Na minha primeira passagem
por Salvador, em 71, não tive oportunidade de me deslumbrar com as
sofisticações da rua Chile. Perdoem-me as almas sensíveis, meus parâmetros eram
mais para a Avenue Montaigne (Dior, Chanel, Yves Saint Laurent etc.) ou para a
transgressora Sloane Street, apogeu da minissaia e dos rapazes de cabelo
comprido.
Comprei duas camisas de malha
muito coloridas, bem “cheguei”, numa pequena loja do Hotel da Bahia, “Di
Carlo”, camisas que na primeira lavagem desfiaram que nem desenho animado do
Woody Woodpeker. Comprei também para minha mãe um longo vestido de algodão
branco com rendas e bordados. Verdade seja confessada, as elegâncias da rua
Chile não me impressionaram.
Quatro anos mais tarde, aqui
vim morar. Após uns meses na Barra, descobri uma romântica cobertura na rua do
Passo e lá vivi meus anos de inserção baiana. Testemunhei o nascimento do
Iguatemi, do Meridien, do Othon e do shopping Barra.
Na rua Chile, pouco comprava.
A reputação da Cubana me era exagerada, a Adamastor cheirava a mofo, o Palace
Hotel mal aproveitado e desprovido de charme. Não vou negar. Tudo era muito
provinciano para o metido a dandy que
tanto se preocupava em estar sempre vestido que nem foto de revista. Blazers
ingleses, gravatas italianas, calças de veludo, sapatos Rossetti, três
smokings, uma casaca para bodas, camisas de seda, pulôveres de casimira e
outras provas de frenética futilidade.
Difícil ficar impressionado
com requintes tupiniquins.
Em contrapartida, o
espetáculo da rua me fascinava. O povo tinha uma espetacular fantasia no
vestir. Ainda não existia o uniforme da calça jeans. Era a moda das calças boca
de sino, das camisas apertadas. Cada homem caprichava na combinação de cores.
Lilás e azul celeste, laranja e rosa, os casamentos cromáticos mais improváveis
aqui eram realidade. O lycra apareceu para o delírio do mulherio. Não vou
esquecer nunca a loira negona, atributos exacerbados - muito de tudo -
inteiramente oferecida no seu apertado estojo elástico violeta, deixando o par
de mamas com furioso desejo de pular fora do generoso decote. Até lembro das
marcas da diminuta calcinha desenhada sob a prisão nailonada. Também tenho ainda
a foto de um sujeito rindo de vinte dentes de ouro, mãos pesadas de tantos
anéis com amostra de toda a pedraria disponível no mercado. A rua era uma imensa
festa para o olhar.
O princípio dos anos 90
marcou o fim da tradicional Casa Sloper. Não costumava freqüentar este
departamento, mas, vez ou outra, dava uma olhada nas vitrines. Uma tarde de especial
calor - devia ser janeiro ou fevereiro - notei umas camisas de discretas
listras. Preço “de promoção”. Acabei comprando três, uma de cada cor. Mangas
curtas, um bolso do lado do coração, uma vaga marca bordada nas costas, tecido
leve.
Estou falando de, pelo menos,
quinze anos atrás. Pois há quinze anos uso estas camisas, logo chegando o
calor, e quinze anos que elas não têm sequer um botão faltando ou suspeita de
desgaste no colarinho. Um milagre de perenidade. De que algodão encantado foram
tecidas? Do Egito? Da Escócia? Do mítico Butão?
Com o passar do tempo,
preocupado com tal resistência, resolvi não mais colocá-las na máquina de
lavar. Sou eu que, com a ternura de um ente querido, lavo as preciosas e
estendo no varal. Em duas horas estão secas e nem precisam de ferro.
Ah! Se soubesse!... Teria
comprado todas!...
Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 27 de novembro de 2008.
Dimitri Ganzelevitch, viajei no tempo com essa bela crônica, verdadeiro presente! Que o carinho e cuidado mantenham suas camisas listradas ad aeternum.
ResponderExcluirA vida nessa urbi é mesmo muito restrita: é só adequar os comentários e chega-se ao mesmo ponto. A dúvida será que camisas compradas hoje, durariam até 2026?
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