terça-feira, 3 de junho de 2014

UMA RESPOSTA A FLORISVALDO MATTOS

Meu nobrelíssimo amigo Forisvaldo,

Ainda bem que temos com quem tratar de assuntos de cunho literário e de nível mais elevado neste espaço da internet; e que o façamos usando uma linguagem 
formal e que respeite a nossa honorável língua pátria. 

Faço isto porque o assunto que o nobre amigo aqui nos trás diz respeito não apenas à discriminação de uma maneira geral, mas, em particular, à nossa própria linguagem que antes de mais nada (dizem alguns filólogos) é o que nos distingue enquanto espécie singular, neste bólido perdido a vagar pelos confins do universo.

Por que trago a questão da defesa da nossa língua brasileira? Trago porque aqui no Brasil a questão pode revelar-se ainda pior. O que está em jogo, além de quererem deformar os nossos clássicos da literatura estão querendo transformar a língua culta em língua popular através de uma espécie de “facilitação” do ensino, ou da popularização dos livros didáticos. Ou seja, ao invés de levar o nosso povo ao aprendizado para entendimento do que é elite (elite aqui no sentido, grego, daquilo que é mais elevado). O que se quer é transformar o ensino linguagem mais fácil, mais “pupularesca”. Haja vista a polêmica acerca do que foi proposto pela ONG Ação Educativa e aceito pelo MEC e tornou-se publicação do Programa Nacional do Livro Didático na obra Por uma vida melhor.

Isto foi defendido por uma ONG e assumido pelo MEC e condenado pelo presidente da ABL e tornou-se público pelos idos de 1997, entretanto ainda é atual e continua em questão, veja o texto senhor Vilaça:

"Todas as feições sociais do nosso idioma constituem objeto de disciplinas científicas, mas bem diferente é a tarefa do professor de Língua Portuguesa, que espera encontrar no livro didático o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a seus discípulos, variedade que eles deverão conhecer e praticar no exercício da efetiva ascensão social que a escola lhes proporciona", diz o documento da ABL.O senhor, Marcos Vilaça, com o qual eu concordo ainda afirma que o livro Por uma vida melhor é “completamente inadequado”. O trecho abaixo deixa bem claro porque:
No trecho denominado "concordância entre palavras", o livro discute a existência de variedades do português falado que admitem que substantivo e adjetivo não sejam flexionados para concordar com um artigo no plural. Na mesma página, os autores completam a explanação: "na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em número (singular plural) e em pessoa (1ª 2ª 3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica". Afirmam também: "a norma culta existe tanto na linguagem escrita como na oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta".

Ora meu amigo, eu pergunto na minha santa ignorância: quantos milhões de brasileiros vivem a escrever “requerimentos”? Ou seja: 199 milhões de brasileiros irão à escola para viverem escrevendo bilhetinhos fora da norma culta, para os iluminados 1 milhão restantes utilizarem a norma culta. Como eram os escribas no Egito e os Padres na idade Média. Será isto que a Ação Educativa quer?

“Quem poderá saber a origem das palavras que os poetas usam em seus hinos”. Esta belíssima frase está no livro Tratado de Semântica Brasileira de Prof. Dr. Silveira Bueno. Nos diz ele: “A mesma dificuldade a encontramos em Sêneca e Platão, a cujos espíritos tão profundos se erguiam temerosos as perguntas: existe significado nas palavras, intrìnsecamente, ou depende apenas do consenso humano?” Como querer, agora, facilitar os nossos clássicos, os pilares de nossa literatura? Como querer negar ao nosso povo, o acesso à beleza de nossa língua culta (oculta em nossa literatura) em nome de uma pseudo popularidade que os que defendem não perguntaram se eles a querem?

Meu amigo, que mais posso dizer como poeta e como escritor. Eu sentiria uma profunda dor se um dia mesmo morto viesse saber que alguém quisesse “facilitar” algo que eu escrevi para o entendimento de quem quer que seja. Pensou o que este sentindo o nosso velho Machado!
Que Deus nos perdoe por estar vivendo neste tempo.

Um grande abraço,

Uaçaí

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