sexta-feira, 11 de março de 2011

Mulher Maravilha vai ganhar por W.O.

Acabo de roubar, sem o menor escrúpulo, a excelente analise, bem humorada e cáustica, do escritor e poeta James Martins. Um nome que está se impondo cada vez mais no panorama da cultura baiana.
Curta este momento!
Dimitri




Qual a música do carnaval este ano? Pergunto isso a todo mundo por onde passo e, talvez por ser sempre a mesma pergunta, ouço sempre a mesma resposta: -“Acho que vai ganhar Mulher Maravilha!”. Reparem que a resposta se refere, diretamente, a algum concurso, provavelmente o Dodô e Osmar, o mais cobiçado, promovido pelo grupo A Tarde, espécie de Grammy do carnaval baiano. Pois bem, segundo a resposta das ruas, este ano vai dar ‘Liga da Justiça’, música de Jota Telles e Márcio Victor gravada pela banda LevaNóiz (os alternativos de Salvador não devem confundir com LevaNoise, que não tem nada a ver). Ora, todo mundo sabe que música é: aquela do “Foge, foge Mulher Maravilha / Foge, foge com Superman”. Mas jornalismo (e mesmo colunismo) pede sempre essas explicações obsessivas. Continuando: eu também acho que vai dar Mulher Maravilha, ninguém lhe rouba o laço. Contra o óbvio não há argumento. Mas é justamente neste ponto que surge uma evidência estranha e incômoda: a Mulher Maravilha vai ganhar por W.O.!!! Cheguei a esta conclusão quando tentei lembrar das possíveis concorrentes e não consegui. De fato, não sei qual foi a música do Chiclete com Banana para este carnaval. E nem as de Daniela, Ivete, Asa de Águia, Eva ou Cláudia Leitte. E esta minha sensação de vazio não parece ser exclusiva. Você sabe quais são, meu amigo e minha amiga? Para não mentir, sei que o Psirico veio com aquela chata da chupeta e Tomate com a semi-censurada ‘Eu Te Amo Porra’. Eis o que eu quero dizer: por pior que seja (e é) a música do LevaNóiz simplesmente não tem concorrência.

O carnaval tornou-se um negócio tão rentável, um lance tão comercial, que alguém precisa bater nas costas dos artistas e lembrar a eles que, antes de uma roupa bonita, um plano de marketing, um truque no photoshop, é preciso ter uma música. A música é, afinal e ainda, a alma do negócio. Não quero dizer com isso que o carnaval de Salvador deva voltar ao passado, primar pelo amadorismo, substituir trios elétricos por charangas, Axé Music por marchinhas cariocas ou outras bobagens que ouço dos sub-intelectuais da cidade, mas há um dado que deve ser levado em conta, sob o risco de obsolescência do próprio carnaval: entre continuar com o trio Expresso 2222 e o camarote Expresso 2222, a mulher de Gilberto Gil preferiu o camarote. É uma vergonha. O trio é essencial para o carnaval, o camarote não passa de frescura. É o tipo de atitude sintomática de que a coisa está perdendo a consciência de sua própria razão de ser. O trio-elétrico passando na frente dos bois. Como diria Robsão: Bois, bois, bois, bois. Foi assim a crise financeira mundial, fruto do inchaço do ‘capital especulativo’, é assim a crise criativa do nosso carnaval, que foi chato demais este ano, na moral. Quem puder, me responda: porque as músicas que Moraes Moreira fez para o carnaval do ano passado, em homenagem aos 60 anos do trio, não foram sequer mencionadas para ‘música do carnaval’? E porque a música que ele fez este ano, ‘Bahia Você é Minha Porra’, também não foi? A culpa não é do pessoal do Dodô e Osmar, mas de Bell Marques, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Márcio Victor, Durval Lelys, etc. Porque eles não ‘tiraram’ as músicas para tocar em seus blocos? Eis uma pergunta de difícil resposta. Será que acharam as composições ruins? Será que não tomaram conhecimento das mesmas? O que será que será? Enfim, “aquela música se não canta não é popular” e não pode concorrer ao Troféu Dodô e Osmar. Assim que acompanhamos o paradoxo de vermos o retorno do 1° cantor de trio elétrico do mundo, pai de todos os outros, retornar à festa, com canções lindas feitas especialmente para a ocasião e o fato passar despercebido mesmo pelos artistas do meio, supostas antenas da raça. Eis outro sintoma relevante para avaliarmos a criptonita.

