quinta-feira, 23 de junho de 2011

DEUS JOGA NO MEU TIME

Já passava da metade do segundo tempo quando Deus resolveu jogar no meu time.
Não sei por que fez isso, já que, embora a disputa fosse renhida, nosso time vencia de um a zero – não que Sua ajuda seja, em quaisquer circunstâncias, dispensável – mas, acreditávamos; eu, pessoalmente; que seria possível manter o placar até o fim. Seu precioso auxílio poderia muito bem ser reservado para partidas mais difíceis, nas quais estivéssemos perdendo, sem chances de virar o jogo.
Claro que Ele não pediu autorização ao juiz, à Confederação Sul-Americana de Futebol nem à FIFA.
Simplesmente entrou em campo.
Só eu O via. Suas jogadas eram todas dirigidas a mim. Conseqüentemente, a bola me chegava sempre limpa, meus dribles eram perfeitos, meus chutes certeiros; em cinco minutos, fiz dois gols. Os companheiros me soterraram numa pirâmide de abraços; a torcida ululou selvagemente, gritando meu nome.
Olhei para Ele, interrogativamente; Deus simplesmente fez um gesto com a mão, piscou os olhos, como se dissesse: deixa Comigo; está tudo certo.
Deixei com Ele. O resultado foi que logo invadi a área ignorando os zagueiros, que ficaram no chão, humilhados, incapazes até de cometerem pênaltis, apliquei um chapéu no goleiro, parei alguns segundos antes da linha do gol e empurrei lentamente a bola para dentro.
Meus companheiros me perseguiram pelo campo, como energúmenos, olhares vidrados, totalmente possessos, para me abraçar; a torcida se ergueu em uníssono, vociferando meu nome como o de um ídolo sagrado que tivesse poder divino sobre ela, pedindo: Olé! Olé!
Nunca fui tão amado. Acho que naquele momento nada me seria proibido. Deve ter sido assim que Pelé e Garrincha se sentiam durante os jogos.
Então uma nuvem de preocupação toldou rapidamente meu céu: como faria, se nos próximos jogos Ele não estivesse presente? Voltaria a ser um jogador comum. E isso, ninguém, muito menos a torcida, perdoaria.
Mas o jogo logo acabou, com nossa retumbante vitória. Os repórteres correram, se digladiaram, para me entrevistar. A torcida continuava a ecoar meu nome. Era o herói; fora eleito o melhor jogador em campo.
Em meio ao burburinho, procurei por Ele com os olhos; mas, claro, havia desaparecido.
No vestiário, perguntei-me por que fizera aquilo; sem que ao menos o tivesse evocado. Na verdade, nem Nele acredito.
Naturalmente não me é dado questionar Suas ações nem Seus propósitos. Isso, certamente, deve ser considerado à conta de Sua proverbial magnanimidade.
Estaria preocupado em dar provas de Sua existência? Mas, logo a mim, um reles e anônimo mortal, sem qualquer papel proeminente no mundo? Não faz sentido. Demonstrar que Sua presença independe olimpicamente de minha crença ou descrença. Mas por que a mim, se há tanta gente mais importante: o Livro dos Recordes, por exemplo, está repleto de recordistas mundiais – pessoas que cuspiram sementes de melancia a uma maior distância; aqueles que formaram a maior pirâmide humana sobre uma motocicleta; os que comeram mais gafanhotos em menos tempo.
O fato é que Ele me escolheu. Não me compete questionar Suas escolhas.
Agora que fui agraciado com Sua presença, espero que me acompanhe até o final do campeonato; pelo menos, da arquibancada, me escoltando com os olhos, pronto a intervir, caso seja necessário.
Marcos A. P. Ribeiro

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