quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Por que roubam os comunistas?

No passado comunista comia "criancinhas", hoje - no poder,  "come ($$)"  em
nome das criancinhas...

  Eugênio Bucci
Época - 24/10/2011

Em 1989, aos 26 anos, o cineasta Steven Soderbergh ficou famoso com Sexo,
mentiras e videotape. Duas décadas depois, lançou Che, um épico dividido em
duas partes, ou dois filmes em sequência: no primeiro, Che Guevara vira
guerrilheiro em Cuba; no segundo, ele vai para a Bolívia instalar um foco
revolucionário. No primeiro, Che sai consagrado, aos 30 anos. Do segundo,
saiu morto, carregado por um helicóptero.
A cena final do primeiro filme é inesquecível. Pode ser vista como um
trailer do pesadelo ético que a esquerda viveria na América Latina a partir
de então. O protagonista Che Guevara (Benicio del Toro) vai pela estrada,
dentro de um jipe sem capota, na direção de Havana. É janeiro de 1959. O
ditador Fulgencio Batista fugiu. Fidel Castro venceu. De repente, passa
pelo jipe um vistoso conversível, dirigido por um dos comandados de Che. No
automóvel, moços e moças festejam, cabelos ao vento. Che ordena que parem.
“Que carro é este?”, pergunta ao motorista. “Era de um francoatirador”, diz
ele. O comandante se enfurece. Manda que seu subordinado volte, devolva o
carro e só depois vá para Havana, a pé, se for preciso.
A mensagem do líder era simples e direta: a revolução não era um movimento
de ladrões.
Na biografia que John Lee Anderson escreveu sobre Guevara, há uma passagem
parecida. De novo, estamos às voltas com automóveis. Agora, Che é ministro
das Indústrias, no regime comunista de Havana. Certo dia, seu
vice-ministro, Orlando Borrego, aparece na repartição com um Jaguar
esporte, novinho, que encontrara numa fábrica. O chefe o interpela aos
palavrões e o obriga a devolver o carro. Borrego passaria os 12 anos
seguintes dirigindo um Chevy mais simples, sem opcionais. Outra vez, a
mesma mensagem: a revolução não admite ladrões.
Acontece que a História (com “H” maiúsculo, como alguns preferem) não é
heroica. Ela é uma piadista. Quando morreu pelas armas dos militares
bolivianos, Che estava magro e doente. E os ladrões proliferaram nas
fileiras de esquerda. Rechonchudos e felizes. Não roubaram apenas
automóveis, mas utopias. Transformaram sonhos dos camaradas em butim. Estão
por aí, de terno, gravata e dinheiro vivo dentro de casa. Nisso se resume o
grande dilema existencial e político das organizações de esquerda.
Comunistas, quando corruptos, roubam a razão pela qual morreram todos os
guerrilheiros
Ao se acovardar diante da corrupção ou, pior, ao julgar que podem se
extrair vantagens táticas da corrupção, um partido de esquerda abdica de
acreditar na igualdade de oportunidades. Logo, abdica de sua herança
simbólica e de nomes como Che Guevara. É bem verdade que Che se tornou um
homem embrutecido, violento, comandando execuções às centenas, sem processo
justo. O lendário guerrilheiro foi, a seu modo, um misto de verdade e de
loucura (“tanta violência, mas tanta ternura”). Fez sua guerra, sujou as
mãos de sangue e topou pagar o preço de sua escolha. O que importa, agora,
é que ladrão ele não foi. E isso importa porque não foi a selvageria da
batalha que corrompeu a esquerda: foi o roubo.
Passemos ao Brasil de 2011. Passemos para hoje. Estamos aí atordoados com
mais um escândalo, outra vez embaralhando ONGs, mas agora com militantes e
ex-militantes do PCdoB e autoridades do Ministério dos Esportes. Passarão
meses, talvez anos, até que saibamos quem de fato tem culpa no cartório, se
é que o tabelião e os cartorários não estavam no esquema. Desde já, porém,
sabemos que há milhões e milhões de reais em irregularidades, tudo em nome
de dar assistência a crianças carentes que não recebiam assistência
nenhuma.
A corrupção virou a pior forma de barbárie de nossa democracia não apenas
porque mercadeja com o destino de crianças ou porque sacrifica vidas em
hospitais imundos e estradas abandonadas, mas principalmente por ter
transformado a política numa indústria complexa, cuja finalidade é a
apropriação da riqueza de todos para fins privados (e fins partidários são
fins privados). Na esquerda, a corrupção se qualifica: emprega métodos
bolcheviques e se justifica sob licenças ideológicas que enaltecem o crime
comum como se ele fosse a própria trilha de libertação dos oprimidos. É uma
corrupção delirante, que se julga uma nova modalidade de guerrilha contra o
capital, mas que, no fundo, presta serviços ao que há de pior no capital.
Comunistas e socialistas, quando corruptos, roubam enfim a razão pela qual
morreram todos os guerrilheiros. Traindo seus mortos, traindo os
desaparecidos, o corrupto de esquerda se sente vitorioso. Acha que pode
passear de conversível sem ser incomodado.

O problema é nossa direita tão pouco convive com a ética e as preocupações sociais.
Afinal, o que nós resta? O navio negreiro continua alimentando nosso país.
Dimitri

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