por Angela Dutra de Menezes
Eis que chega a tão proclamada Copa das Copas. Se tudo correr bem, algum estádio não desabar, os aeroportos não entrarem em pane, osBlack Bloks se comportarem, a incrível e extraordinária área para as televisões estrangeiras construída em Copacabana, quase na linha de arrebentação – e olha que estamos na estação das ressacas -, não ruírem, os restaurantes de comidinhas com prazo de validade vencida não matarem os clientes com gastroenterite e, nas guerras que se anunciam sobrarem mais feridos do que mortos, em um mês estaremos livres desse transtorno que a megalomania petista inventou. Assistirei de camarote, não pretendo sair de casa em dias de jogos no Maracanã. Se o bicho pegar, já estarei sã e salva.
Sinceramente, não precisávamos expor para o mundo a nossa proverbial incompetência – sequer há wireless no Itaquerão, estádio do primeiro jogo: prevejo repórteres ameaçando suicídio. Há sete anos, as autoridades sabem que a Copa acontecerá. Há sete anos descansam em berço esplêndido. Subitamente, na reta final do cronômetro, decidiram terminar as obras do jeito que conhecemos: amarram com barbante aqui, disfarçam com um tapume ali, colam com cuspe uma arquibancada mais teimosa. Enfim, usam e abusam do discurso sonso. Afinal, estamos no País onde, secularmente, a palavra vale mais do que a realidade. Basta negar a presença de um leão no recinto para o leão deixar de existir. Até a hora em que o animal, um indisciplinado, resolve atacar alguém. Mas sempre surge umespecialista explicando que o animal não passava de um delírio coletivo e, na verdade, ninguém morreu. Embora a missa de sétimo dia do devorado esteja devidamente encomendada.
O tempo passa, o tempo voa e não conseguimos aprender que palavras merecem nossa consideração. São delicadas e instáveis – se desrespeitadas, agridem. Mas dona Dilma não está nem aí para essas sutilezas. Com a delicadeza de um panzerinaugura obras inacabadas, afirmando a perfeita conclusão do projeto. Na contramão da presidente, o ministro da aviação, meio sem graça, assume que os aeroportos não estão lá essa Brastemp toda. Em Natal, Rio Grande do Norte, o novo aeroporto, apesar de festivamente inaugurado, não pode funcionar. Não tem banheiros, além de outros trololós. Mas o ministro – sociólogo de formação, deve entender pra burro de pousos e decolagens – mandou construir um puxadinhomanero que, segundo ele, existe em muitas cidades do mundo. Enfim, a autoridade aérea garante que o lance improvisado funcionará super legal. Resta-nos ter fé em Nossa Senhora do Loreto, padroeira dos aviadores. Afinal, com aviões todo cuidado é pouco.
No Rio Grande do Sul ainda faltam 36% das verbas – sejamos realistas, quase a metade do dinheiro – para as finalizações do estádio Beira-Rio. Em Manaus, o Rio Negro sobe a cada dia impedindo a locomoção pelas ruas da cidade. Alguém imagina os suíços, tratados a pão de ló em sua terra natal, equilibrando-se em tábuas precárias, preocupados em não deixar que os jacarés lhes comam os pés? Vexame perde. Claro, não poderíamos esperar outra coisa: a imprensa internacional deita e rola com tanta improvisação. Amigos residentes no exterior contam-me que morrem de vergonha com o as matérias diárias denegrindo o Brasil. Sério, nós não merecíamos.
Dizem que há brasileiros mal intencionados, que torcem contra o sucesso da festa internacional do ludopédio. Confesso: sou um deles. Esfregaram em nossa cara tanta desvio de dinheiro público, tantas promessas não cumpridas, tantos desaforos da FIFA que, igual a um post que anda rolando na Internet, rezo para que, no dia da abertura oficial do evento, falte água, falte luz, caia uma tempestade, as ruas alaguem, todos os vasos sanitários brasileiros entupam e transbordem, nuvens de mosquitos de dengue comam as pernas dos jogadores do Primeiro Mundo. O que mais? Raios? Nuvens? Tempestades, rolai das imensidades, varrei os mares, tufão… Também estou torcendo. Quero mais que a Copa exploda. Desejo que o sempre ignorado leão da responsabilidade desperte e, um a um, entregue a Deus as almas dos culpados por mais este malfeito. Inclusive a do Joseph Blatter.
Feliz ou infelizmente, Deus é mesmo brasileiro. No fim, apesar dos tropeços e sustos, tudo dará certo. Ao menos, acreditamos. Até eu, cética em relação ao governo e sua capacidade administrativa, no fundo não duvido que nos salvaremos do grande vexame de nossa Copa surrealista. O que, absolutamente, não aliviará a péssima impressão que os visitantes levarão do patropi.
E, senhoras e senhores agora nos aguardam as Olimpíadas e seus múltiplos esportes. Inclusive os náuticos, que serão disputados em uma baía repleta de dejetos humanos ou não. Quando li no jornal a abertura de uma licitação para um restaurante que servirá 60 mil refeições saudáveis por dia, conclui que, daqui para frente, nem os céus conseguirão ajudar. Maluquice tem limite, gente. Estamos nos propondo a matar a metade da elite esportista do planeta.
Seria ótimo se os imprevistos da Copa provassem aos senhores do COI que o melhor a fazer é levar as Olimpíadas para outro país. Dar corda a doido nem sempre termina bem. Um dia, meu povo, Deus cansa de tapar buracos…
Oremos, pois.
Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista
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