domingo, 24 de junho de 2012
O TESTE DO SOFÁ E O GAROTO DE MALUF
Poucas imagens do jornalismo causaram tanto alvoroço e repercussão nos últimos tempos quanto as fotografias e cenas exibindo em multiplicidades de poses o ex-presidente Lula, seu candidato à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, e o nome mais associado à corrupção no Brasil nas últimas quatro décadas: Paulo Maluf. A cena soava pornográfica até mesmo para quem acredita mais em duende que em coerência política. Lula e Maluf felizes e sorridentes, tendo ao meio um Haddad aparentemente constrangido de riso amarelado. Os três abraçados, nos jardins imperiais da mansão de Maluf, para onde o anfitrião os atraiu sob o álibi de selar e anunciar seu apoio eleitoral à chapa petista. Ofereceu uma feijoada e fez questão de encerrá-la na área verde externa do seu bunker malufista, sob o olhar de fotógrafos e cinegrafistas convocados para imortalizar o tão inusitado encontro na memória política do país.
TESTE DO SOFÁ – Pragmático e sempre ancorado nos argumentos do cinismo que são peculiares à média da classe política brasileira, Maluf deu a tônica da essência das coisas quando perguntado sobre onde teriam ido parar os resquícios ideológicos partidários que separavam esquerda e direita. Segundo anunciou-se no jornalismo político, a sua resposta teria sido algo do tipo: já não existe nem direita, nem esquerda. O que existe são segundos na TV. Ou seja, os abraços, os tapinhas, a feijoada com direito a cenas públicas de afagos nos jardins impostos a (e imediatamente aceitos por) Lula em troca do apoio de Maluf à candidatura de Haddad seriam uma versão eleitoral do teste do sofá.
Há quem diga que, ao longo da história da televisão brasileira (quiçá do mundo, quiçá do cinema internacional), muitas mulheres lindas, com ou sem talento, precisaram submeter-se ao famoso teste do sofá, oferecendo seus encantos a algum diretor ou chairman poderoso das emissoras para, assim, obter oportunidade e espaço na telinha. Pois bem, esta campanha eleitoral que se aproxima será uma campanha antecedida e marcada pelo ‘teste do sofá’, onde alhos e bugalhos estão se misturando sem qualquer pudor desde que sentar no sofá do ex-opositor signifique uns segundinhos a mais no horário eleitoral gratuito.
CINISMO - Foi isso que Lula foi fazer com Haddad na mansão de Maluf: o teste do sofá. Em troca dos preciosos tempinhos do partido de Maluf na TV no horário eleitoral gratuito. Do mesmo modo, por aqui, na Bahia, o DEM também apelou para a mesma estratégia assediando o Partido Verde e uma militante dos movimentos sociais da periferia e do movimento negro. Se um dia o DEM de ACM Neto já contestou juridicamente as cotas raciais na universidade e agora tem como vice Célia Sacramento, uma árdua defensora das cotas, os antagonismos entre ambos, como diria Maluf, não mais importam. O que importa são os preciosos segundos na TV que o casamento político do DEM com o PV proporciona à campanha eleitoral.
E na onda do teste, o cinismo se espraia sem qualquer resquício de pudor. O próprio ex-presidente Lula, ao posar com a presidente Dilma durante a Rio+20, dois dias após posar com Maluf e um dia após a ressaca política de ver a vice do seu candidato, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, recuar da chapa alegando repulsa às imagens da véspera, saiu-se com um trocadilho infame. Referiu-se à foto com Dilma como sendo ambientalmente correta, numa oposição à politicamente incorreta, literal, com Maluf. No mesmo evento, o governador da Bahia, Jaques Wagner, também se sentindo confortável no posto de piadista experimental disse que em tempos de Rio+20 era preciso ver a aliança com Maluf num contexto em que sustentabilidade pressupõe não exterminar qualquer espécie [política]. Muito engraçado, governador. Além disso, para Wagner, para vencer as eleições em São Paulo vale o esforço de aliar-se a Maluf.
‘MEU GAROTO’! - Entre o teste do sofá visando a campanha eleitoral na TV, que logo entrará nos lares brasileiros assustando o telespectador que tiver estômago para assisti-lo, e as imagens de Lula no bunker malufista, a cena mais tradutora da canastrice bufa do encontro talvez seja a de Paulo Maluf passando a mão nos cabelos recém-cortadinhos de Haddad. Vista na TV e nos jornais a imagem parecia pedir desesperadamente uma legenda. Poderiam ter tomado-a emprestada do bordão de um dos personagens antológicos de Chico Anísio. Quem não lembra da dupla de palhaços Cascata (Chico) e Cascatinha (Castrinho), cujo bordão era: ‘meu pai-pai!; meu garoto!’? À luz da imagem, Maluf transformou Haddad no garoto de Maluf.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 24 de junho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
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