Já passava da metade do segundo tempo quando Deus resolveu jogar no meu time.
Não sei por que fez isso, já que, embora a disputa fosse renhida, nosso time vencia de um a zero – não que Sua ajuda seja, em quaisquer circunstâncias, dispensável – mas, acreditávamos; eu, pessoalmente; que seria possível manter o placar até o fim. Seu precioso auxílio poderia muito bem ser reservado para partidas mais difíceis, nas quais estivéssemos perdendo, sem chances de virar o jogo.
Claro que Ele não pediu autorização ao juiz, à Confederação Sul-Americana de Futebol nem à FIFA.
Simplesmente entrou em campo.
Só eu O via. Suas jogadas eram todas dirigidas a mim. Conseqüentemente, a bola me chegava sempre limpa, meus dribles eram perfeitos, meus chutes certeiros; em cinco minutos, fiz dois gols. Os companheiros me soterraram numa pirâmide de abraços; a torcida ululou selvagemente, gritando meu nome.
Olhei para Ele, interrogativamente; Deus simplesmente fez um gesto com a mão, piscou os olhos, como se dissesse: deixa Comigo; está tudo certo.
Deixei com Ele. O resultado foi que logo invadi a área ignorando os zagueiros, que ficaram no chão, humilhados, incapazes até de cometerem pênaltis, apliquei um chapéu no goleiro, parei alguns segundos antes da linha do gol e empurrei lentamente a bola para dentro.
Meus companheiros me perseguiram pelo campo, como energúmenos, olhares vidrados, totalmente possessos, para me abraçar; a torcida se ergueu em uníssono, vociferando meu nome como o de um ídolo sagrado que tivesse poder divino sobre ela, pedindo: Olé! Olé!
Nunca fui tão amado. Acho que naquele momento nada me seria proibido. Deve ter sido assim que Pelé e Garrincha se sentiam durante os jogos.
Então uma nuvem de preocupação toldou rapidamente meu céu: como faria, se nos próximos jogos Ele não estivesse presente? Voltaria a ser um jogador comum. E isso, ninguém, muito menos a torcida, perdoaria.
Mas o jogo logo acabou, com nossa retumbante vitória. Os repórteres correram, se digladiaram, para me entrevistar. A torcida continuava a ecoar meu nome. Era o herói; fora eleito o melhor jogador em campo.
Em meio ao burburinho, procurei por Ele com os olhos; mas, claro, havia desaparecido.
No vestiário, perguntei-me por que fizera aquilo; sem que ao menos o tivesse evocado. Na verdade, nem Nele acredito.
Naturalmente não me é dado questionar Suas ações nem Seus propósitos. Isso, certamente, deve ser considerado à conta de Sua proverbial magnanimidade.
Estaria preocupado em dar provas de Sua existência? Mas, logo a mim, um reles e anônimo mortal, sem qualquer papel proeminente no mundo? Não faz sentido. Demonstrar que Sua presença independe olimpicamente de minha crença ou descrença. Mas por que a mim, se há tanta gente mais importante: o Livro dos Recordes, por exemplo, está repleto de recordistas mundiais – pessoas que cuspiram sementes de melancia a uma maior distância; aqueles que formaram a maior pirâmide humana sobre uma motocicleta; os que comeram mais gafanhotos em menos tempo.
O fato é que Ele me escolheu. Não me compete questionar Suas escolhas.
Agora que fui agraciado com Sua presença, espero que me acompanhe até o final do campeonato; pelo menos, da arquibancada, me escoltando com os olhos, pronto a intervir, caso seja necessário.
Marcos A. P. Ribeiro
Deus joga no time de todos, mas nem sempre isto é entendido!
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