dizer, as empresas só pagam os royalties, que é uma parcela mínima, de 10%, comparado com a lucratividade do setor, que deve ser algo em torno de 45%”.
Paulo Metri é graduado em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e é conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como funcionam os leilões de petróleo no Brasil de acordo com a lei 9478/1997? Quais são os pontos polêmicos desta lei?
O engenheiro Paulo Metri - Foto: Reprodução |
Paulo Metri – No final da década de 1940 houve um grande embate no país em torno da questão do petróleo, ou seja, discutia-se se as multinacionais deveriam entrar no Brasil, ou se o país deveria reservar seu petróleo – à época não era possível saber se haveria grandes reservas de petróleo. Com a campanha “O petróleo é nosso”, feito à época, houve uma pressão popular e o Congresso aprovou a n. 2004, de 1953, e Getúlio Vargas a sancionou, criando, nos anos 1950, a Petrobras, empresa que deveria exercer o monopólio do petróleo em nome da União. A Petrobras foi uma experiência de grande sucesso: o Brasil construiu 16 refinarias, mais de 20 mil quilômetros de gasoduto, descobriu o petróleo e, mais recentemente, as reservas de pré-sal. Com esse petróleo que virá da camada do pré-sal para a Petrobras, o país terá folgadamente condições de abastecimento por 40 anos. Sem o pré-sal, seria possível abastecer o país por mais 17 anos.
Embora a exploração de petróleo pela Petrobras tenha sido um sucesso, as multinacionais, que obviamente entraram no país, porque sabiam da perspectiva de grandes descobertas de reservas, pressionaram o governo Fernando Henrique Cardoso, que acabou com o monopólio estatal do petróleo, e criou a lei 9478/1997, abrindo o mercado para a exploração estrangeira.
Contratos
A exploração de petróleo é feita a partir de três tipos de contratos entre empresas e Estados nacionais. O primeiro modelo é o das concessões, em que as empresas têm o máximo de benefícios, e os países têm poucos benefícios. De acordo com os contratos de concessão, o petróleo é transferido 100% para a empresa, que pode fazer dele o que quiser, desde exportá-lo, não abastecer o país etc. O segundo modelo é um contrato de partilha, em que o petróleo já é, em parte, do Estado nacional e, em parte, da empresa privada, com percentuais combináveis na hora de assinar o contrato. Esse modelo garante mais benefícios para o país à medida que ele fica com o petróleo, com o lucro, e com o poder geopolítico que a exploração acarreta. O Estado nacional, tendo o petróleo, pode fazer acordos com outras nações, de acordo com os interesses nacionais, como a Rússia fez com a Alemanha, garantindo o fornecimento de gás para os alemães em troca do investimento em alta tecnologia. O terceiro contrato é o da estação de serviços. Nesse caso, o Estado é proprietário do petróleo e contrata empresas para fazer a perfuração, a implantação do campo, a produção do petróleo, ou seja, as empresas não tocam no petróleo e nem recebem o lucro que ele acarreta.
Contrato brasileiro
O governo Fernando Henrique Cardoso escolheu o pior dos contratos: o de concessão. A lei n. 9478/1997 estabelece concessões de blocos para explorar e produzir petróleo. Quando foram descobertas as reservas de pré-sal, já no governo Lula, reconheceu-se que esta lei era ruim para a sociedade brasileira, e foi criada então a lei n. 12351, que estabelece os critérios para a exploração da área do pré-sal, a qual tem como base o contrato de partilha, ou seja, traz benefícios para a sociedade brasileira.
Quais as implicações da 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural?
A 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural, que vai conter o leilão de 289 blocos – um número inédito –, é baseada na lei n. 9478/1997. Ou seja, o petróleo ficará para a empresa que ganhar o bloco no leilão, e ela poderá fazer o que quiser. As empresas estrangeiras já declararam que não querem construir refinarias no país, nem exportar derivados. Elas contrariam uma diretriz apontada pelo ex-presidente Lula, que queria que o país exportasse derivados, não matéria prima.
Além do mais, o setor tem de ser visto como um dinamizador da economia do país, e essas empresas estrangeiras não compram nada no Brasil. A lei n. 9478 existe desde 1997; várias empresas estrangeiras já ganharam blocos no Brasil, descobriram e estão produzindo petróleo, e nenhuma delas contratou uma simples plataforma no país; elas compram no exterior. O grande impacto na geração de emprego neste setor é exatamente na encomenda da plataforma. A quantidade de pessoas que ficam na plataforma na fase de produção é irrisória comparada com a geração de empregos nos estaleiros. O impacto no emprego é na fase do estaleiro. E como as empresas não compram no país, não geram aumento de mão de obra, ou seja, não trazem benefícios. Elas têm um bloco no mar, trazem suas plataformas do exterior, o petróleo sai do fundo do mar e já vai para um navio que nem passa pelo território nacional, e as empresas tampouco pagam imposto pela exportação do petróleo por causa da Lei Kandir. Quer dizer, as empresas só pagam o royalties, que é uma parcela mínima, de 10%, comparado com a lucratividade do setor, que deve ser algo em torno de 45%.
