domingo, 27 de março de 2011

O ego e a ganância de Maria Bethânia no país dos amigos

Não se falou em outra coisa na semana passada: a aprovação por parte
do Ministério da Cultura de um pedido de captação de recursos feito
por Maria Bethânia para fazer 365 vídeos declamando poesias em um site
a ser criado especificamente para isto. Nada disto seria motivo de
alarde se não fosse a exorbitante cifra liberada: inacreditáveis R$
1,3 milhão!!!

Primeiro, é preciso que você entenda que esta dinheirama toda não será
doada pelo governo, e sim que a cantora recebeu autorização para ir
atrás de empresas interessadas em financiar este projeto e deduzir a
grana aplicada de seu próprio Imposto de Renda.

Sim, eu sei o que você está pensando… Eu pensei a mesma coisa,
principalmente por saber que é possível hoje em dia, usando
profissionais competentes e equipamentos relativamente baratos, fazer
um videoclipe bacana R$ 6 mil e até mesmo gravar um disco inteiro com
R$ 15 mil, mas sei que, embora com falhas e distorções gritantes, a
Lei Rouanet ainda é nos dias de hoje a principal ferramenta para
incentivar a cultura nacional, que possibilitou a viabilização de
projetos bacanas que talvez jamais saíssem do papel. Mas a maior falha
nesta história toda da Bethânia é a falta de bom senso.

É claro que não vou questionar aqui a relevância de um projeto deste
tipo junto ao público, pois seria leviano de minha parte tentar
adivinhar a receptividade que ele teria. Tenho certeza de que Bethânia
é muito exigente e não iria fazer um troço qualquer “nas coxas”, o que
explica a inclusão de um diretor de cinema talentoso na parada, que é
o Andrucha Waddington, mas a questão é outra. O projeto de Bethânia em
si é um absurdo por si só. Criar um blog só para abrigar 365 vídeos é
um acinte total. Pergunte a quem tem um blog caprichado e veja se ele
gastou 1% do valor aprovado.

Você que me acompanha nos vídeos do “Na Galeria do Regis” e “Na Mira
do Regis” aqui no Yahoo! tem que saber que dá trabalho colocar estes
materiais audiovisuais no ar para que você possa assisti-los
confortavelmente no computador. Por isto e por experiência própria,
sei que estes absurdos 365 vídeos serão gravados em uma etapa só, algo
que deve demorar no máximo um mês de trabalho, já que não haverá
nenhuma superprodução envolvida.

Pode apostar que cada vídeo não terá mais que dois minutos de duração,
gravado em estúdio, com iluminação correta e tendo unicamente Bethânia
como personagem. Incluindo nisto tudo o tempo de edição e a
remuneração das poucas pessoas envolvidas – caso contrário, aí sim
seria uma picaretagem explícita -, saber que tudo isto custaria R$ 1,
3 milhão é algo tão fantasioso que nem em um desenho do Shrek tal
coisa aconteceria.

Vamos falar a verdade: tal projeto, feito por uma equipe profissional
– em todos os sentidos – não gastaria sequer ¼ deste valor.

É preciso esclarecer que do montante pedido pela Bethânia, 10% – ou
seja, R$ 130 mil – vai ficar com a empresa responsável pela captação
destes recursos. A coisa já começa a feder aí, pois este montante de
nada tem de incentivo cultural, já que vai direto para o caixa da empresa – se é que não existem “laranjas” nesta história…

Para piorar ainda mais a história, ao ler o texto do projeto a gente
descobre que desta dinheirama toda, R$ 600 mil é o cachê a ser pago
para a “diretora artística”, responsável pelas atividades de “direção
artística, pesquisa e seleção de textos e atuação em vídeos”. Adivinhe
quem é esta pessoa? A própria Maria Bethânia!!! Quer absurdo maior que
este?

Dando uma pesquisada, vi que a grana que a Bethânia pediu
originalmente era bem maior do que aquela aprovada pelo MinC . Ela
simplesmente havia pedido R$ 1,8 milhão!!! E não é a primeira vez que
Bethânia se mete neste tipo de confusão. Fiquei sabendo na semana
passada que, três anos atrás, ela fez um pedido de captação dos mesmos
R$ 1,8 milhão para fazer uma turnê. Mesmo rejeitado pela área técnica
do Ministério, o então titular da pasta, o Sr. Juca Ferreira,
simplesmente ignorou o parecer e autorizou a captação de R$ 1,5
milhão. Na época, estranhamente, ninguém falou nada na imprensa…

Ruy Trindade



Outra coisa interessante: você sabia que a empresa do diretor Andrucha
Waddington é a Conspiração Filmes, em que um dos sócios, Lula Buarque,
é justamente o sobrinho da atual ministra da Cultura, Ana de Hollanda.
Coincidência, né? Sei…

Reconheço que ela foi uma das primeiras cantoras a trazer a leitura de
textos e poesias para dentro dos shows, e isto em plenos anos 60.
Também sei que quase todas as grandes empresas se beneficiam de
renúncia fiscal e que são auxiliadas pelo governo em seus “momentos
difíceis”. Da mesma forma, sei das dificuldades de quem tem uma
empresa, por menor que seja, para sobreviver em um País em que o
governo “joga contra” o tempo todo com a cobrança de inúmeros impostos
inúteis, que servem apenas para financiar campanhas políticas.

