segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ho! Ho! Ho!


Mais um Natal repleto, entupido de pieguices, cafonices e breguices acaba de acabar. Ufa! Já passava da hora... Você viu o circo das multidões portadoras de décimo-terceiro, apinhadas em escadarias rolantes, sacolas engolindo presentinhos horrorosos, tudo embrulhado em papeis brilhosos e fitas fosforescentes? Na mão boba, a lista dos futuros contemplados, sempre faltando mais uma lembrancinha para a cunhada dentuda e o abominável sobrinho obeso. E as pretensas neves e trenós com renas de pelúcia acrílica em clima de estiagem tropical? Buñuel puro!
Talvez o leitor tenha adivinhado que natais me irritam. Ou será que ainda não ficou claro? Ho! Ho! Ho! Esta bulimia mercantil tem algo de profundamente sórdido, a mil léguas de qualquer sombra de espiritualidade. Na televisão os programas são insuportáveis de cretinice sob pretexto de pureza infanto-mágica. Quem me dera, na noite do 24, assistir a um bom filme de terror estrelando Vincent Price com capa de Drácula? Não dá mais para agüentar tanta musiqueta simplória repetida à exaustão. Stravinsky, please! A enxurrada de velhinhos barbudos, pedófilos enrustidos de vermelho vestidos, apalpando criancinhas me deprime. E aquelas luzinhas idiotas a ridicularizar troncos de árvores de condomínios caretas e parques municipais, heim? Gosto vomitável! Tudo em nome da maior sem-vergonhice consumista, ora encorajada, ora desestimulada, conforme as variações de uma Wall Street achinesada.
Com a fé também perdi a paciência.  Se ainda monto presépios nas janelas de minha casa, cada ano mais a contra-gosto – em caso de omissão a vizinhança reclama - é mera forma de protesto contra a redibitória falta de significado desta festa shoppingesca. Ho! Ho! Ho! Alguém se lembra que, na realidade, se trata de reverenciar o solstício do inverno europeu, milhares de anos antes de um menino-símbolo que, aliás, nem nasceu nesta data?
Como o mercantilismo produção/consumo/emprego massacrou uma celebração que se queria singela e íntima! Simples comunhão familiar a volta da mesa, religiosidade sem artifícios, raros brinquedos para as crianças debaixo de árvore enfeitada com laranjas envoltas em papel colorido. Bonecas de pano, carrinhos de pinho pintado, cubos de papelão, livros para colorir, uma camisa nova, um par de sapatos... Natal era uma festa da alma, da alegria de estarem juntos e, para muitos, de cantar e rezar. 
Passa um carro de som – 95 decibéis - anunciando promoções natalinas de panetones, biquínis e geladeiras.
Ho! Ho! Ho!...
Salvador, 26 de dezembro de 2011.
Escrito para o blog "Oh, reacionário!"

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