terça-feira, 6 de outubro de 2015

REVOLUÇÃO CULTURAL EM PORTO-ALEGRE

Artistas da Capital respondem com arte e bom humor a decreto que limita apresentações de rua

Depois da concentração no Largo Glênio Peres, os artistas seguiram elas ruas centrais da Capital até o Largo Zumbi dos Palmares expressando sua arte|Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Depois da concentração no Largo Glênio Peres, os artistas seguiram pelas ruas centrais da Capital até o Largo Zumbi dos Palmares expressando sua arte|Foto: Guilherme Santos/Sul21
Jaqueline Silveira*
Foi da forma que mais sabem se expressar que os artistas de rua da Capital responderam, na noite de sexta-feira (28), à proposta do decreto da prefeitura que limita a atividade ao ar livre. Diferentes segmentos da arte, como teatro, circo, capoeira, dança, tomaram o Largo Glênio Peres em protesto às regras estabelecidas no documento. Ao mesmo tempo, eles proporcionaram alegria e animação atraindo o público para a manifestação. Blocos de Carnaval também se juntaram ao ato. Depois, todos seguiram até o Largo Zumbi dos Palmares com música, dança, expressão teatral e mímica ao longo do trajeto.
O Largo Glênio Peres foi tomada por diversos segmentos de arte, como da capoeira, dança, teatro, circo, numa demonstração de  união da classe contra a proposta de decreto da prefeitura|Foto: Guilherme Santos/Sul21
O Largo Glênio Peres foi tomado por diversos segmentos de arte, como  capoeira, dança, teatro, circo, numa demonstração de união da classe contra a proposta de decreto da prefeitura|Foto: Guilherme Santos/Sul21
O decreto que regulamenta a lei 11.586 de 2014  prevê, entre outras regras, que os artistas deverão comunicar as apresentações à prefeitura com 10 dias de antecedência, o distanciamento de 100 metros um do outro, a proibição de comercializar sua arte e também do uso instrumentos de percussão. Hoje, de acordo com a legislação em vigor, não há necessidade de autorização prévia do Executivo para a realização das atividades. “Não aceitamos uma regulamentação que anula a lei”, reclamou a produtora cultural Inês Huber. A motivação, segundo a prefeitura, para regulamentar a atividade seriam as inúmeras reclamações recebidas devido ao barulho e também ao prolongamento das apresentações em um único lugar. Hoje, os palcos mais usados em Porto Alegre para a arte ao ar livre são o Brique da Redenção, o próprio Glênio Peres e a Rua dos Andradas.
Nas rodas que fechavam para as apresentações, os artistas aproveitavam para mandar um recado ao governo de José Fortunati. “Os picos dessa cidade são para a nossa curtição, andamos livre na rua, não queremos repressão”, entoavam eles, enquanto tocavam e dançavam, sempre acompanhados por diversos instrumentos. “Há muito tempo não tinha uma união tão grande dos artistas”, observou a estudante de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Danielle Rosa, opinião compartilhada por muitos outros colegas de profissão que se concentraram no Glênio Peres.
Artistas com diferentes instrumentos se apresentaram juntos |Foto: Guilherme Santos/Sul21
Artistas com diferentes instrumentos se apresentaram juntos |Foto: Guilherme Santos/Sul21
“A gente vê como um ato muito importante, a ideia é mobilizar. E o importante é que os grupos novos vieram”, comentou o atuador Roberto Corbo, integrante do “Ói Nóis Aqui Traveiz”, grupo de teatro mais antigo de Porto Alegre, em atividade há 37 anos. Ele disse que limitações a esse tipo de arte sempre existiram, entretanto as regras previstas no decreto irão prejudicar ainda mais as apresentações ao ar livre. Uma das consequências, conforme o artista, será a impossibilidade da reflexão do público sobre os espetáculos, um dos objetivos da arte de rua. “O acesso é imprescindível, o artista de rua sem a rua não é artista de rua. A gente não vai parar de fazer arte”, avisou Corbo.
“Nem em 64 existia isso. É um absurdo! O governo não tem o direito de tirar o direito deles de se expressarem. Não conseguir nos calar”, protestou Rafaela Fischer, do coletivo de teatro Levanta Favela, referindo-se ao período da ditadura militar. “É fundamental uma resistência dos artistas de rua. “É um grande desrespeito com a gente, artistas, nunca me senti tão ameaçada. Faço teatro há anos”, completou a estudante Danielle, que integra o coletivo Defesa Pública da Alegre.
Do coletivo Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, Allan Martins se apresentou com as mãos amarradas. “Simboliza a limitação do artista de rua”, explicou ele, sobre o gesto simbólico. Ele argumentou, ainda, que a arte de rua é importante, pois oportuniza o acesso de toda população, independentemente de condições financeira.  “E não discrimina gênero, raça”, emendou Martins.
Representantes dos inúmeros coletivos que participaram da manifestação, Allan Martins se apresentou  com as mãos amarradas simbolizando as limitações da regulamentação |Foto: Guilherme Santos/Sul21
Representantes dos inúmeros coletivos que participaram da manifestação, Allan Martins se apresentou com as mãos amarradas simbolizando as limitações da regulamentação |Foto: Guilherme Santos/Sul21
Calendário de reuniões
Presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Rio Grande do Sul, Fábio Cunha acompanhou a manifestação e classificou o ato como “um momento histórico para o pessoal de rua”. Ele defendeu que o movimento também tenha repercussão na Assembleia Legislativa com objetivo de incluir na pauta de assuntos da Casa a elaboração de uma lei em nível estadual sobre o tema, já que existem muitos municípios onde a arte de rua é proibida. O presidente ressaltou que já está tratando do problema com a prefeitura na busca de alternativas quanto à regulamentação. “A gente acredita que não precisa de um decreto, talvez só algumas modificações da lei. A gente quer discutir a lei e não que seja imposta a minuta. Não somos marginais, não somos baderneiros, somos artistas”, argumentou o representante sindical da classe. Na próxima semana, segundo Cunha, deverá ser definido com a Secretaria de Cultura um calendário de reuniões com diferentes entidades, como a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), e a Secretaria de Indústria e Comércio, sobre a questão.
Para o sindicato que representa a classe, a união dos artistas foi um momento histórico|Foto: Guilherme Santos/Sul21
Para o sindicato que representa a classe, a união dos artistas na noite de sexta-feira foi um momento histórico|Foto: Guilherme Santos/Sul21
Diante da repercussão negativa da regulamentação proposta pelo governo, o vice-prefeito Sebastião Melo procurou amenizar a situação e admitiu mudanças no texto. Conforme ele, todos os pontos estabelecidos na proposta de decreto serão negociados e não impostos, como reclama a categoria. “Tem pessoas que utilizam a lei para fazer coisas que não são arte de rua, e tem havido reclamação de barulho em relação a isso. Mas vamos chegar a um bom termo, (os artistas) são muito bem-vindos para embelezar a cidade, dá uma vida enorme para a cidade. Isso está preservado, tanto que nós sancionamos a lei”, disse Mello, ao Sul21, ao comentar o impasse.
Com bom humor e uma pitada de ironia, antes das apresentações no Largo Glênio Peres, os coletivos foram até a frente da prefeitura e depositaram simbolicamente “um despacho para abrir caminho” na porta do prédio, que segundo eles, foi feito pelo bloco “O Exu — Destranca Rua”.
*Colaborou Débora Fogliatto
Confira mais fotos da manifestação dos artistas:
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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