A panorâmica (de cima do camarote) mostra a Liga da Justiça toda dominada. E qual será a saída? Diria Gregório de Matos: Bahia de dois F: um furtar outro fugir com o SuperOutro. Ou repensar o modelo. De quebra, a LevaNóiz deve ser a banda revelação deste ano, mas aí eu volto a perguntar (notem que quase não tenho respostas) e onde andou O Báck (revelação do ano passado com a polêmica Lobo Mau) neste carnaval? O Lobo comeu? A verdade é que eu gosto tanto de carnaval e vejo tanta coisa estranha acontecendo que nem sei como dizer tudo o que eu quero. Fico ainda mais atordoado por não conseguir aderir à solução simples, defendida pelos bocós, de retorno ao passado, como se trocar os aviões por caravelas fosse possível ou desejável. Thomas Mann: "Uma época medrosa de si mesma procura restaurar fundamentos. Em vão: não há volta". Pelo contrário, acho que o carnaval de Salvador é o que é justamente pela força da Axé Music e que não devemos ter vergonha disso, pelo contrário. Mas do jeito que a coisa vai, até Bell acaba ficando careca. Mesmo assim, saí quase todos os dias, talvez por hábito. Apenas na terça-feira desisti de ir ver o encontro de Saulo e Moraes na Praça Castro Alves, do que ainda guardo um sutil arrependimento. Mas já estavamos muito cansados e preferimos, Alessandra e eu, abortar a missão no meio do caminho e comer uma pizza na Casa da Roça.

Já disse que achei este carnaval muito chato. Repito: um porre. Mas vou fazer um balanço rápido. Na quinta-feira fui surpreendido pelo encontro dos percussionistas no Largo do Pelourinho. Jonga Cunha tinha me falado que aconteceria, mas eu já não lembrava quando dei de cara com aquilo e gostei muito. Bira Reis, Peu Meurray, Waltinho do Chiclete, Gabi Guedes, Luizinho do Jeje, Ivan Huol, Orlando Costa, Tony Mola, Anderson Souza (filho de Neguinho do Samba) Emerson Taquari e outros, tocando juntos, balançando o universo percussivo afro-baiano. Engraçado é que não vi o próprio Jonga, escalado na programação. Será que ele também esqueceu? O Psirico, na sexta-feira, na Barra, não me convenceu a segui-lo por muito tempo. Na saída do Ilê, a Band’Aiyê, regida pelo meu querido Mário Pam, errou muito, de tirar a paciência. Mas a Deusa do Ébano é linda e dança como uma deusa. Nação Zumbi no Pelourinho foi bom, mas quem manda nos trios elétricos de uns anos pra cá, aristocracia do pagode no carnaval, é o Harmonia: precisão + limpeza + swing. Este ano não vi Armandinho, Dodô & Osmar pela primeira vez. Segunda fui à Mudança do Garcia e achei sem graça, mero vestígio ultra-politizado e intelectualóide do que já fora. Mas foi a Mudança quem me proporcionou a maior prazeria carnavalesca de 2011: o tsunami das Muquiranas! Que maravilha! Estava a Mudança (ou ‘o’ Mudança, concordando com bloco) passando naquele seu ritmo pirracento que mete medo em quem sai depois, sem pressa. Mas aí, furando a fila e passando na frente de Cláudia Leitte, o Psirico comandou As Muquiranas na invasão mais bonita e digna da festa de Momo. As gueixas, com suas pistolinhas de água, passaram levando tudo, arrastando todo mundo... De repente, os ‘mudantes do Garcia’ se viram cercados de gueixas por todos os lados, inclusive o de cima, inclusive o de dentro. Os travestidos subiram no mini-trio da Mudança, nos postes da rua, nos camarotes dos outros, pularam, dançaram, esculhambaram, enfim, fizeram o Carnaval! Evoé Baco! Tinha folião pipoca pedindo para subirem as cordas, para tentar segurar os Muquiranas lá dentro do bloco. Minha escolha é: Muquiranas, o melhor bloco do carnaval. A minha Mulher Maravilha!
James Martins

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