domingo, 3 de julho de 2016

TRÊS CAMISAS DA SLOPER

  
Na minha primeira passagem por Salvador, em 71, não tive oportunidade de me deslumbrar com as sofisticações da rua Chile. Perdoem-me as almas sensíveis, meus parâmetros eram mais para a Avenue Montaigne (Dior, Chanel, Yves Saint Laurent etc.) ou para a transgressora Sloane Street, apogeu da minissaia e dos rapazes de cabelo comprido.

Comprei duas camisas de malha muito coloridas, bem “cheguei”, numa pequena loja do Hotel da Bahia, “Di Carlo”, camisas que na primeira lavagem desfiaram que nem desenho animado do Woody Woodpeker. Comprei também para minha mãe um longo vestido de algodão branco com rendas e bordados. Verdade seja confessada, as elegâncias da rua Chile não me impressionaram.
Quatro anos mais tarde, aqui vim morar. Após uns meses na Barra, descobri uma romântica cobertura na rua do Passo e lá vivi meus anos de inserção baiana. Testemunhei o nascimento do Iguatemi, do Meridien, do Othon e do shopping Barra.
Na rua Chile, pouco comprava. A reputação da Cubana me era exagerada, a Adamastor cheirava a mofo, o Palace Hotel mal aproveitado e desprovido de charme. Não vou negar. Tudo era muito provinciano para o metido a dandy que tanto se preocupava em estar sempre vestido que nem foto de revista. Blazers ingleses, gravatas italianas, calças de veludo, sapatos Rossetti, três smokings, uma casaca para bodas, camisas de seda, pulôveres de casimira e outras provas de frenética futilidade.
Difícil ficar impressionado com requintes tupiniquins.
Em contrapartida, o espetáculo da rua me fascinava. O povo tinha uma espetacular fantasia no vestir. Ainda não existia o uniforme da calça jeans. Era a moda das calças boca de sino, das camisas apertadas. Cada homem caprichava na combinação de cores. Lilás e azul celeste, laranja e rosa, os casamentos cromáticos mais improváveis aqui eram realidade. O lycra apareceu para o delírio do mulherio. Não vou esquecer nunca a loira negona, atributos exacerbados - muito de tudo - inteiramente oferecida no seu apertado estojo elástico violeta, deixando o par de mamas com furioso desejo de pular fora do generoso decote. Até lembro das marcas da diminuta calcinha desenhada sob a prisão nailonada. Também tenho ainda a foto de um sujeito rindo de vinte dentes de ouro, mãos pesadas de tantos anéis com amostra de toda a pedraria disponível no mercado. A rua era uma imensa festa para o olhar.

O princípio dos anos 90 marcou o fim da tradicional Casa Sloper. Não costumava freqüentar este departamento, mas, vez ou outra, dava uma olhada nas vitrines. Uma tarde de especial calor - devia ser janeiro ou fevereiro - notei umas camisas de discretas listras. Preço “de promoção”. Acabei comprando três, uma de cada cor. Mangas curtas, um bolso do lado do coração, uma vaga marca bordada nas costas, tecido leve.
Estou falando de, pelo menos, quinze anos atrás. Pois há quinze anos uso estas camisas, logo chegando o calor, e quinze anos que elas não têm sequer um botão faltando ou suspeita de desgaste no colarinho. Um milagre de perenidade. De que algodão encantado foram tecidas? Do Egito? Da Escócia? Do mítico Butão?
Com o passar do tempo, preocupado com tal resistência, resolvi não mais colocá-las na máquina de lavar. Sou eu que, com a ternura de um ente querido, lavo as preciosas e estendo no varal. Em duas horas estão secas e nem precisam de ferro.
Ah! Se soubesse!... Teria comprado todas!...

Dimitri Ganzelevitch                                           Salvador, 27 de novembro de 2008.



2 comentários:

  1. Dimitri Ganzelevitch, viajei no tempo com essa bela crônica, verdadeiro presente! Que o carinho e cuidado mantenham suas camisas listradas ad aeternum.

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  2. A vida nessa urbi é mesmo muito restrita: é só adequar os comentários e chega-se ao mesmo ponto. A dúvida será que camisas compradas hoje, durariam até 2026?

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