Vale a pena ler na íntegra o texto de James Martins...
Há muito tempo quero tocar no assunto escola pública aqui nesta ‘Cheio de Arte’. Nem preciso dizer que, numa realidade de estruturas básicas assim desestruturadas como a nossa, arte e educação estão interligadas em níveis acima dos desejáveis. Nossa miséria e nossa riqueza possibilitam o convívio de dados assim: 68% de analfabetos funcionais espalhados pelo território nacional enquanto Décio Pignatari sai de Osasco para ir fundar a Associação Internacional de Semiótica em Paris. É o Brasil. Alguns querem que não seja, diria o vaqueiro João Guimarães Rosa. Mas, voltando ao assunto, foi publicado nesta terça-feira (05), no Bahia Notícias, um vídeo mostrando alunos de uma escola pública do Espírito Santo dançando funk carioca dentro da sala de aula. Os meninos encostados na parede e as meninas se revezando para roçar a bunda nos seus pintos. A intenção de roçar é muito mais evidente que a de dançar. As imagens, encontradas no celular de uma das alunas, foram parar na TV e chocaram pais e avós, etc. etc. Detalhe: a professora aparece em cena. Aparece. Some. E não faz nada. Afinal, pela lógica brasileira, se a escola é pública significa que é de ninguém. Infelizmente, para mim não há novidade na denúncia. Ando de ônibus. Pego ônibus com supostos estudantes dentro, espalhados pelas cadeiras, com os pés inclusive, gritando, pulando, xingando e -os do fundão- fazendo a mesma coreografia (+ muitas outras, afinal estamos na Bahia!) dos meninos do ES. Ao mesmo tempo, converse com um deles, 90% não sabe ler. Nem fazer conta. Nem o que se comemora em 21 de abril. Nem nada. E ainda pagam meia para lotar o buzu com a sua gritante falta de educação. É muito dinheiro jogado fora.
É claro que a culpa não é das crianças. E na verdade eu quase chorei quando o governo atual resolveu fechar escolas para amontoar a maior quantidade de alunos possível em menos unidades de ensino (lógica de presídio?). Mas, vou citar uma brincadeira que faço sempre com o meu amigo Jorge Augusto (professor), e que reflete bem minha indignação, em que pese o que tem maluquice. Ou até por isso mesmo. Eis o que quero dizer: se é para ficar assim, porque não acabar de uma vez com a escola pública? Ora, primeiro seria uma economia enorme para os cofres público$ (não sei fazer a conta porque também estudei em escola pública), os ônibus ficariam vazios, os pais ficariam mais tranqüilos, etc. Já os terrenos das escolas (que são bem grandes em comparação com as edificações atuais) seriam transformados em excelentes hortas, galpões para escolas de samba e campos de futebol... Com a redução das muitas disciplinas para estas poucas (jogar bola, tocar tambor, plantar comida), haveria redução de gastos com professores (um só comandaria milhares de alunos) e maior aproveitamento curricular (o que faria bonito nas estatísticas de aprovação do MEC). Mais ou menos como hoje, mas ainda mais barato e eficaz. Digo sempre para Jorge: - Se é para ser esse engodo, melhor seria encararmos a realidade de que o Brasil Oficial (pensem na distinção Brasil Oficial x Brasil Real cunhada por Machado de Assis e citada por Suassuna) não está interessado em promover educação e fazer só o necessário para manter o povaréu vivo, afinal, é preciso ter os fornecedores de mão-de-obra. E, sejamos sinceros, para exercer a maioria das funções que os alunos de escola pública serão levados a exercer, nenhum deles precisaria ter ido um dia sequer para a escola. E eu poderia pegar meu ônibus em paz!
Mas eu dizia que o governo fechou escolas em Salvador. Só no meu bairro foram duas. Ao mesmo tempo os petistas bancaram uma campanha publicitária, em tudo desonesta, que atribuía ao crack a culpa de 98% da violência no Estado. Bom, não é nem preciso consultar o Espírito Santo para saber que muito mais culpado pela violência é esse chove não molha da educação. Outro item do meu projeto de acabar com a escola pública inclui a deportação dos brasileiros desajustados com o programa nacional, como Cristovan Buarque e Anísio Teixeira, para países como a Suíça, onde eles desenvolveriam suas idéias e, em troca, os governos estrangeiros nos mandariam parte da renda gerada para a gente aqui aplicar no próximo carnaval. Seria uma beleza! Mas, falando em escolas fechadas por falta de verba e verba publicitária para botar no crack a culpa de nossos males, lembrei de uma música da extinta banda Zé da Esquina, de Cássio Calazans. A canção se chama ‘O Crack e a Miséria’ e a letra merece ser reproduzida integralmente (de memória):
A minha escola só ensina a verdade
A minha bola fez escola também
Meu jogo tá perdido de qualquer maneira
Eu sei que você não deve nada a ninguém
Mas eu também quero participar da brincadeira
Aparecer de domingo a domingo na TV
Naquela cena que ‘cê passa por 1, passa por 2, passa por 3
E é claro finge que não vê
Não tá aí pra quem vai e nem aqui pra quem vem
Mas não pense que é só no futebol que tem craque
Na miséria tem crack também
Bate um bolão com a hipocrisia e a desonestidade
Tem torcida desorganizada a coisa é séria
A miséria também tem sua divisão de base
No banco de reservas também tem miséria
Aos 45 minutos do segundo tempo
E o time da miséria tá ganhando de cem
Então não pense que é só no futebol que tem craque
Na miséria tem...
A torcida gritando olé
Vendo a bola na televisão
Mais um craque com a bola no pé
Mais um corpo estendido no chão
O rei da brincadeira ê José
O rei da confusão ê João
Mais um craque com a bola no pé
A miséria na televisão
Que bonito é!
É bonito porque retrata o feio com precisão. Mas é como diz aquele samba, “feio não é bonito”. As meninas desprotegidas dentro dos colégios, os meninos acuados (ou encurralados), as professorinhas semi-alfabetizadas, a merenda que não chega, a droga vendida na porta, o apito para ir embora. E amanhã começa de novo. Tudo isso sendo pago com meu (nosso) dinheiro me ultraja. Não quero bancar essa farra. Ou, por outra, só quero bancar se for de verdade. Sou pelo fim (ou início) da escola pública. Todos os caminhos levam a Roma, menos o do meio. A existência da escola pública é um truque para fingir que existe educação. Sem ela, pelo menos nos livraríamos do nocivo placebo. O dinheiro aplicado em educação é pouco perto do que deveria ser, mas é muito para ficarmos nisso. Seria melhor distribuí-lo no bolsa família para comprarmos armas e munição. É como no caso da Maria Bethânia, se a escola particular engana os alunos e os pais dos alunos, formando meros robozinhos para o vestibular, pelo menos é com grana privada. A escola pública nem isso. Aqui, quando um estudante tem melhor desempenho é por mérito próprio e exclusivo. E este ainda é, não raro, ridicularizado e perseguido (inclusive pelo corpo docente). Faça o teste (eu já fiz): pergunte ao tocador de bumbo de fanfarra do desfile do 7 de setembro o que se comemora no próprio 7 de setembro. Tem quem responda até que é o 2 de julho! Este vídeo do roça-roça do colégio no Espírito Santo é apenas uma gota no imenso oceano de problemas que envolvem a escola pública e a educação em geral no Brasil. Há muita culpa, insisto nisso, dos meios de comunicação também neste assunto. Mas, por ora, a meta é acabar com a escola pública. Uma coisa de cada vez.
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