quarta-feira, 9 de outubro de 2013

CABEÇA DO BRASIL

Carlos A. Amorim
Superintendente do Iphan na Bahia

carlos.amorim@iphan.gov.br

O Centro Histórico, patrimônio da humanidade, maior e mais importante área contínua de monumentos tombados do País, foi por mais de 470 anos o centro econômico, político e social da cidade do Salvador. A sua importância central foi diminuída a partir dos anos 1990 – processo cujo ápice de decadência se dá agora no século XXI e sobretudo em sua borda.

Salvador, edificada em acrópole, domina a centralidade da Baía de Todos-os-Santos e seu Recôncavo; acidente geográfico monumental, cuja historiografia nos autoriza a denominá-la de “Cabeça do Brasil”. Situada entre a Ponta do Padrão, onde se ergue o Forte de Santo Antônio e nele o famoso Farol da Barra, e a Ponta dos Garcez, falsa barra quase intransponível de onde se vai à Enseada do Paraguaçu que nela deságua, a baía é submissa da chamada Cidade da Bahia. Rota tradicional dos saveiros centenários, como o “Sombra da Lua”, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que transportavam a rica produção econômica dos séculos XVII, XVIII e XIX, o Recôncavo sustentou a Bahia com sua pujança econômica e a representou com sua exuberância cultural. Salvador é seu centro, como ele, o Recôncavo, é centro para todo o estado, tendo sido sempre responsável pela metade da riqueza aqui gerada.
Não sem razão, o Patrimônio Imaterial Brasileiro se apresenta vigoroso na localidade pelo registro da capoeira e do ofício das baianas de acarajé. Ainda mais pelo samba de roda que, além de integrar o rol do patrimônio brasileiro, é patrimônio da humanidade.
A representação dessa centralidade se espelha na digital da cidade: seu frontispício. A tirada de vista que abrange a inequívoca relação entre duas cidades – a Cidade Alta e a Cidade Baixa – é o registro único que desvela para o olhar leigo a especialidade inerente à cidade do Salvador. Esta característica particular determinou a opção pela mobilidade vertical. Assim, desde o século XVII, com o rudimentar Guindaste dos Padres, Salvador montou artefatos sobre a escarpa e submeteu a falha geológica à engenhosidade de seus ascensores. Esse frontispício esplendoroso integra o Centro Histórico e suas áreas dependentes: o bairro do Comércio e seus extraordinários monumentos, como a Basílica da Conceição e o Elevador Lacerda, e a relação inexaurível com a Baía de Todos-os-Santos, seus saveiros, sua cultura e festividades, como a Festa do Bonfim, objeto de registro como Patrimônio Imaterial Nacional e que é a viva expressão dessa integração. Tudo expresso na voz do cancioneiro popular, consagrada pela célebre Alcione, e que proclama:
“Ah! Eu vim de Ilha de Maré, minha senhora,/ Pra fazer samba na Lavagem do Bonfim/ Desci na Rampa do Mercado (Modelo) e segui na direção do cortejo armado na Igreja da Conceição”.
Esse conjunto monumental é objeto de inúmeras ações desenvolvimentistas com as quais é preciso cautela. Não frear o desenvolvimento econômico, e buscar alternativas viáveis ao seu sustento, é como deparar-se ante o dilema de não matar a ovelha, nem deixar o leão morrer de fome. O Iphan tem feito a sua parte. Por quatro anos trabalhamos a construção do programa de intervenções que estimulasse a renovação do Centro de Salvador e do patrimônio histórico nacional na Bahia. A parceria nos une ao governo da Bahia e aos municípios de Salvador, Maragogipe, Itaparica e Santo Amaro. São 40 ações prioritárias que, esperamos, tenham o condão de renovar a qualidade do uso e do usufruto do nosso patrimônio. A iniciativa do governo federal é inédita pelo volume inicial de recursos: R$ 202 milhões na Bahia e mais uma linha de crédito especial de R$ 300 milhões para imóveis privados em todo o País. O chamado PAC das Cidades Históricas é uma força de vitalidade na proteção de nosso futuro; mas seu sucesso depende da continuada mobilização de municípios e do estado no trabalho de preservação. Em Salvador, por exemplo, a iniciativa vem casada com ações de ressarcimento e de arrecadação dos imóveis abandonados, para pôr fim ao “jogo de empurra”, quando se trata de assumir responsabilidades com o patrimônio cultural. Agora o chamado é ao trabalho!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails