O ex-chanceler Celso Amorim invocou o "interesse do país" para prover passaportes diplomáticos a dois filhos de Lula.
Com isso, o Itamaraty criou um novo conceito de interesse nacional. Além do teor político e administrativo, adquiriu uma carga familiar.
Privilégios diplomáticos a filhos de ex-governantes não é coisa republicana. É coisa de monarcas.
Quando os filhos do ex-soberano não se enquadram nas regras que disciplinam a emissão dos passaportes, a coisa evolui para a monarquia absolutista.
Luiz Cláudio Lula da Silva, 25, caçula do ex-imperador e um dos beneficiários do privilégio não parece incomodado com a súbita notoriedade.
Ao contrário, Lulinha diverte-se com a própria fama. Escolheu a web como palco de seu deleite. Ele borrifou no twitter notas sobre o tema.
Comunica-se com a rede a partir do Forte dos Andradas, a instalação do Exército que Lula escolheu para transferir à Viúva a conta das férias da ex-primeira-família.
Apurada pelo repórter Matheus Leitão e veiculada na Folha, a novidade dos passaportes especiais ecoou no telejornal que sucede a novela.
Numa das notas que pendurou no microblog, Lulinha saboreou: “É isso aí.. Pelo jeito esse ano vou trabalhar no Jornal Nacional!”
A presença no departamento de telejornalismo não parece satisfazê-lo. Ambicona o núcleo de entretenimento: ‘...Podiam me colocar no BBB’.
Uma internauta que segue o filho de Lula no twitter provocou-o: “Lulinha pode ter passaporte diplomático, mas o que pega [mal] é ser europeu”.
Em timbre sarcástico, Lulinha respondeu com uma indagação: “Serve ter nacionalidade italiana?”
À época em que o marido ainda reinava, Marisa Letícia invocou as origens familiares para obter –para si e para os filhos— o reconhecimento da cidadania italiana.
Se quiser levar a diversão às últimas consequências, Lulinha pode emendar as férias na praia que costeia o forte do Guarujá numa viagem a Roma.
A dupla cidadania e, sobretudo, o passaporte diplomático lhe asseguram tratamento diferenciado na alfândega.
Nas ruas de sua segunda pátria, talvez precise ocultar o nome do pai. A negativa à extradição de Cesare Battisti fez de Lula persona non grata na Itália.
Ainda assim, Lulinha pode aproveitar a viagem para analisar as similaridades entre o sistema político brasileiro e o italiano.
A república, como se sabe, pode ser presidencialista (caso dos EUA), parlamentarista (caso da Itália) ou uma mistura das duas coisas (caso do Brasil).
O Brasil jura que é presidencialista. Mas a Constituição de 88, escrita para um parlamentatismo que o plebiscito sonegou, produziu um país híbrido.
Com algum esforço, Lulinha perceberá que há um traço comum a todas as repúblicas: a saudade da monarquia.
Quem obtém algum destaque no comando de uma república como a brasileira obtém alta popularidade e acaba assumindo ares de rei.
Renovado, o passaporte diplomático de Lulinha só vale por quatro anos, o mesmo prazo de validade do governo Dilma Rousseff.
É verdade que, mesmo numa falsa república, o pequeno grupo palaceano que (des)manda em tudo é mudado periodicamente –exceto pelo PMDB, que continua.
Mas Lulinha pode continuar se divertindo. Dilma é vista como mera transição entre a felicidade suprema de Lula e a volta da felicidade, em 2014.
De resto, o ex-monarca já avisou que, depois de “desencarnar”, continuará na política. Entre os objetivos que se autoimpôs está a reforma política.
Sem oposição, Lula pode negociar com os partidos a conversão da reinado disfarçado em monarquia real.
Por que diabos o Brasil deveria impor a si e a Lulinha limites à felicidade?
Neto de 14 anos de Lula também tem passaporte especial
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA
Um neto de 14 anos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também recebeu passaporte diplomático no dia 29 de dezembro, a dois dias do fim do mandato do petista, o que contraria norma interna do Itamaraty. Outro processo, a que a Folha teve acesso, garantiu o benefício ao bispo da Igreja Universal Romualdo Panceiro Filho. Ele foi emitido, também "em caráter excepcional", em fevereiro de 2010, válido por um ano.
Itamaraty dá passaporte diplomático a filhos de Lula
Apontado como sucessor de Edir Macedo, Panceiro é o responsável pela congregação na América Latina.
A Folha apurou que o pedido veio do senador Marcelo Crivella, parlamentar da base aliada fiel nas votações de interesse do governo. Macedo apoiou Dilma Rousseff na última eleição.
Nem o neto do ex-presidente nem o bispo fazem parte da lista de autoridades listadas no decreto 5.978/ 2006, que prevê a concessão de passaporte especial a presidentes, vices, ministros de Estado, parlamentares, chefes de missões diplomáticas, ministros dos tribunais superiores e ex-presidentes.
A norma também cita os dependentes das autoridades, mas o neto de Lula não se encaixa nessa categoria.
A Folha revelou ontem que Marcos Cláudio Lula da Silva, 39, filho do primeiro casamento de Marisa Letícia, e o irmão dele, Luís Cláudio Lula da Silva, 25, receberam o documento, também contrariando entendimento do órgão, já que são maiores de idade e não são deficientes.
Responsável pelos benefícios, o ex-ministro das Relação Exteriores Celso Amorim recorreu, em todos os casos, ao parágrafo 3º do decreto que, no seu artigo 6º, dá poderes ao ocupante do cargo para emitir o documento, em caráter excepcional, se há "interesse do país".
No caso do Neto e dos filhos de Lula, a validade do passaporte é de quatro anos. Os benefícios são: acesso à fila de entrada separada e com tratamento menos rígido. Em alguns países que exigem visto, o passaporte diplomático o torna dispensável.
O documento é tirado sem custo. Um passaporte custa em torno de R$ 190.
Questionada pela Folha, a assessoria do Itamaraty confirmou que "parentes de Lula" receberam o benefício para "evitar problemas com autoridades de outros países". Sobre Panceiro, disse que recebeu "em caráter excepcional" por "interesse do país".
A assessoria do bispo afirmou que o "mais apropriado a responder é o próprio Itamaraty". A Folha não obteve resposta dos familiares e do próprio ex-presidente Lula. Já o gabinete do senador Crivella informou que ele estava em viagem ao exterior.
Editoria de Arte/Folhapress
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