Desconhecer que a tal “renúncia fiscal” é sim dinheiro público já é um
absurdo para quem acompanha a vida cultural deste País. Afinal de
contas, parte da grana dos impostos das empresas não vai para o Estado
e sim para projetos culturais, o que faz com que isto acabe virando
“verba publicitária”, pois a marca da empresa estará muito visível no
projeto.

Tenho lido argumentos em defesa de Bethânia que parecem ter sido
elaborados pelo pessoal do fã-clube da cantora, tamanho é o grau de
vassalagem baba-ovo. Até quando teremos este espírito de
corporativismo e coleguismo “chapa branca” na música brasileira é
ainda um dos mistérios que eu adoraria desvendar. Por outro lado,
tenho lido bobagens de gente esclarecida, dizendo que estas verbas
tinham que ser destinadas a artistas desconhecidos e independentes,
tentando “trazer a brasa para a sua própria sardinha”. Tudo bobagem.
Muito melhor seria se toda esta grana de “renúncia fiscal” fosse
utilizada para melhorar o saneamento básico, a saúde e o atendimento
médico das pessoas no Brasil.

Agora, pode apostar que existem centenas de projetos relevantes de
gente não tão conhecida mofando no fundo das gavetas do Minc,
iniciativas que visam levar música, poesia e artes em geral para
comunidades carentes, este tipo de coisa.

E não é só a Bethânia que pode ser incluída neste rol de críticas. O
sr. Arnaldo Jabor, que se arvora de ser uma espécie de “defensor da moralidade ética deste País”, deixou o seu papel momentaneamente de
lado quando pediu – e conseguiu – R$ 12 milhões para fazer aquela
bomba pretensiosa de filme que ele batizou como “A Suprema
Felicidade”. Fernando Deluqui, guitarrista do redivivo RPM, pediu mais
de R$ 207 mil para fazer um disco e um DVD, Erasmo Carlos e Nando Reis
requisitaram mais de R$1 milhão cada um para fazer suas respectivas
turnês, Maria Rita pediu mais de R$ 2 milhões para fazer o mesmo,
Gilberto Gil captou 800 mil para fazer sua turnê logo depois de deixou
de ser ministro da própria pasta da Cultura, Gal Costa conseguiu a
aprovação para captar R$ 2,2 milhões para seu projeto Tom de Gal, com
interpretações para canções de Tom Jobim em oito shows que depois
serão editados para o lançamento de um DVD… Até picaretagens musicais
como o Tchakabum requisitou, acredite, mais R$ 1,5 milhão para um tal
“Projeto Tchakabum é Pura Energia”!!! Pô, onde é que isto vai parar?

E a coisa já começou a reverter para os lados da Bethânia. Fiquei
sabendo que uma apresentação que ela faria em Vitória (ES) em outubro,
dentro de um festival de teatro, foi cancelada porque o banco
Banestes, que estava bancando o evento – ou seja, quem iria pagar o
vultoso cachê da cantora – alegou que havia feito uma “readequação do
planejamento dos investimentos culturais”, isto logo depois que este
escândalo estourou. O engraçado é que só o espetáculo dela foi
cancelado; as apresentações dos outros artistas – Marisa Orth, Marco
Nanini e Betty Faria, entre outros – foram mantidas. Coincidência, né?
Sei… O curioso é que o espetáculo que ela apresentaria, “Bethânia e as
Palavras”, é justamente aquele que originou o projeto do blog “O Mundo
Precisa de Poesia”, que acaba de ser aprovado pelo MinC.

Defender a atitude de Bethânia com o argumento de que ela é famosa e o
escambau é de uma infantilidade atroz, como se isto fosse suficiente
para justificar qualquer barbaridade que ela venha a propor ou
cometer. O que Bethânia fez é ilegal? Pela atual lei brasileira, não,
mas que isto esbarra firmemente em questionamentos a respeito de bom
senso e ética, não tenho a menor dúvida.

Certa vez, Bethânia chegou a afirmar que os custos de seus espetáculos
“são de ópera!”. Na verdade, tenho a impressão que tal projeto é muito
mais exemplo de uma egolatria astronômica do que qualquer outra coisa.


--
Beau Geste

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