terça-feira, 11 de março de 2014

O SOCIOLOGIQUÊS DE LEPO LEPO


Psirico

MALU FONTES
O sucesso da música Lepo Lepo, gravada pelo Psirico de Márcio Victor e composta pela dupla Felipe Escandurras e Magno Santana, foi estratosférico no Carnaval de Salvador. A música estava em todos os corpos, em todas as bocas e todas as telas de TV e manchetes relacionadas locais e até nacionais relacionadas à festa.
Entretanto, o fato é que em todos os carnavais de Salvador sempre há uma música que marca a festa. Ou algumas, no plural, que disputam entre si o trono da que mais gruda no ouvido de quem está na rua e a que mais faz a galera tirar o pé do chão, botar a mão pra cima ou descer até o chão, como já foi o caso, literalmente.
Sim, quem conhece o Carnaval de Salvador sabe que essas são palavras de ordem incorporadas a qualquer refrão de qualquer música entoada em cima de um trio elétrico, embora todas elas tenham, para além da obediência a esses gritos de guerra, uma coreografia própria, esquecida na quinta-feira após o arrastão das Cinzas.
Essas músicas também têm em comum o fato de os mesmos súditos que as alçam ao posto de rainha de execuções em um ano dificilmente lembrarem no ano seguinte qual foi a vencedora do Carnaval anterior. Ganha um doce quem lembrar, sem ajuda do Google, claro, qual foi a música dona do pedaço em 2012. E poucos ainda lembrarão das de 2013.
Assim, o que chama a atenção em Lepo Lepo, mais do que o sucesso que fez, foi a avalanche de teses sociológicas, econômicas, antropológicas e o diabo a quatro que vieram à tona na imprensa e nas redes sociais para explicar as razões pelas quais o público do Carnaval de Salvador teria se identificado tanto com ela.
A própria expressão lepo lepo foi traduzida, aliás, por alguns veículos de imprensa, não como o que de fato é, sexo ou relação sexual prazerosa, mas como amor romântico. Que tal? Misturou-se sexo com amor romântico desinteressado de bens materiais – embora a coreografia da música desenhasse com maestria para os inocentes a coisa a que se referia -, inventou-se uma oposição entre o funk ostentação paulistano com o que seria um inaugural e novíssimo pagode miséria da Bahia, contradisseram isso tudo com uma pitada das máximas de Joãosinho Trinta sobre intelectuais versus luxo e pobreza, adicionaram um outro quê de teorias anticapitalistas para explicar o que seria a filosofia de vida de quem vive nas favelas e pronto: o Lepo Lepo recebeu no colo uma galinha pulando cheia de ovos fertilizados por um sociologiquês de meia tigela mais non sense que o texto de Morango do Nordeste. Ou alguém vai dizer que não se lembra das “batatas da terra” de Lairton & seus teclados ou que sabia o que se estava dizendo com aquilo?
Desde quando as músicas que mais estouraram no Carnaval da Bahia precisam de tanta explicação para justificar seus índices de venda ou execução? Como já disseram por aí, a nova MPB, a Música pra Pular Brasileira, vai sempre muito bem sim senhor no seu nicho, ou seja, o Carnaval e seus filhotes, os carnavais fora de época país adentro e afora.
E este foi o ano do Lepo Lepo, não porque a música é anticapitalista ou deixa de ser, porque representa ou não a filosofia de vida das pessoas que vivem na periferia. Se fosse assim, o próprio Psirico teria ido pro Faustão cantar Favela ou Firme e Forte ou ainda Sou Periferia há muito tempo. E chamar os compositores e o próprio Márcio Victor de hipócritas por cantarem o desinteresse financeiro e uma supremacia do Lepo Lepo (leia-se sexo) para fazer sucesso e dinheiro só pode ser ruindade da cabeça ou doença do pé.
Melhor deixar os mortos, como Marx e Joãosinho Trinta, fora desse sociologiquês que inventa teses para explicar uma música feita apenas para divertir.

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