SÃO PAULO — Alegando que não receberam o salário de março, os médicos cubanos Raul Vargas, de 51 anos, e Okanis Borrego, de 29, abandonaram o Programa Mais Médicos nesta segunda-feira. Assim como fez a também cubana Ramona Rodriguez, que desistiu do programa em fevereiro, eles reclamam que o pagamento feito aos cubanos é mais baixo do que o dos profissionais de outras nacionalidades e que o contrato assinado com o governo da ilha impõe restrições à sua liberdade.
Vargas e Okanis contam com o apoio da Associação Médica Brasileira (AMB), que oferece ajuda a quem quer desistir do programa. A entidade deve ajudá-los a estudar para o Revalida, exame que permite a validação do seu diploma, e a arrumar um emprego como médicos de assistência básica no Brasil. O exame deve ser marcado para outubro. Segundo a AMB, eles podem trabalhar em qualquer função que não envolva atendimento médico.
— Ninguém foi obrigado a vir ao Brasil. Mas muitos médicos cubanos queriam vir pra cá. Na minha opinião é o país mais desenvolvido da América Latina — disse Vargas. — Mas quando chegamos, ninguém sabia que ganharíamos menos que os outros médicos do programa. Foi a Ramona que abriu nossos olhos para isso.
Os médicos cubanos fizeram pedido de refúgio na Polícia Federal (PF) e no Conselho Nacional de Refugiados (Conare), o que garante que os eles não sejam deportados ao longo de um ano, segundo o diretor jurídico da AMB, Carlos Michaelis Jr..
Em entrevista coletiva organizada pela AMB na manhã desta terça em São Paulo, os cubanos contaram que souberam que o governo brasileiro contrataria profissionais estrangeiros em novembro de 2012. Eles embarcaram para o país um ano depois.
Após passar 21 dias em Brasília, foram enviados para o município de Senador José Porfirio, no interior do Pará.
— A AMB nunca disse que não quer médicos estrangeiros. Defendemos que qualquer médico pode trabalhar no Brasil desde que faça a revalidação do diploma - afirmou o presidente da AMB, Florentino Cardoso. - Do jeito que está, eles se sentem em um regime análogo à escravidão, sem direito de ir e vir e falar o que pensa como nós brasileiros.
A entidade médica tem um programa para auxiliar os médicos estrangeiros que chegaram ao Brasil por meio do Mais Médicos a revalidar o diploma. Segundo Cardoso, desde fevereiro, quando a campanha da AMB veio à tona após o caso Ramona, cerca de 30 profissionais entraram em contato com a entidade para se informar sobre o procedimento.
Vargas é pós-graduado em atendimento primário e medicina da família e já havia participado de missões de médicos cubanos na Venezuela e no Paquistão. Ele admite que já tinha pensado em aproveitar a oportunidade de vir ao Brasil para abandonar Cuba, mas, ainda que tenha tomado a decisão de continuar morando no país, teme que seus familiares sofram represálias na ilha. Segundo ele, um médico recebe cerca de 25 dólares por mês em seu país natal.
— Minha opinião pessoal é que Cuba trata os médicos como uma mercadoria. Lá a universidade é pública. Então o governo nos forma e depois nos usam para fazer dinheiro. Esses programas de levar médicos a populações carentes não têm um objetivo humanitário, mas, sim, um objetivo mercantilista.
Em nota, o Ministério da Saúde esclarece que “os médicos da cooperação com Cuba atuam no país por meio de uma modalidade de contratação diferenciada, através de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)” e recebem o equivalente a R$ 3 mil líquidos por mês como bolsa-formação. Segundo a pasta, informações repassadas pela embaixada de Cuba no Brasil à OPAS dão conta que o pagamento de março a esses profissionais “foi realizado normalmente, dentro do prazo e valor previstos”.
Diz ainda a nota que “assim como todos os participantes do Programa Mais Médicos, os médicos cubanos também estão sujeitos às leis do Brasil”, que eles “são livres para viver sua vida privada” e que “não sofrem qualquer tipo de coerção por parte do governo brasileiro, que respeita as liberdades individuais de brasileiros e de estrangeiros”.
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