domingo, 22 de junho de 2014

UMA CASA NA ILHA


Os três irmãos Marinhos dividiram o poder assim. Roberto Irineu, o primogênito, é o presidente.
João Roberto, o segundo, é o editor, e dele emanam as diretrizes a serem seguidas por todas as mídias do grupo.
José Roberto, o caçula, cuida da Fundação Roberto Marinho, e é tido, nas Organizações, como um cruzado do ambientalismo.
Mas parece que seu cuidado com o meio ambiente vale para o mundo, mas não para a família Marinho.
Veio à luz espetacularmente, ontem, uma ilha dos Marinhos na região de Paraty. Quem a tornou assunto nacional foi o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, suspeito de irregularidades, em depoimento na CPI da empresa.
Antes de seguir, um registro cômico. A Globonews vinha dando ao vivo o depoimento até Costa falar na ilha. Ele disse que, em suas novas atividades, tem um contrato firmado para vender a ilha. “É um projeto chamado Zest”, afirmou.
Neste momento, a Globonews interrompeu a transmissão da CPI da Petrobras e foi para outro lugar. Os editores mostraram agudo senso de sobrevivência.
Pausa para rir.
A ilha, em si, permanece num véu de fumaça.
Mas não a casa monumental dos Marinhos na região. Mais especificamente, na praia de Santa Rita, em Paraty. A melhor matéria feita sobre ela – e as polêmicas que a rondam — não veio da Folha, ou da Veja, ou do Estadão.
Veio de fora, da Bloomberg. A Globo não goza, com a Bloomberg, do esquema de proteção que Folha, Veja e Estadão lhe garantem no Brasil.
“Os herdeiros de Roberto Marinho, que criou as Organizações Globo, maior grupo de mídia da América do Sul, construíram uma casa de 1 300 metros quadrados, um heliponto e uma piscina numa área da Mata Atlântica que a lei, supostamente, preserva para manter intocada sua ecologia”, disse a Bloomberg, numa reportagem de 2012.
José Roberto, o homem-natureza da Globo, aparentemente não se importou em derrubar árvores em sua propriedade, e muito menos se intimidou diante da lei.
A Bloomberg foi ouvir o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Falou com Graziela Moraes Barros, analista ambiental do instituto. Ela foi investigar a suntuosa casa, que recebeu diversos prêmios arquitetônicos.
“Os Marinhos quebraram a lei ao construir a casa”, disse ela.
Dois guardas armados, ela contou, impedem que outras pessoas usem a praia — pública — em frente da casa. De certa forma, isso lembra a infame ocupação de um terreno público pela Globo ao lado de sua sede em São Paulo.
Coloquemos assim: a Globo trata o Brasil como propriedade privada, e ninguém dá um basta nisso.
Um juiz ordenou em 2010 que a casa fosse derrubada, mas evidentemente que não foi.
Não é fácil fiscalizar as coisas na região.
Em abril de 2013, uma bomba foi colocada na casa de uma analista ambiental do ICMBio. Ela não se feriu, mas se assustou. Pediu para ser transferida para fora do Rio de Janeiro. “Tenho família e estou com medo”, disse ao jornalista Andre Barcinski.
“Não foi o primeiro caso de profissional que abandonou a região”, contou Barcinski. “Há dois anos, uma fiscal ambiental pediu transferência depois ter dois carros queimados, em 2008 e 2011, na porta de casa.”
De volta à reportagem da Bloomberg, topo mais uma vez com Graziela. Ela se saiu com uma frase que é especialmente dolorosa, porque verdadeira.
“Muita gente diz que os Marinhos mandam no Brasil. A casa mostra que eles certamente pensam que estão acima da lei.”
Pausa para um lamento.
E clap, clap, clap de pé para a brava Graziela pela capacidade de enxergar e descrever o Brasil em poucas palavras.
Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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