Em 1949, tinha treze anos e,
com grandes dificuldades de me adaptar á repressiva disciplina estudantil, fora
mandado para uma escola particular em Casablanca.
Uma tarde, voltando a casa,
deparei-me com um novo cartaz na fachada do teatro municipal, que ficava no meu
caminho. Hoje este teatro não existe mais, vítima do “modernismo”. Coisas que não acontecem só na Bahia, acreditem...O
cartaz anunciava uma companhia de dança americana, o que na época, era algo inédito
em Marrocos. Ao
lado, umas fotografias em preto e branco – as coloridas eram raras – mostravam
um grupo de negros, homens e mulheres dançando. Sobrara um dinheirinho da curta
mesada maternal, suficiente, porém para um assento lá em cima. Veria algo diferente
em vez de filme de cow-boy. Hesitei um pouco. Tal empreitada nunca ainda tinha ocorrido
na minha curta vida. Acabei comprando um bilhete para a sessão do domingo á
tarde, com direito á ficar no fundo da pequena sala.
Foi assim que tive a imensa
sorte de poder me vangloriar, durante o resto da vida, por ter assistido a uma
apresentação da Katherine Dunham Company. O choque seria determinante para
muitas das minhas opções culturais e até políticas. Fiquei deslumbrado,
atônito, mareado pela beleza do espetáculo, suas músicas e ritmos, a estética força
dos corpos suados, pois era inevitável o impacto sensual do espetáculo sobre um
rapaz em pleno desenvolvimento intelectual e físico.
Sai do teatro como bêbado. O
mundo de repente era diferente. Minha escala de valores teria que ser questionada
e reconstruída. Durante semanas, imagens e sons ocuparam minha mente. Lembro
com nitidez que a parte ilustrando o Brasil, com puxada de rede, tinha sido dos
momentos mais extraordinários. Curiosamente, nunca ousei confessar a ninguém,
amigo ou familiar, aquela ida ao teatro, ato que não deveria fazer parte do
universo de um pré-adolescente, mesmo se nunca houvera desabono a tão improvável
fato.
Acabo de receber de um velho
amigo americano um DC de Eartha Kitt, que em 2006 foi verificar se existem angelitos negros. Enquanto a ácida voz
canta Monotonous, leio que ela
começou a se projetar com Katherine Dunham e, pela biografia da capa, poderia
ter estado no mesmo teatro de Casablanca. As duas foram entre as primeiras
mulheres a se empenhar em lutar contra o apartheid ianque
Você pode sentir um nó na
garganta ao lembrar algo que aconteceu quase sessenta atrás? No meu imaginário simbólico, as duas mulheres
se juntam a uma terceira mulher que sempre me fascinou, Rosa Parks. Gosto de
gente que sabe dizer não a forças aparentemente muito mais poderosas,
esmagadoras.
Estas três vitoriosas, sim
porque ganharam a batalha, fazem que eu também me sinta um pouco negro.
Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 21 de setembro de 2008.
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