quinta-feira, 3 de outubro de 2013

LEONELLI OPINA

I .- A centralidade perdida 

Confesso que me incomoda um pouco ouvir falar em revitalização do Centro Histórico. Como revitalizar? Voltar ao brilho, ao glamour, à efervescência elegante que pulsavam na Rua Chile, no Comércio, na própria Avenida Sete até os anos 60? Improvável. É preciso retornar algumas décadas na história para entender os problemas do Centro, hoje. Talvez algumas soluções venham dessa compreensão.
A implantação do Centro Administrativo e dos shoppings centers esvaziaram o Centro de Salvador, retirando dele funcionários públicos e usuários dos serviços, no caso do CAB. Lojas, escritórios, cinemas, migraram par os shoppings.
Foram arrancados do Centro da cidade dois elementos básicos, dois pilares sobre os quais se estruturam as cidades, historicamente: o poder e o comércio. Ou não foram os fortes, os palácios reais rodeados de feiras e mercados, que deram início aos burgos?
As cidades foram crescendo, os meios de transporte se modernizando e proporcionando novos desenhos urbanos, com bairros residenciais e áreas comerciais e mesmo com áreas administrativas (subprefeituras) fora do núcleo central. Mas as grandes cidades sempre mantiveram os seus centros vivos, pela preservação essencial do poder político-administrativo e do alto comércio.
Claro que com a modernização e a complexificação do Estado,  não seriam apenas os soldados dos reis que ocupariam os palácios. Repartições públicas, com milhares de funcionários, passaram a povoar os antigos palácios e os modernos prédios da administração pública.
Mas o poder e o comércio mantiveram-se no Centro de cada cidade importante no mundo. Nas capitais, as sedes do poder nacional, a Casa Branca, em Washington, a Casa Rosada, em Buenos Aires, o Palácio do Eliseu, em Paris, o Palácio de Westminster, em Londres, todos invariavelmente nas áreas centrais das cidades.
Aqui em Salvador, de uma só penada, retiramos do Centro a sede do Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, os Tribunais, quase todas as secretarias de Estado, repartições, empresas públicas. Logo depois saíram os orgãos federais, à exceção da Polícia Federal, da Receita Federal e da Codeba, por óbvio. Saíram do Centro da capital do Estado os símbolos e as estruturas do poder do Estado.
Só ficou no Centro de Salvador, o elo mais frágil da Federação que é a Prefeitura Municipal.
A implantação do Centro Administrativo da Bahia, acompanhada da implantação dos shoppings Iguatemi e Barra esvaziaram o Centro da cidade, como área central dos negócios, da administração e do poder, enfim. O Centro se transformaria nessa coisa ambígua chamada Centro Histórico ou Centro Antigo.
Foi um erro histórico, estratégico, cometido não apenas por Antonio Carlos Magalhães, mas por toda a sociedade baiana. Não me recordo de nenhuma oposição de peso à implantação do Centro Administrativo da Bahia. Eu, inclusive, quando era publicitário e trabalhava na Propeg, escrevi para um anúncio do governo: “construir o futuro para preservar o passado”. E acreditava sinceramente naquilo.
E na extensão do CAB formou-se uma espécie de área subcentral com a Rodoviária, edifícios de escritórios comerciais e shopping centers.
Assim, parte da população que se relacionava ou trabalhava nas repartições públicas foi para o CAB.
A classe média deslocou seu domicílio laboral para o CAB e seu poder de compra para os shoppings.
Contrário senso, claro que é inimaginável pôr os milhares de carros que se deslocam hoje para o Centro Administrativo e para os shoppings, no centro de Salvador, tal como ele é. Como ficou, estagnado. Porém, se como em Roma, Madri, Paris e mesmo no Rio de Janeiro tivéssemos investido em estacionamentos, proibido acessos de automóveis a certas ruas, criado alternativas de transporte circular coletivo, a história seria outra.
Não teríamos substituído o Centro da nossa cidade, por um “centro histórico”, ou “centro antigo”. Pois o que precisamos é de um Centro da cidade vivo, não apenas revitalizado.
Mas isso é assunto para o próximo artigo.

II. - A busca da centralidade possível – Final

 

