sexta-feira, 26 de abril de 2013

DOIS CHECHENOS


Todo o império contra dois chechenos

POR PEDRO PORFÍRIO

Como dois jovens imigrantes foram usados para dar uma mãozinha à insaciável indústria bélica dos EUA

 Eles tiraram o sono de 314 milhões de norte-americanos
Imigrantes e muçulmanos, os irmãos Tzanaiev  assombraram os EUA
 Uma população com os nervos à flor da pele. Insegura, como se sujeita a "vingadores" secretos, escondidos em sua própria vizinhança. Ou então um povo manipulado cientificamente pelos meios de comunicação a serviço do complexo industrial-militar.

Essas são algumas ilações que podemos tirar desse episódio espetacularizado que teve Boston como cenário principal e serviu a muitos interesses. Mais do que os percebidos na superfície das informações e que não se resumem exclusivamente a uma pressão contra a proposta de flexibilização das leis de imigração.

200 milhões de armas e o massacre de Newtown

Há uma indústria armamentista que tem no povo dos Estados Unidos o seu centenário e sempre crescente mercado de varejo. São 200 milhões de pistolas e fuzis em poder de 107 milhões (34% da população) de assustados cidadãos norte-americanos, segundo estimativas oficiais. Mais de 300 indústrias produzem esse arsenal nesse país que cultiva a supremacia e a condição de "xerife" do mundo.

Uma semana antes das duas bombas de Boston, o presidente Barack Obama, em discurso na Universidade de Hartford, Connecticut, reiterou sua disposição de levar adiante a promessa de patrocinar uma lei federal sobre controle da venda e porte de armas, lembrando Newtown, cidade daquele Estado onde 20 crianças e 6 adultos, inclusive a própria mãe, foram executados por Adam Lanza, um americano da gema de 20 anos, no dia 14 de dezembro passado.

O impacto desse massacre levou Obama a se posicionar, em lágrimas, contra o poderoso lobby da indústria bélica dos EUA, em meio a uma grande consternação.

Os acontecimentos de Boston não podem ser separados de toda essa sequência. Só em 2012, outros dois morticínios com as mesmas características foram registrados nos EUA, o país cujo orçamento militar de U$ 607 bilhões é maior do que os dos outros 9 do topo somados.  Em abril, um atirador matou 7 jovens e feriu 3 na Universidade Cristã de Oakland, e em julho, um homem mascarado matou 12 pessoas na pré-estréia do filme "Batman - O cavaleiro das trevas ressurge”, no Colorado.

Indústria bélica poderosa vive do medo

E não podem por que a maior tragédia que pode acontecer à sua economia viciada é reduzir gastos bélicos. Foi o que disseram Robert Gates, ex-secretário de Defesa até 2011, e o almirante Michel Mullen, ex-chefe do Estado Maior conjunto, quando o Congresso norte-americano debatia em setembro passado uma redução de U$ 55 bilhões no orçamento dessa área para o ano fiscal de 2013, num corte total de U$ 500 bilhões como primeira providência para enfrentar o insustentável déficit orçamentário.

Tanto Gates como Mullen falaram em nome dos interesses do poderoso complexo industrial-militar, que, junto com o sistema financeiro, integra o vértice do poder no país e não admite perder sequer uma pequena fração da sua receita. Ambos ressaltaram que os cortes seriam “devastadores e deixariam uma força (militar) oca”, incapaz de responder às ameaças à segurança nacional.

A voracidade orçamentária do complexo de segurança estadunidense é de tal monta que o corte pretendido para 2013 apenas faria o orçamento militar recuar aos níveis de 2007. Ademais, tais números se referem somente ao orçamento direto do Departamento de Defesa, que representa uma fração do montante de recursos destinados ao complexo como um todo.

De fato, como comentou Dave Lindorff, um premiado jornalista investigativo, na prática, a os custos de guerra representam 50% de todo o orçamento norte-americano. "No ano fiscal de 2012, além de um total de UJ$ 673 bilhões de dólares para o Pentágono, somam-se mais outros U$ 166 bilhões para atividades militares de outros departamentos governamentais, como o programa de armas nucleares, grande parte do qual é manejado pelo Departamento de Energia, ou o Programa de Veteranos, que paga a assistência e os benefícios do pessoal militar da reserva. Há também cerca de U$ 440 bilhões em juros pagos sobre as dívidas de guerras e gastos militares anteriores. Tudo junto chega a 1,3 trilhão de dólares, que representam quase 50% do orçamento geral dos EUA".

Uma "ameaça" espetacularizada sob medida

No caso desse escândalo internacionalizado pelas duas bombas de Boston, pode-se chegar a uma variedade de conclusões. Não é paranóia nem idéia fixa de um adepto da "teoria da conspiração" imaginar uma grande farsa para reacender nos nervosos norte-americanos o apego pelas armas e pela indústria bélica.

No entanto, os acusadores dos dois jovens chechenos vão ter que suar a camisa para encontrar um motivo para que eles se metessem nessa roubada. O mais velho já foi silenciado pelas balas dos seus caçadores. O outro, de 19 anos, pode sobreviver ou não.  

Mas o que os tornaria perigosos terroristas, alvos da mais gigantesca caçada humana já realizada nos últimos tempos naquele país, com direito a uma grandiosa cobertura cinematográfica via satélite para todo o mundo? Pinçá-los como suspeitos está dentro do manual de segurança do FBI, CIA e assemelhados.

São muçulmanos e os muçulmanos são pintados hoje como eram até bem pouco os comunistas chineses e russos, no imaginário dos 314 milhões de norte-americanos: segundo a lenda, são aqueles cujo orgasmo mais pleno decorre do comprometimento com uma  "guerra santa sanguinária".

Seriam tão monstruosos que prenderam em casa  por dois dias os 5 milhões e 800 mil  habitantes da região metropolitana de Boston, a cidade onde nasceram o dólar e o primeiro sistema de metrô dos EUA. Contra os irmãos Tsarnaev exibiram a tecnologia de última geração da indústria bélica e milhares de homens armados até os dentes, permitindo-se aos cidadãos conhecerem os avanços nessa área e entenderem  por que o ex-chefe do Pentágono não queria o corte de um único centavo dos gastos bélicos do país.

Graças a esse evento protagonizado por dois chechenos, que deu ibope no mundo inteiro, onde a grande mídia está em mãos de robôs repetidores sem qualquer critério crítico, vai ser mais difícil pensar lá em limitar as armas nas mãos dos civis e em mexer nos interesses insaciáveis do intocável complexo de "segurança nacional". De quebra, ainda será possível evitar o reconhecimento de cidadania aos milhões de imigrantes que são mais interessantes como escravos modernos, "clandestinos" baratos aptos a prestarem todo tipo de serviço por uma meia pataca.

Como aqueles dois, podem existir outros quatro ou cinco, suficientes para ameaçar a segurança nacional e a integridade física de cada cidadão dos Estados Unidos da América.

É o que reza a lenda de bem escorado suporte midiático. 

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