Era uma vez, numa pequena e linda cidade de longínquo reinado ibérico, um jovem compositor de grande talento. Cândido era seu nome e cândido ele era. Passava por brancas noites compondo uma missa solene em homenagem à Catedral de Santa Ifigênia, à sombra da qual nascera. A última nota enfim escrita, procurou uma orquestra filarmônica digna de executá-la. Mas os anos a passar e ele em vão a procurar. Nenhum regente se interessava...
O que ele ignorava, é que, nas noites de lua cheia, a humilde e sorridente faxineira da sacristia se transformava em maquiavélica bruxa. Num sábado de agosto, subindo na sua vassoura de piaçava, ela entrou pela janela do quarto de Cândido e surrupiou a partitura do compositor. Pouco tempo depois, o diretor de famosa e poderosa sinfônica tudesca - por ela convencido ser a autora da missa, aceitou executá-la. Desesperado, Cândido, cavalgando sua velha jumenta, voou de porta em porta, a protestar do roubo. Ninguém deu ouvido aos seus lamentos.
Lembrou-se então do professor de teologia, ex-monge agora pai de numerosa prole, que lhe dera preciosos conselhos durante a criação da obra. Por vários dias, em vão o músico bateu à porta da casa do espiritual doutor para convencê-lo de que seu testemunho junto ao arcebispo seria determinante. O homem, com medo de se envolver, se fez de surdo, nunca abriu a porta, mandando dizer que estava fora da cidade, junto à mãe moribunda. Entre Salomão e Pilatos escolhera o amigo de Herodes.
Cândido perdeu a autoria da missa, já celebrada como obra-prima, e foi até ameaçado de excomunhão pelo arcebispo. A bruxa, agora considerada quase como um novo Mozart, se aposentou da faxina do templo para casar com o soturno e ambicioso sineiro da catedral. Foram morar, longe do povoado para sempre adormecido, numa torre com morcegos e corujas.
O teólogo, tomando cada dia banho de água benta, viveu por muitos e muitos anos. Mas – dizem - quando chegava a noite, dificilmente adormecia. Torturado pelo remorso, começou a duvidar. Até deixar de acreditar em Deus...
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