segunda-feira, 28 de março de 2011

Felizes com a presidente

Não devemos, entretanto, subestimar os problemas que ela enfrenta nem nos enganar com os elogios
Estamos todos felizes com a nossa presidente. Ela formou um bom ministério, estabeleceu uma maioria sólida no Congresso, e está agindo com equilíbrio e firmeza diante dos problemas econômicos e de política interna e internacional.
Não devemos, entretanto, subestimar os problemas que ela enfrenta, ou que o Brasil enfrenta. Não devemos, principalmente, nos deixar enganar com os elogios dos governantes, investidores e economistas dos outros países sobre o Brasil.
O presidente Lula saiu vitorioso de seus oito anos de governo porque se revelou um governante competente, mas é preciso não esquecer que sua política de distribuição da renda e de aumento do poder de compra dos pobres foi possível sem causar inflação porque a taxa de câmbio, que estava em R$ 3,95 por dólar quando assumiu, baixou sistematicamente durante seu governo.
E esta apreciação do real não causou problemas no lado externo da economia -pelo contrário, o país zerou sua dívida externa líquida- porque os preços das commodities exportadas pelo país explodiram, permitindo que as exportações quase triplicassem sem aumento significativo de quantum exportado.
A apreciação do câmbio e o aumento dos preços das commodities abriram um grande espaço de política econômica para o governo anterior. Não há, entretanto, nenhuma indicação de que o atual governo contará com espaço semelhante.
A inflação acelerou-se em 2010, e o governo não pode mais contar com a apreciação adicional da taxa de câmbio para fazê-la baixar. Sabe que precisa depreciá-la e por isso tratou de combater o aumento da inflação com ajuste fiscal, redução do crédito e aumento dos juros.
Mas nada fez ainda em relação à sobreapreciação da taxa de câmbio, cujo nível é incompatível com o desenvolvimento econômico do país. É incompatível porque não se pode mais contar com aumento adicional dos preços das commodities.
Eles aumentaram devido à demanda adicional da China, mas não me surpreenderei se começarem a baixar devido ao aumento dos investimentos realizados para atender a demanda. É incompatível porque o dano que a atual taxa de câmbio está causando à economia brasileira é muito grande. O país está se desindustrializando e caminhando para trás no plano tecnológico.
Meu amigo e notável economista Gabriel Palma costuma dizer que, para a teoria econômica convencional, não faz diferença produzir "potato chips" ou "computer chips". Se isto fosse verdade, não haveria por que nos preocuparmos.
Mas qualquer prefeito do interior sabe que precisa atrair indústrias que elevem o valor adicionado per capita de sua cidade. E que não há nada mais importante para o desenvolvimento que o progresso técnico.
Vejam, então, o que está acontecendo. Conforme o competente pesquisador do Ipea, Marcelo Nonnemberg, verificou, enquanto o grau de intensidade tecnológica das exportações da China e demais países asiáticos dinâmicos está crescendo, o índice do Brasil está em queda.
De 2000 para 2008, enquanto o índice da China aumentou de 11,4 para 14,8, o do Brasil caiu de 9,1 para 7,1. Estamos nos transformando em produtores de "potato chips", enquanto os asiáticos desenvolvem uma indústria cada vez mais sofisticada. Algo de corajoso terá que ser feito nesta área para que continuemos felizes com nossa presidente.

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S.Paulo, 27.03.11

Published in French (La Découverte),
Portuguese (Campus)
and English (Cambridge University Press)
www.bresserpereira.org.br

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