A 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural poderia ser realizada com base na mesma legislação que rege a exploração das reservas de pré-sal?
Não pode porque os 289 blocos em leilão estão fora da área do pré-sal, e a nova legislação só inclui blocos na área do pré-sal. A única maneira de resolver essa questão é barrar a 11ª Rodada, uma vez que para abastecer o país não é preciso leiloar esses blocos de petróleo.
Cancelando a 11ª Rodada, o Brasil precisará pensar uma nova lei para o restante do país, análogas às leis que valem para o pré-sal, porque aí pode ter Rodadas de Licitações, mas elas não prejudicarão a sociedade. Na lei do pré-sal existe o fundo social, para o qual deverá ser migrada boa parte do superlucro das empresas. Além de o petróleo em si ficar com o Estado nacional, o superlucro das empresas será enxugado e elas serão obrigadas a repassar a parcela de lucros para o fundo social, que só poderá ser utilizado em investimentos com saúde, educação, ciência e tecnologia, habitação.
Quantas empresas se inscreveram para participar do leilão?
São 71 inscritas. Provavelmente as empresas estrangeiras irão oferecer propostas para os blocos que estão no mar e em águas profundas, ou seja, onde existe mais petróleo e se requer mais investimentos. Existem também empresas inscritas em águas rasas e em terra.
Como o senhor descreve a atuação do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e da Agência Nacional do Petróleo – ANP em relação à exploração do petróleo no país?
A ANP é um órgão de governo estrangeiro implantado dentro da estrutura organizacional brasileira. Ele não age como sendo brasileiro; age com uma ótica de atendimento às necessidades de outros países e atendendo a empresas estrangeiras. Não passa por ele nenhum critério de atendimento às necessidades de nossa sociedade. Por outro lado, a ANP não faria isso sozinha; ela tem o respaldo do governo. Não é ela quem aprova as Rodadas de Licitações; é o CNPE quem recebe a diretriz para aprová-las. O CNPE é um órgão inócuo, é um repassador de posições: o Ministério das Minas e Energias e a Presidência da República ditam o que ele tem de fazer. Trata-se de um órgão para “inglês ver”, ou para “estrangeiros comandarem”. A ANP, por sua vez, é dirigida por pessoas que receberam indicações de empresas estrangeiras.
Quais os limites e possibilidades da exploração de petróleo por petrolíferas brasileiras? O Brasil tem condições técnicas de avançar no desenvolvimento de pesquisa, ciência e tecnologia?
A Petrobras vem crescendo nesses 60 anos de atuação. Ela foi aumentando o nível de profundidade de 400 metros para 600, 800, 1000, 1500, 2 mil e hoje já está próxima de 3 mil metros de lâmina d’água. Não há por que desconfiar do seu desempenho. Obviamente sempre existem dificuldades tecnológicas, porque cada vez que se avança mais em profundidade, em maiores lâminas d’água, as dificuldades tecnológicas aparecem. Atualmente, uma dificuldade tecnológica diz respeito à questão da logística. Os campos de exploração de petróleo estão ficando cada vez mais distantes da costa. A independência de voo de um helicóptero já não alcança os campos mais distantes. Então, há a necessidade de se ter uma logística para o suprimento de materiais e pessoas para esses campos mais longes.
Além da Petrobras, a Odebrecht e a Queirós Galvão trabalham com exploração de petróleo há algum tempo. Elas têm alguma competência, mas não chegam aos pés da Petrobras. Eike Batista também atua no setor, mas ainda não adquiriu muita competência. A Petrobras é a empresa que mais contribuiu para o desenvolvimento tecnológico em escala mundial no que se refere à tecnologia do petróleo.
Qual a expectativa para a 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural? Há um abaixo-assinado para cancelá-la. Isso é possível?
Não. Para uma Rodada dessas ser cancelada, é preciso uma ordem da Agência Nacional de Petróleo, mas seus dirigentes nunca irão providenciar esse cancelamento. Então, esse cancelamento teria de ser feito por uma ordem superior, do Ministério de Minas e Energia, ou da presidente da República. Mas isso não irá acontecer, pois teria um enfrentamento com as forças estrangeiras. Eu soube que o presidente da Shell visitou recentemente a presidente Dilma, ou seja, as pressões são muito fortes.
As pessoas contrárias à 11ª Rodada devem participar da petição eletrônica promovida pela Avaaz, e mostrar sua indignação através de manifestações nas ruas, no Tribunal de Contas da União – TCU, no Ministério Público. Enfim, cada cidadão deve fazer o que está ao seu alcance, mostrando sua indignação com esse roubo.
Essa 11ª Rodada trará um prejuízo para o país da ordem de 1 trilhão de dólares. É mil vezes maior do que aconteceu com a Vale. Não consigo imaginar roubo maior na história do Brasil, e a mídia não diz uma linha sobre o tema.
Foto: Leandro Uchoas
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