Dois pesos e duas medidas. Assim é, e ainda será por muito tempo, a assimetria das consequências públicas a serem enfrentadas, de um lado, por aqueles cujo estatuto na vida os situa em condições privilegiadas e, de outro, por aqueles que habitam os andares de baixo da pirâmide social. O caso do enriquecimento brusco e vertiginoso do ministro da Casa Civil de Dilma Roussef, Antônio Palocci, é um caso típico de que, perante a hipocrisia social e política, os poderosos não apenas são poupados de explicar suas trajetórias suspeitas como ainda podem arriscar uns passos numa coreografia retórica permeada de arrogância do tipo ‘enriqueci em quatro anos porque fui ministro da Fazenda e ex-ministro vale muito no mercado’. E quem há de duvidar? Já caseiros e ex-caseiros não valem nada e a história do piauiense Francenildo Costa, todinha encontrável em qualquer busca no Google, está inscrita na crônica dos escândalos políticos brasileiros para sustentar essa tese.
GAROTAS – Durante os quatro últimos anos, quando exercia o mandato de deputado federal pelo PT de São Paulo, o ex-ministro da Fazenda do Governo Lula, saído praticamente pelos fundos da pasta em 2006, após o então caseiro de uma mansão de Brasília (Francenildo) afirmar que por mais de dez vezes o vira freqüentar a casa junto com lobistas, políticos, empresários e garotas de programa, em torno de malas de dinheiro, negociações político-econômicas e uísque a go go, ganhou uma dinheirama e tanto. O assunto chegou, primeiro, na manchete da Folha de S. Paulo de domingo passado e, ao longo da semana, espalhou-se por todos os telejornais. As evidências dão conta da multiplicação do patrimônio do ministro Palocci, em apenas quatro anos, em 20 vezes, em relação ao que declarara ao candidatar-se a deputado. Praticamente em cash, já que efetuou o pagamento em apenas duas vezes, Palocci adquiriu durante o mandato um apartamento de R$ 6,6 milhões e um escritório por cerca de R$ 850 mil.
Ao ser questionado, pela imprensa e pela oposição, sobre como conseguiu enriquecer tão rápido em tão pouco tempo, Palocci estrilou, os companheiros também e até a sisuda e tida como rígida presidente Dilma fez um primeiro ensaio de troça com a opinião pública: ‘eu e o ministro estamos saudáveis’. Ela, após um acometimento de pneumonia e ele, após ter seu fermentado patrimônio recente divulgado. Diante da justificativa de Palocci, de que adquirira os recursos fazendo consultoria (enquanto exercia o mandato de deputado federal encerrado no ano passado) a empresas privadas e que ex-ministro da Fazenda vale muito no mercado, no governo e nos bastidores do PT todos foram unânimes em bater o pé afirmando que, mais do que isso, o ministro não tem obrigação nenhuma de explicar. Para quais empresas prestou consultoria, em que campo e por quais honorários, essas são, segundo o governo, informações que não interessam a ninguém.
CACHÊ - Ok. Não se trata aqui de propor sessões de tortura para obrigar o ministro a confessar quem o remunerou tão bem durante o seu mandato e por quais serviços, mas tão somente de reiterar o quanto pimenta em qualquer parte do corpo dos outros é elixir aliviante. Basta comparar a importância dada pelo Governo e por altos ocupantes de cargos do primeiro escalão do Governo Lula quando o caseiro Francenildo confirmou o envolvimento do então ministro Palocci com lobistas em Brasília. Não só acharam que o dinheiro que cada um tem no banco merece ser considerado duvidosíssimo, quando não há razões claras para associá-lo a salário por trabalho reconhecido, como sequer se deram ao trabalho de perguntar a Francenildo se ele tinha algum dinheiro e como o havia conseguido. Bastou ele incomodar o todo poderoso ministro para que uma tropa de choque a serviço deste literalmente arrombasse a vida do coitado, incluindo violação de sua conta no banco, onde encontraram uns 30 contos que vinham sendo depositados entre janeiro de março de 2006 por um pai do Piauí que nunca o havia reconhecido e, naquele ano, resolvera lhe dar um cala boca financeiro.
Sim, a violação da conta do caseiro levou Palocci a sair do Governo, mas quem há de negar que quem mais perdeu com essa história foi Francenildo? Teve que se esconder durante meses em um programa de proteção à testemunha, afastar-se da mulher e do filho. Ninguém foi punido, Palocci voltou ao governo por cima da carne seca, não só na condição de parlamentar super bem votado como também, agora se sabe, como consultor ultra bem remunerado. O dinheiro achado na conta de Francenildo, via violação de sigilo bancário, uns trocados, foi logo sendo considerado pelos amigos do ministro como sinal de que deveria estar recebendo cachê da oposição para dizer o que viu.
SEXO ORAL - Entraram na conta bancária e na vida privada do pai de Francenildo, um velhote meio classe média do Piauí que havia dado uma pulada de cerca há uns 20 anos passados e tentava se redimir em segredo. Agora , diante dos milhões de Palocci, soa ofensivo aos sensíveis amigos do ministro perguntar quem o consultou a peso de ouro. Como não se explica nada, já correm soltas as versões de que o fio do novelo que deu no apartamento carérrimo nos Jardins, em São Paulo , pode começar, ou terminar, lá nas bandas de Angola, na África.
Comparando-se os modos de tratamento político dado por parte do partido do governo aos dinheiros de Palocci e aos de Francenildo, é fácil supor que, se fosse no Brasil que um chefão do mundo do poder, como o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, forçasse uma camareira de hotel a uma sessão apressadona de sexo oral e ela se atrevesse a denunciá-lo, perigava ela, e jamais ele, ir para a cadeia. E por falar nisso, abordar suruba no apartamento do personagem de Lázaro Ramos, no novelão da oito, pode, mas referir-se à sessão de sexo oral do senhor Dominique nos telejornais não pode. Por quê?
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 22 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA.
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