terça-feira, 8 de outubro de 2013

UM CARGO DE CONFIANÇA

O doutor Carlos Amorim “está” – como disse certa vez um então ministro – superintendente do IPHAN na Bahia. Desde... desde... Muito tempo. Impossível encontrar no Wikipedia um perfil do ilustre defensor de nosso patrimônio.  Em contrapartida outras informações revelam um homem inteligente, informado e culto, porem bastante questionável, como denunciam artigos reproduzidos nestas páginas.
No princípio do mês de outubro, o Dr. Amorim brindou os leitores do jornal A Tarde com um longo artigo intitulado “Cabeça do Brasil”. Denominação ambígua, já que não se tem a certeza se a referência é meramente geográfica - e totalmente errada - ou intelectual, o que, confessemos, seria muita ingenuidade.
Brasil
Cabeça?
Segue uma longa lista de conhecidos dados históricos que, por caminhos gongorianos, nos levam não se sabe aonde. Acabaremos entendo que se trata de uma discreta apologia a sua obra no Solar Berquô. Nada contra. Quem não tem sua necessidade de afirmação? 
Mas o que também sobressai no texto é que as intervenções do Iphan nestes últimos anos têm se limitado a tombamentos de bens imateriais. O acarajé, o samba de roda e a capoeira fazem hoje parte oficial de nosso patrimônio, sem maior comprometimento. Que bom! 
Resta saber como preservar, na sua integralidade, tão significativas expressões de baianidade. Na hora do acarajé de Jesus, da FIFA e do Mc Donald, do pagode rasteiro, da ditadura musical dos evangélicos e do MMA, quais são as armas que nos defenderão do rolo-compressor selvagem?
Teria ficado mais convencido se o Carlos Amorim tivesse listado o trabalho realizado na preservação da memória material.  
Só em Salvador, as omissões são gritantes. 


Como não sei endireitar, vai assim mesmo.
Dá para constatar a situação lamentável do Jandaia.
Escombros floridos...
O cinema-teatro Jandaia – excepcional exemplar de Art Deco na Bahia - está a dois dedos de ruir. É até um perigo mortal para quem freqüenta a Baixa dos Sapateiros. 
Na rampa do Mercado, os “saveiros centenários” são proibidos de atracar. 
Entre a antiga alfândega e a fonte de Mário Cravo, os pescadores foram proibidos de vender seu peixe, mas uma empresa ocupa um prédio onde se vende... carne! E, bem ao lado – acredite se quiser - um posto de gasolina contribui para descaracterizar o espaço. 
Belo cartão postal para quem deseja fotografar o elevador “extraordinário monumento” Lacerda!  
A lista, em se tratando do abandono dos bens tombados desta cidade, não caberia no espaço de meu blog.
Quanto ao total desprezo pelo bairro de Santo Antônio, também tombado como patrimônio mundial pela UNESCO, já denunciei em vão neste mesmo espaço e na imprensa local, com apoio de muitas fotografias, as constantes e lamentáveis agressões, agressões estas que se acentuam a cada semana, sem que o Iphan desça de seu pedestal imperial e venha fiscalizar.
O superintendente termina o texto batendo palmas à generosidade de Brasília que concedeu R$202 mi para a Bahia e mais R$300 mi para o Brasil inteiro. Deve estar brincando! R$1.991.808,70 custou só o escoramento de 11 fachadas no centro histórico (R$181.073,51 por casa, grana, aliás,suficiente para reconstruir cada imóvel).



FALTA DE ANUNCIAR OBRAS DO CENTRO HISTÓRICO NÃO SERÁ.
E HAJA DINHEIRO INDO PRO RALO!
AQUI, NO CASO DOS 53 IMÓVEIS - QUE NÃO SÃO LISTADOS -
NEM SE FALA EM PRAZOS.
É MAIS PRUDENTE!
Desta dinheirama, após a cascata de trâmites burocráticos, pesquisas, concursos e outras costumeiras gincanas – e sem contar as famigeradas gordurinhas – quanto sobrará para iniciar as obras? Pago para ver.
Que ninguém veja qualquer ataque pessoal à figura do superintendente. Mas quando alguém aceita um cargo público, ainda mais sendo cargo dito de confiança, deve saber enfrentar críticas fundamentadas da sociedade. Assim que ameaças de processo, mesmo intermediadas pelo Ministério Público – como aconteceu comigo no princípio deste ano - não me parecem a forma mais adequada de comprovar a confiança depositada pelos governantes. 
Só faz cristalizar o antagonismo.
Não sendo politólogo, não posso adivinhar o que o fim de 2014 nos reserva. Mas está na hora – não: já passou da hora – de se reestruturar essa obsoleta instituição. 
E, finalmente, assumir um comportamento republicano, no mais alto significado dessa expressão. 
Precisamos de um órgão ágil, cujos funcionários sejam motivados, apaixonados até, por suas responsabilidades, que não hesitem, se necessário for, em andar (a pé!) pelas ruas, faça sol ou chuva, que conversem com os moradores, os proprietários dos imóveis tombados, que se envolvam em campanhas de esclarecimento. 
E que haja reais compensações para os que se adequam às contingências de morar num prédio considerado patrimônio mundial. 
E que outros funcionários não levem seis meses para assinar um alvará, como no caso de uma simples laje de concreto que ameaçava cair no Trapiche Barnabé, enquanto a balaustrada enfeitando as traseiras da secretaria da Fazenda é massacrada sem que haja o mínimo constate de contravenção.
E que as licitações sejam democratizadas, como quer a Lei 8666, dando abertura, sem exigir o CREA (!) das empresas de bens móveis e integrados (vide recentíssimo edital para a restauração artística da Igreja de São Pedro dos Clérigos), estas sim com conhecimentos específicos na área artística. (Muitos acham esta nova exigência bastante suspeita).
Lucrarão a sociedade, o erário público e o patrimônio baiano.
Do jeito que as coisas estão na Bahia – porque os problemas não são unicamente soteropolitanos – é provável que a próxima geração não terá mais passado.

E, para terminar, admirem o telhado de zinco e parafernãlia variada que enfeita a parte de baixo do Pelourinho.
Trata-se de um centro comercial, recem "reformado", bem modernoso. É uma agressão escanladosa a estética, a memória, a cultura e ao bom senso. Tudo com as benções do IPHAN, do IPAC e da prefeitura.
Sorria, você está na Bahia!

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