A chuva deu uma trégua. O asfalto brilha. O trânsito se fez
raro, silencioso. Um gato mia. Por trás de meu monitor, uma libélula inebriada
pela luz, voa e, repetidamente, se choca contra o abat-jour.
Ao longe, umas
vozes alegres devem falar de festa, de amizades. Vão se aproximando. Uma
sanfona, um violão, alguém que canta.
O grupo parou debaixo de minha janela.
Abro. Meia dúzia de homens,
na faixa dos cinquenta. Não conheço a canção. Deve falar de amor.
Na noite húmida e quente, noto as camisetas listradas. Com certeza saíram de algum sarau. A sanfona
continua seu monólogo nostálgico que o violão reforça.
Duas moças de cabelo
solto dançam sem muita atenção, quase indiferentes. Seus longos vestidos de
ouro, prata, rosa e azul, voam lentamente com a brisa.
Do outro lado da rua, as luzes
apagaram. Ninguém se debruçou na janela para ver o grupo passar. Já estarão
dormindo.
Interrompem a música, conversam. Alguém ri. Recomeçam a
andar, a tocar, a cantar. Viram a esquina.
Por um momento seguirei seus passos
pelo som da sanfona.
No meu bairro ainda existem momentos singelos e mágicos...
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