Ícone da esquerda na ditadura, Afonsinho diz ver gestão Marin comprometida
Em um certo dia de 1971, no auge da tensão repressora do regime militar no Brasil, o meia Afonsinho teve a combinação de barba e cabelos compridos considerada como "subversiva" por seu clube. O jogador do Botafogo então se recusou a adaptar o visual e foi impedido de atuar pela diretoria. Assim, resolveu ir à Justiça para se tornar o primeiro atleta do país a conquistar o passe livre, instantaneamente virando um emblema de liberdade, um ícone para a resistência da esquerda. Hoje, mais de 40 anos depois, o médico aposentado diz ainda ver resquícios da ditadura no futebol nacional e afirma que a gestão de José Maria Marin à frente da CBF está comprometida.
O atual chefe do futebol brasileiro, que acumula a presidência do Comitê Organizador da Copa, tem um passado de relações estreitas com a ditadura. Como deputado nos anos 70, Marin elogiou delegado torturador em discursos oficiais. Também carrega participação hoje incômoda no enredo da morte do Vladimir Herzog, assassinado pelo regime, em um dos casos mais célebres dos anos de chumbo.
Em entrevista ao UOL Esporte, Afonsinho usa palavras cautelosas, mas diz entender que uma mudança na posição número 1 do futebol brasileiro é necessária.
"O Marin já era o vice do [Ricardo] Teixeira, que estava envolvido em implicações. Não dá para tirar agora, só se acontecer alguma outra coisa. A Copa já está aí, no ano que vem (...) Preciso ter muito cuidado para não ser leviano, mas as informações implicam demais ele (Marin). O negócio é mudar", declarou o antigo jogador.
Para o percursor do passe livre no futebol brasileiro, os resquícios da ditadura no futebol brasileiro vão além da presença no poder do antigo político do partido de sustentação do governo militar (Arena). Afonsinho há algum tempo sustenta que o jejum de Copas da seleção entre 1970 e 1994 teria tido influência dos anos sob governo militar.
"Impressionante como ninguém faz essa associação [entre a ditadura e o jejum de Copas de 1970-94]. Costumava-se creditar o título de 70 ao regime, mas não vejo assim. O trabalho daquela geração de 58, com Pelé, Garrincha, Didi, rendeu até 70. Foi o ultimo fruto desse trabalho vencedor do futebol brasileiro. Depois levou 24 anos de jejum, com uma ideia equivocada, um descaminho", opina.
"Não tenho a menor dúvida. A intervenção da ditadura... o futebol paga por ela até hoje. Tem essa discussão do Marin, a maneira como as coisas demoram a desenroscar. Existe muito resquício. A relação é muito direta, pode ver. A intervenção militar [no esporte] foi muito clara. Nas empresas eram através de supervisores. No futebol era com militares dirigentes, militares treinadores, membros da comissão técnica. O regime se misturava com todos os setores da sociedade", acrescenta.
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