quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

PERGUNTAS DE MENINO

 MARCELO TORRES
Quando menino, era muito perguntador. Por que a Terra gira? E a professorinha, coitada, sem muitos recursos, tinha que se virar como podia.
Professora, se o plural de cão é cães, por que o plural de mão é mãos - e não mães? E se o de mão é mãos, por que o de pão é pães - e não pãos?
Cão, cães. Pão, pães. Mão... Mães!
Para ser sincera, a professora quase sempre dava uma de Chicó, aquele personagem d’O Auto da Compadecida: - Não sei, só sei que é assim.    
O padre aparecia lá em casa. - Por que Deus deixa o bebezinho morrer, padre? E o homem de Deus gastava todo seu latim, falava até javanês, para explicar ao moleque.
- Vocês precisam botar esse menino no catecismo! Urgentemente!
E por que o mágico do circo – aquele circo velho, sujo e de lona rasgada - não fazia uma mágica criando um grande castelo para toda a simpática companhia?
Agora, eu é que tenho que me virar, não necessariamente em Chicó, para responder ao Lucas. Papai, qual a capital da Austrália?
Assim, de supetão, quase digo Sydney ou Adelaide, mas logo lembro do belo nome: Camberra.
- E do Canadá? Vancouver, Toronto ou Montreal? 
- Quer me pegar, né, sabidinho? A capitá do Canadá é Otava.
- Ó-tôá, papai! Ó-tôá.
Ontem Lucas acordou com a periquita, ou melhor, com as periquitas, já que passou a perguntar sobre os plurais.  
- Papai, qual é o plural de vilão?
- Vilões, vilãos e vilães.
- Todos três?
- Sim, as três formas são aceitas, Luquinha.
- Por quê?
Sorri, enquanto buscava uma resposta, lembrando da professora, do velho Adauto lembrando do padre, lembrando de Chicó e já quase dizendo "Não sei, só sei que é assim". 
Como falar de exceção? De formas irregulares? De anomalias na morfologia? Formas consagradas pelo uso?
Como explicar por que há exceção nuns casos e não há em outros? Por que um uso popular é aceito e outro não é aceito?  
Bom, enquanto eu espremia os miolos buscando uma saída, um jeito de explicar, ele mesmo achou uma resposta, na verdade uma nova pergunta.
- É por que existem três tipos de vilão nas histórias, não é, papai?
Só me restou ficar sério, para não dizer sem graça, e responder que sim, há muitos tipos de vilão nas histórias.
Depois achei que ele perguntaria o plural de sultão, ermitão e ancião, pois eu já estaria com os aõs, ões e ães na ponta da língua, mas ele veio com outra dúvida:  
- Papai, qual é o plural de mel?
Confesso, meus amigos, que fiquei em dúvida. Existe plural de mel? Chicó não tinha como me ajudar, consultar o Iphone seria uma desmoralização.  
Foi aí que me baixou um santo, o sopro de um caboco, me lembrando que o plural de gel tanto pode ser géis como pode ser geles.
- O plural de mel – disse eu, para impor um ar solene e ainda ganhar um tempinho. - O plural de mel tanto pode ser méis como meles.
Ele calou, consentindo, satisfeito, enquanto eu, disfarçando a incerteza, abria o iPhone para que São Google não me deixasse mentir.
Estavam lá: géis e geles.
Pois é, meus amigos, vou ter que estudar mais. Vai que uma hora dessas ele resolve perguntar o plural de dez.  No futebol, ele vê, cada time tem um jogador camisa dez.
Bom mesmo seria fazer uma citação de Guimarães Rosa, que botou lá no início dos Grandes Sertões: "Pãos ou pães, é questão de opiniães". 
Menino tem cada arte...

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