Apesar da implantação do Centro Administrativo e dos shoppings centers terem apodrecido o tecido urbano do Centro da cidade de Salvador, não podemos desconhecer que também foram fortes estímulos a economia de uma cidade que nas décadas de 70 e 80, mal e mal conseguia acompanhar o dinamismo econômico da sua Região Metropolitana.
Segundo Paulo Henrique de Almeida, “ a RMS passou a ser o lugar privilegiado da intervenção governamental, tendo como consequência simétrica e indesejada desse processo o abandono do Recôncavo e da Baía de Todos- os-Santos como espaços de planejamento e de investimento público”.
Assim, a cidade teve, nas décadas de 70 e 80, o crescimento da construção civil, com a implantação do CAB, dos shoppings e dos prédios que abrigam as empresas que vieram do Centro da cidade (43%) para a nova área comercial criada.
Enquanto isso, o Centro da cidade de Salvador sofria uma mutação profunda no seu desenho econômico e social. Pode-se dizer que foi uma mutilação econômica, social e política. Lembremo-nos que, entre a transferência das sedes físicas dos poderes para o Centro Administrativo, e a restauração / recuperação do Pelourinho, foram mais de 15 anos. A primeira, em meados da década de 70, e a segunda, nos anos 90.
A reestruturação do Pelourinho deu à cidade o seu principal cartão-postal. E teria sido genial se convivesse com o Centro real: as sedes do poder, as lojas importantes, os funcionários públicos comprando e vivendo o Centro da cidade. Com a reestruturação, sinalizou-se, também, que o somente turismo seria a prótese única e suficiente para a mutilação sofrida. Não foi e não será.
Depois, equivocadamente, já em nosso Governo, tentou-se secundarizar o turismo e valorizar a vida comunitária e a cultura no “bairro” do Pelourinho. Supervalorizou-se a comunidade local, como se ela desejasse ou pudesse viver sem o turismo. Depois, ainda se descobriu que não se tratava de “revitalizar” apenas o Centro Histórico mas, sim, o Centro antigo como um todo.
O turismo e a cultura podem, realmente, se constituir em  fatores de grande relevância econômica para a região. Mas não podem substituir uma função que é muito mais ampla, profunda e essencial: o Centro da cidade tem que ser o Centro da cidade para seus habitantes, antes de sê-lo para os turistas e consumidores culturais.
Qualquer turista, em qualquer lugar do mundo, quer conhecer o Centro da cidade, que é também o Centro histórico, o Centro de serviços, Centro de atividades comerciais e administrativas. 
O que fazer? Que nova função? É possível recuperar o sentido centro da cidade como um verdadeiro centro de Salvador? Talvez.doi
Poderíamos começar pela revitalização de prédios públicos abandonados como, por exemplo, o prédio dos Correios. Propriedade federal há mais de 20 anos, com quatro dos seus cinco andares  em lambris de jacarandá e vidros blindex de cinco centímetros, transformada em cemitério e sanitário de pombos.
Poderia citar outros prédios públicos vazios, abandonados. Mas, também, há os prédios privados, casarões belíssimos, caindo. Muitos deles penalizados por disputas judiciais, divisão de heranças.
Uma lei, acompanhada de medidas judiciais, que penalizasse seriamente a manutenção de prédios vazios no Centro de Salvador e que possibilitasse ao Poder Público a ocupação - independentemente de desapropriação- do imóvel seria muito bem-vinda. Isso teria impedido o crime do Palace Hotel, na Rua Chile, fechado por mais de 15 anos.
Ainda no âmbito da Prefeitura de Salvador e de nossa Câmara de Vereadores, uma outra lei incentivando fortemente a implantação de estacionamentos, não só indicando áreas adequadas, mais isentando de impostos esses estabelecimentos.
E, finalmente os órgãos licenciadores e a sociedade organizada (agora pela internet) precisa compreender que não podem ser donos do Centro de Salvador só porque têm interesses ou um estabelecimento na área. O Centro da cidade é de todos os 3 milhões de habitantes de Salvador. E entendendo isso, assimilarem que o Centro não pode estagnar. Que novos equipamentos podem conviver com os antigos. Que novos serviços, equipamentos culturais, turísticos, de serviços precisam ser implantados, para que o Centro seja o Centro da Cidade de Salvador. Inclusive para preservar o patrimônio histórico.
Comentário do blogueiro
Estes dois textos assinados pelo secretário estadual de turismo da Bahia, Domingos Leonelli foram, curiosamente, publicados pelo excelente, mas discreto jornal soteropolitano Tribuna da Bahia.            
Acho da maior importância a divulgação do pensamento do digníssimo secretário.        Boa parte lembrou-me  um velho texto de Paulo Ormindo de Azevedo.*
Me permito discordar de certas passagens. Ao meu ver, por exemplo, o aparecimento dos burgos começa antes da construção de fortes e palácios reais. 
Menos, excepcionalmente, no caso do palácio de Versalhes. Para ficarmos nos terrenos que me são familiares,  ao mencionar Paris, por exemplo, um bairro durante um século considerado dos mais sórdidos da capital francesa, o Marais, se transformou, longe de ministérios e embaixadas, em um dos endereços mais cobiçados dos parisienses. Por que? Por simples decisão política baseada em estudos sérios. Hoje o m2 do Marais é um dos mais caros da capital francesa. 
Tão pouco concordo no "finalmente" com o questionamento de certos usuários se considerarem "donos" do centro histórico. Todo bairro pertence, antes de tudo, aos que lá moram e/ou trabalham. O centro histórico me pertence, sim, por que aqui moro e trabalho, há mais de 38 anos. Me pertence muito mais que a aqueles que vivem na Pituba e trabalham no Iguatemi e que nunca aqui botam os saltos altos ou aparecem de mal grado só para justificar seu salário, achando maravilhoso morar em gavetas melhoradas.  E muito menos pertence a quem declara publicamente que não gosta do centro histórico. 
Quanto a afirmação curiosa "que novos equipamentos venham" permito-me lembrar que uma de minhas propostas foi justamente  a criação de um centro de convenções no dito centro histórico de Salvador, já que aqui existem -  além de vários auditórios e salas de fácil adaptação -  hotéis de luxo e pousadas, restaurantes elegantes e outros mais simples, boutiques, bares, cinemas e teatros. Tudo num perímetro que dispensa carros e ónibus. 
Acham pouco? Pois o digníssimo secretário recusou de imediato a proposta. Mas, examinando com mais atenção os dois textos, talvez escritos a quatro mãos, notemos as várias alfinetadas ao governo petista. A campanha eleitoral já começou.

PS.- O que não cabe na minha cabecinha é que a secretaria tenha devolvido R$37 mi aos cofres federais por não ter achado projetos para realizar no centro histórico. E a fabriqueta de projetos, nenhum ainda realizado, da Beatriz Lima, o tal "Escritório de referenças"?


* O texto do professor Paulo Ormindo foi publicado numa coletânea “História y futuro de la cuidad iberoamericana". Madrid 1986.
Dimitri Ganzelevitch
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